Bloomberg Línea — A agropecuária se retraiu no primeiro trimestre em razão de uma quebra de safra, em um ano que já tem sido desafiador com inflação e juros na casa de dois dígitos, segundo informou o IBGE nesta manhã de quinta-feira (2). Mas a retomada está a caminho se depender dos maiores players do setor. Os cinco maiores produtores agrícolas do Brasil vão plantar na safra 2022/23 pouco mais de 2 milhões de hectares de soja, milho e algodão. E vão crescer em tamanho no futuro próximo.
A área plantada desse seleto clube de produtores, que equivale a cerca de 2 milhões de campos de futebol, vai representar um aumento de um dígito em relação ao ciclo anterior, em parte pela valorização dos preços das terras, mas também pelo custo financeiro mais alto, que postergou investimentos esperados.
A expectativa das empresas é que as margens das atividades retornem à normalidade, deixando para trás os momentos de euforia vividos pelo setor nos últimos dois anos. Mesmo com o aumento dos custos de produção que têm influenciado todas as cadeias produtivas, as cotações das commodities ainda se manterão em patamares altos o suficiente para garantir resultados positivos na próxima safra.
Mas deve acontecer uma espécie de “seleção natural”, que pode levar ao crescimento em tamanho de produtores que já estão entre os maiores do país. “Existe a percepção de que grupos que cresceram demais no passado recente sem o devido preparo tenham que desinvestir. Por outro lado, existem grupos bastante capitalizados esperando essas oportunidades surgirem”, explica Pedro Barreto Fernandes, diretor de agronegócios do Itaú BBA.
O executivo diz que há indicadores financeiros que apontam que os investimentos em aquisição de terras devem desacelerar ou até parar de crescer. É o caso das taxas das Cédulas do Produtor Rural (CPR). Segundo Fernandes, a taxa descontada dos produtores no ano passado oscilava entre 8% e 9% ao ano. Para a próxima safra, os valores já variam de 16% a 18%. Haverá um impacto.
Consolidação e crescimento
Nesse cenário, o mercado de M&A (fusões e aquisições) no setor deve se manter aquecido. Segundo José Dias, sócio do Demarest Advogados, o setor viveu há três anos uma fase de consolidação da indústria de defensivos, como a compra da Monsanto pela Bayer, a aquisição da Syngenta pela ChemChina e a fusão entre Dow e DuPont. Mais recentemente, foi a vez de o movimento atingir as distribuidoras de insumos, com a criação da Agrogalaxy (AGXY3) pela AquaCapital, o nascimento da Lavoro pelas mãos do Pátria Investimentos e o IPO de grupos como 3tentos (TTEN3) e Boa Safra (SOJA3).
“É possível que vejamos agora a venda de grandes áreas. O setor sempre foi muito resiliente e continuamos observando movimentações e que estão ocorrendo com velocidade. Negócios que levavam de três a seis meses para serem concluídos estão sendo fechados de três a quatro semanas”, afirma Dias, de um dos grandes escritórios do país que atuam com tais operações.
Conheça abaixo os planos dos cinco maiores grupos:
SLC: a diversificação dos negócios
Única companhia do grupo dos maiores produtores com ações negociadas em bolsa, a SLC (SLCE3) é atualmente a maior empresa agrícola do país e acaba de conseguir um feito difiícil de alcançar seja qual for o setor: passou a integrar o Ibovespa no início de maio, pela primeira vez desde que entrou na bolsa, em junho de 2007. São apenas 92 ações de 89 empresas que compõem o principal índice da bolsa brasileira, que atendem critérios objetivos como o volume de negociação diário dos papéis.
Na safra 2021/22, foram semeados 672,4 mil hectares, sendo praticamente metade dessa área dedicada à soja. Outros 26% foram destinados ao plantio de algodão, 18% ao milho e a parcela restante a outras culturas, especialmente pastagem.
A produção pecuária, aliás, está no foco de diversificação da empresa para este ano. Em março, a SLC anunciou que pretende chegar ao fim de 2022 com um rebanho que terá de 34 mil a 35 mil cabeças de gado, o que representaria um crescimento de 25% em relação ao fim do ano passado. Porém, como o próprio presidente da companhia, Aurélio Pavinato, declarou à época, há potencial para chegar a 100 mil cabeças nos próximos anos para gerar um maior retorno sobre o capital investido em terras.
Com sede no Rio Grande do Sul, a SLC tem produção distribuída pelos Estados do Piauí, Maranhão, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Do total da área sob seu controle, 48% das terras são próprias, 42%, arrendadas, e 10% fazem parte de sociedades e joint ventures.
A estratégia de expandir a área por meio de parcerias e arrendamentos e reduzir a aquisição de terras se intensificou a partir da safra 2013/14 e vem ganhando força desde então. O modelo batizado de “asset light”, utilizado cada vez mais em outros setores, prevê o aumento da produção sem que seja necessário comprometer o caixa da companhia com capital imobilizado em áreas próprias. A expectativa é que o aumento projetado para a área plantada na safra 2022/23 siga esse modelo.
A SLC revelou que quase 25% da sua produção de soja na próxima safra, cuja área total ainda não foi informada, já está fixada a um preço médio de US$ 13,60 por bushel. No caso do algodão, 36,7% da disponibilidade está travada a US$ 86,57 por libra-peso, enquanto quase metade da safra 2022/23 de milho da companhia já foi vendida a um preço médio de R$ 61,75 por saca. Além disso, pouco mais da metade dos fertilizantes e dos defensivos que serão utilizados durante a safra já está comprada.
Bom Futuro: soja convencional para a Europa
Segundo maior produtor agrícola do Brasil, o grupo Bom Futuro é liderado por Eraí Maggi Scheffer e vai plantar na safra 2022/23 pouco mais de 630 mil hectares de soja, milho e algodão. Serão incorporados no próximo ciclo cerca de 22 mil hectares, com a manutenção da estratégia de concentrar a produção no Estado de Mato Grosso, distribuída em 34 fazendas.
Segundo Inácio Modesto Filho, diretor técnico do Grupo Bom Futuro, cerca de 50% da necessidade dos fertilizantes que serão utilizados pela companhia já está “dentro de casa”. Contudo, o acesso ao produto ainda não está normalizado e ele não descarta a possibilidade de haver atrasos na entrega.
“A malha de transporte ainda não está normalizada e, mesmo que os produtores estejam com dinheiro na mão para pagar os preços elevados, é possível que o produto não chegue no tempo certo para ser utilizado”, disse Modesto em entrevista à Bloomberg Línea.
“De qualquer forma, a eventual falta do produto não deve interferir na produtividade da safra 2022/23, que vai ficar na dependência do clima. Uma eventual quebra por falta de fertilizantes poderia acontecer apenas no ciclo 2023/24, caso a situação de abastecimento não volte ao normal.”
As expectativas de mercado seguem positivas mesmo com o aumento dos custos de produção. O grupo Bom Futuro tem olhado com atenção para a demanda de soja convencional da Europa. Importadores têm aumentado a procura pelo produto no Brasil, especialmente depois que o fornecimento da Ucrânia ficou comprometido com a guerra com a Rússia. Estima-se que uma área de 5 milhões a 8 milhões de hectares na Ucrânia tenham sido impactados, o equivalente a um estado de Mato Grosso.
Segundo Modesto, dos 316 mil hectares que serão plantados com soja na safra 2022/23, pelo menos 80 mil serão dedicados às variedades convencionais.
“Tradicionalmente, o mercado europeu pagava um prêmio de US$ 2 a US$ 3 por saca de soja convencional do Brasil. Hoje, esse valor tem variado de US$ 8 a US$ 11 por saca e já temos parte de nossa produção vendida com antecedência”, contou o executivo.
Amaggi: novo modelo de crescimento
Controlada pela família do ex-ministro da Agricultura e ex-governador de Mato Grosso Blairo Maggi, a Amaggi vai semear 388,1 mil hectares na safra 2022/23. A área representa um incremento de 9,3% sobre o ciclo anterior, ou seja, 33 mil hectares serão adicionados à área do grupo.
O grupo está revendo algumas de suas estratégias de crescimento, que sempre estiveram muito voltadas à aquisição de terras. A Amaggi tem buscado adotar um modelo semelhante ao da SLC, em que o arrendamento de terras passa a ter um peso maior nos planos da companhia.
O arrendamento se tornou uma necessidade imposta no ano passado, quando a Amaggi adquiriu as operações brasileiras do grupo argentino O Telhar: da área plantada de 120 mil hectares, cerca de metade era de terras arrendadas e em fazendas fragmentadas, de menor estrutura fundiária.
Outro fator são os preços da terra, que dispararam nos últimos 18 meses, o que acabou por limitar a expansão da empresa por meio de novas aquisições. “Foi uma quebra de paradigma e, de certa forma, um retorno às origens do grupo. O arrendamento nunca foi nosso core business. Mas isso tem nos permitido crescer com menor alocação de capital. O que temos feito é comprar parte de uma fazenda e arrendar o restante dela”, disse à Bloomberg Línea Pedro Valente, diretor geral da divisão agrícola da Amaggi.
Além dos preços das terras, os custos de produção permanecem como um sinal de alerta para o grupo. Valente destacou que o valor da energia, que era “desprezível”, já não é mais, e que os preços dos fertilizantes tiveram uma forte valorização, bem como os valores cobrados pelo diesel, utilizado em todo o maquinário agrícola. “As margens da agricultura ainda serão boas, dentro da média, porém menores do que nos últimos dois anos, quando a rentabilidade estava fora do normal”, afirmou.
Insolo: biodefensivos e fertilizantes orgânicos
Com fazendas distribuídas pelos Estados de Piauí, Tocantins e Maranhão, a Insolo deve cultivar na safra 2022/23 perto de 150 mil hectares de soja, milho e algodão. A área representará um crescimento de 25% sobre os 120 mil hectares plantados na safra passada.
Será a primeira safra completa sob nova gestão. Em novembro do ano passado, o empresário catarinense Ricardo Faria desembolsou quase R$ 2 bilhões para comprar a empresa e a fundir com a Terrus, de sua propriedade. No ciclo 2021/22, os dois grupos juntos devem superar a marca de R$ 1 bilhão em receita, impulsionada pela valorização das commodities no mercado internacional.
Na safra 2022/23, a Insolo deve acelerar seu projeto que prevê reduzir sistematicamente o uso de defensivos químicos e substitui-los por biodefensivos. Outra aposta está nos fertilizantes orgânicos, em empreendimento conduzido pela Granja Faria, também do empresário.
Em março, a empresa anunciou o investimento de R$ 50 milhões na construção de duas fábricas do insumo: elas vão produzir 200 mil toneladas por ano a partir dos resíduos gerados a partir das dez granjas do grupo, que abrigam 14 milhões de galinhas e produzem 7,2 milhões de ovos por dia.
A Insolo é conduzida pelo engenheiro agrônomo Flávio Inoue, que já liderou o projeto do Sollus Capital, fundo com capital estrangeiro que investia em terras no Brasil no início dos anos 2000.
Scheffer: expansão internacional
Com produção de soja, milho e algodão em Mato Grosso e Maranhão, o grupo Scheffer também deve superar na safra 2022/23 os 200 mil hectares plantados no ciclo anterior. Diante dos preços da terra em alta no Brasil, a estratégia do grupo tem sido ampliar sua produção no exterior.
Há dois anos, o Grupo Scheffer iniciou o plantio de soja e milho na Colômbia. Foram mil hectares de soja e outros mil de milho no primeiro ano. No segundo, a soja ocupou 2,5 mil hectares, enquanto o milho cobriu 4 mil hectares de milho. Passadas duas safras e ajustes tecnológicos superados, a meta do grupo é chegar a 40 mil hectares de terras na Colômbia nos próximos anos.
É um crescimento que remete à evolução do próprio grupo no Brasil, fundado na década de 1980 por Elizeu e Carolina Scheffer, produtores do Paraná que migraram para Mato Grosso. A primeira safra de soja de um dos maiores produtores do país atualmente tinha uma área plantada de 400 hectares.
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