Bloomberg Opinion — Os stock pickers vêm superando o mercado em massa neste ano, levantando a velha questão no mercado sobre se seu sucesso deve ser atribuído à sorte ou às suas habilidades.
Quase 70% dos cerca de 2.850 fundos mútuos de ações dos Estados Unidos com gestão ativa com o objetivo de superar o índice S&P 500 (SPX) como benchmark o fizeram neste ano até a semana passada. Essa é uma grande evolução em relação ao ano passado, quando apenas 15% dos stock pickers de large caps (as ações com maior valor de mercado) dos EUA superaram o mercado, de acordo com o último relatório SPIVA que monitora o desempenho dos gestores (vale dizer que o S&P 500 acumulou queda de 13% em 2022 até a semana passada, depois de subir cerca de 27% em 2021).
Stock pickers são investidores que adotam a estratégia de estudar os fundamentos das empresas e daí fazer a seleção dos papeis que vão compor o portfólio, em vez de privilegiar setores, por exemplo.
O percentual deste ano também está muito mais alto que o normal. Em média, cerca de 35% dos gestores superaram o S&P 500 em qualquer ano civil, com base nos resultados anuais a partir de 2007.
Mesmo assim, os resultados deste ano não são uma completa surpresa. A maioria dos stock pickers investe em uma ampla gama de setores do mercado, desde empresas de tecnologia de rápido crescimento, como Google e Amazon, até bancos e empresas industriais.
Até pouco tempo, as ações de tecnologia foram as que tiveram melhor desempenho, o que aumentou seu valor de mercado em relação a outras e lhes proporcionou uma fatia cada vez maior na composição de índices como o S&P 500, que ponderam as ações por tamanho. Enquanto o setor de tecnologia estivesse em alta, era impossível que uma carteira amplamente diversificada acompanhasse. Agora é exatamente o oposto: com as ações de tecnologia despencando, carteiras planejadas têm vantagem.
Contudo seria um erro pressupor que essa bonança recente dos gestores continuará. A evidência é esmagadora: quanto mais tempo eles ficam no jogo, maior a probabilidade de perderem. O último relatório SPIVA foi típico: apenas 17% dos stock pickers de ações de large caps dos EUA superaram o S&P 500 nos últimos 10 anos até 2021, e esse número cai para 6% quando comparamos com 20 anos atrás.
O tempo vence a maioria dos stock pickers. Investidores institucionais certa vez chamaram o gestor de fundos hedge - o equivalente no Brasil aos fundos multimercados - Gabe Plotkin de “prodígio” depois que ele acumulou ganhos de 30% ao ano durante meia década.
O bilionário Ken Griffin, que apoiou o fundo de Plotkin, chamou-o de “investidor emblemático” que “fez um trabalho incrível para seus investidores” em recente entrevista para a Bloomberg Intelligence.
Atualmente, Plotkin está encerrando seu fundo após uma queda de 39% no ano passado e de 23% neste ano até abril. A reação de Griffin: “O fundo hedge médio tem vida útil de cerca de três anos. Portanto, centenas são encerrados em um ano e a vida segue.” Talvez não se trate de habilidade.
Chase Coleman, fundador da Tiger Global Management, é ainda mais admirado. Seu fundo hedge com duas décadas de vida supostamente gerou retornos de mais de 20% ao ano até 2020, auxiliado por grandes apostas em ações de tecnologia. Agora essas apostas estão azedando.
Após um ano de baixa em 2021, o principal fundo hedge de Coleman caiu 44% neste ano até abril, e seu fundo exclusivo de posições compradas recuou 52%. O que aconteceu? “Os mercados não cooperaram tanto”, escreveu a Tiger Global a investidores. Eles raramente cooperam com stock pickers.
Nem mesmo os fundos com históricos mais admirados são necessariamente uma demonstração de habilidade. Talvez o mais admirado seja o de Peter Lynch, que obteve um retorno de 29% ao ano na liderança do Fidelity Magellan Fund de 1977 a 1990, incluindo dividendos. Ele superou o S&P 500 – benchmark do fundo – em mais de 13% ao ano durante esse período.
Pode parecer uma excelente seleção de ações, mas não é bem assim. Por exemplo, Lynch não investiu no S&P 500. Ele comprou ações de empresas de alta qualidade que negociaram por um preço razoável, uma mistura de duas estratégias – qualidade e valor – que são bem conhecidas por terem superado o mercado historicamente.
A combinação das duas estratégias superou o mercado por uma margem enorme enquanto Lynch liderava o Magellan. Uma combinação de 20% das ações mais rentáveis e baratas dos EUA, com peso igual, retornou 28% ao ano durante esse período, segundo dados compilados pelo professor de Dartmouth Ken French, quase o mesmo desempenho de Lynch.
Tanto Magellan quanto a combinação de rentabilidade e valor são comparavelmente voláteis, e cerca de 30% mais voláteis que o S&P 500, outro indicativo de que a combinação de rentabilidade e valor captura mais de perto o estilo de investimento de Lynch do que o S&P 500.
Portanto, não parece haver nenhuma mágica na seleção de ações de Lynch. Ele teve apenas sorte com o fato de seu estilo de investimento ter sido favorável durante seus 13 anos no Magellan. Mas esse nem sempre é o caso. Se ele tivesse usado seu estilo durante os 13 anos anteriores, provavelmente teria gerado um retorno mais próximo de 6% ao ano, ou 1 ponto percentual acima do S&P 500. Na verdade, desde 1963, não houve outro período (além do final dos anos 1970 e 1980) em que Lynch teria se saído tão bem. E se seu histórico desaparecer sob escrutínio, imagine como os outros gestores parecerão ruins.
Lembre-se disso quando ouvir algo sobre stock pickers superarem o mercado neste ano. Alguns podem ter históricos de sucesso que não podem ser explicados apenas por seu estilo de investimento. Warren Buffett, David Tepper e Chris Hohn são exemplos. Mas estes são exceções. Os outros provavelmente tiveram sorte.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Nir Kaissar é colunista da Bloomberg Opinion e cobre mercados. Fundou a Unison Advisors, uma empresa de gestão de ativos.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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