A disputa de R$ 100 milhões por um pedaço do prédio mais alto do Rio

Capitânia faz movimento para trocar gestor de fundo imobiliário negociado abaixo do valor patrimonial, com quatro andares da Torre do Rio Sul

Torre Rio Sul, prédio corporativo mais alto do Rio de Janeiro: andares são alvo de disputa entre gestoras
04 de Junho, 2022 | 07:51 AM

Bloomberg Línea — Quatro dos 40 andares da Torre Rio Sul, o edifício corporativo mais alto do Rio, estão no centro de uma disputa de investidores do mercado imobiliário no Brasil. Dono de uma das melhores vistas da baía de Guanabara, o ativo entre os bairros de Botafogo e Leme é o mais valioso do fundo de investimento imobiliário (FII) Brascan Lajes Corporativas (BMLC11), gerido pela Argúcia Investimentos.

A Capitânia Investimentos pediu a convocação de uma assembleia para trocar a Argúcia, gestora que lançou o BMLC11 há dez anos, pela Suno Gestora de Recursos. A regulação de FIIs no Brasil permite que investidores com ao menos 5% das cotas convoquem uma assembleia geral. Com 25% das cotas é permitido deliberar temas como troca do gestor e até a liquidação do fundo em casos extremos.

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Como a Capitânia detém cerca de 27% das cotas do fundo, a troca de gestor era dada como certa no mercado até o BTG Pactual (BPAC11), na condição de administrador, divulgar dois fatos relevantes na última quarta (1). Ao todo, o fundo tem cerca de 1.400 cotistas.

Em um dos fatos relevantes, o BTG Pactual informou ao mercado que os dois imóveis que compõem o lastro do BMLC11 – o outro ativo é composto por dois andares no Brascan Century Corporate, outro edifício comercial no Rio - foram objeto de uma oferta de aquisição pela gestora americana 7 Bridges por R$ 98 milhões.

A oferta está abaixo dos R$ 109 milhões que é a estimativa para o valor patrimonial dos imóveis do fundo. Pelo fechamento da cota na sexta (3), os imóveis estão precificados no mercado secundário a R$ 95 milhões.

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No segundo fato relevante, o BTG Pactual prorrogou a consulta sobre a troca de gestor – originalmente prevista para ser encerrada na quarta (1º) – para o próximo dia 16.

POR QUE ISSO É IMPORTANTE: Depois de um boom em um ambiente de juros baixos - que chegaram a 2% ao ano no início de 2020 - nos últimos anos, que criaram condições para que a indústria de FIIs atingisse a marca de 1,6 milhão de investidores, essa indústria enfrenta um momento desafiador. A maioria dos FIIs de tijolo (com ativos como escritórios e shoppings), por exemplo, teve forte desvalorização a partir do aumento dos juros, com cotações abaixo do valor patrimonial dos imóveis que têm no portfólio.

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Isso está ocorrendo porque, com as sucessivas altas da Selic, atualmente em 12,75% ao ano, muitos investidores abandonaram essa categoria de FIIs, com dividend yields abaixo da taxa básica de juros, para se refugiar em ativos de renda fixa. Com isso, o preço das cotas da maioria desses FIIs veio abaixo.

MAIS CONTEXTO: Fundada em 2003, a Capitânia tem R$ 18 bilhões em ativos sob gestão e é vista, pelos pares, como um exemplo de ativismo no mercado, um termo que designa o uso de estratégias agressivas em defesa dos interesses dos cotistas.

Em carta aos investidores, a Argúcia, o alvo do ataque, defendeu a gestão do fundo e alertou investidores pessoas físicas dos riscos potenciais decorrentes das alterações das características iniciais do FII.

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“Um movimento como esse tenta escancarar a insatisfação do investidor com o atual gestor. Esses movimentos são considerados hostis no mercado, especialmente em um mercado pequeno como o brasileiro, mas eles devem ser vistos como uma espécie de tentativa de arbitrar preço, de provocar eficiência no mercado”, explica Arthur Vieira de Moraes, professor, especialista em fundos imobiliários e sócio do Clube FII, maior plataforma de informações sobre o mercado de FIIs.

Em janeiro, a Capitânia liderou uma tentativa de adquirir cotas do PATC11, um FII de lajes corporativas do Patria Investimentos, que estava sendo negociado bem abaixo do valor patrimonial. O objetivo era adquirir a totalidade das cotas (o Capitânia tinha 45% do total das cotas), mas a oferta teve baixa adesão.

Fontes ouvidas pela Bloomberg Línea afirmaram que a prorrogação da consulta pública para a troca de gestora pode acabar sendo alvo de questionamento por cotistas do Brascan Lajes Corporativas (BMLC11) com base em precedentes da própria CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Segundo Vieira de Moraes, a CVM já decidiu no passado que propostas do administrador não têm efeito suspensivo de atos de investidores com o percentual mínimo para convocação de assembleias.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.