Bloomberg Opinion — Mudar a final da Champions League para Paris, em vez de realizá-la em São Petesburgo, era para ser uma alfinetada diplomática em Vladimir Putin.
Em vez disso, o evento se transformou num teste de estresse da capacidade da capital francesa no pós-pandemia para manejar um grande evento esportivo internacional – e todos os turistas subjacentes – antes dos Jogos Olímpicos de 2024.
O caos no Stade de France não foi um bom sinal, mesmo que as multidões de fãs de futebol possam ser mais indisciplinadas do que fãs de triatlo.
Pessoas sem ingresso entraram no estádio e pessoas com ingressos ficaram de fora – resultado, segundo o governo, de um grande esquema de falsificação. O ataque a pessoas com spray de pimenta pareceu confirmar os extremos da polícia francesa. A culpabilização de ministérios a autoridades locais e à polícia também não foi encorajador.
E, com a presença massiva dos meios de comunicação globais em uma das cidades mais visitadas do mundo, as câmeras estavam prontas para cobrir quaisquer acontecimentos. A televisão espanhola filmou alegremente um rato saindo da catedral de Notre Dame, e, no domingo (29), um homem disfarçado de mulher em uma cadeira de rodas atirou uma torta na Mona Lisa – que fica no Louvre – num protesto pelo clima.
Seria errado dizer que esse caos todo é um fenômeno específico de Paris ou da França. A final do Campeonato europeu de 2020, realizada em Wembley no ano passado, foi marcada por uma onda semelhante de fãs sem ingressos e muita violência. À medida que as cidades voltam à vida pós-covid, administrar as multidões parece um problema contínuo.
No entanto, a França precisa trabalhar muito em grandes eventos esportivos para melhorar sua imagem. Sua candidatura aos Jogos Olímpicos de 2024 foi a menina dos olhos de um novo tipo de diplomacia esportiva, que dispensou os grandes estádios caríssimos que viram elefantes brancos em favor de projetos mais sustentáveis e baratos que utilizam as instalações existentes.
O seu custo estimado de US$ 7,1 bilhões deve ser a prova do novo paradigma, em comparação com o custo de US$ 33,2 bilhões de euros dos Jogos Olímpicos de Pequim ou o custo de US$ 17,7 bilhões dos jogos do Rio de Janeiro. E também deve consolidar o urbanismo ambiental da prefeita Anne Hidalgo, com pegada de carbono menor do que a dos jogos de Londres em 2012.
Na prática, isso significa uma mistura de edifícios novos e reformados entre Paris e Saint-Denis, local do Stade de France, que deve ser o principal beneficiário das reformas – semelhante ao que aconteceu em Stratford, em Londres.
A infraestrutura de transportes também será nova, desde uma expansão do metrô a ruas adaptadas para pedestres e dedicação de parte do anel viário de Paris para transporte durante os Jogos Olímpicos.
Antes deste fim de semana, já havia certo risco de decepção. A pandemia de covid já atrasou diversos desses projetos.
O urbanista Laurent Chalard também alerta que a redução de custos e do alcance de um projeto olímpico também significa possivelmente perder alguns benefícios das reformas. Ao contrário de Stratford, os planos para Saint-Denis, no extremo norte de Paris, não incluem uma estação ferroviária ou muitos imóveis.
Portanto, é essencial consertar o que pode ser consertado. Algumas lições do fim de semana foram sobre organização. Sebastien Louis, um historiador especializado em organizações de fãs de esportes, observa que a segurança dos estádios da França pode motivar um recrutamento repentino de última hora; ele sugere que a Dinamarca seja o modelo – o que exige treinamento e licenças.
Outras lições serão culturais: o manejo de multidões de fãs de futebol tende a usar táticas violentas outrora utilizadas contra hooligans, conforme admitido por autoridades locais na segunda-feira (30).
Outras tantas lições serão sobre as desigualdades pós-covid das grandes cidades, como o acesso a emprego, transporte e habitação. Se os atrasos e as desilusões arruinarem as esperanças de inclusão social de Saint-Denis – que Emmanuel Macron descreveu de forma pouco convincente como uma “Califórnia” em formação – os conflitos com a polícia não vão acabar.
A final da Champions League não foi tão vitoriosa quanto deveria. Mas como teste de estresse para o futuro do desenvolvimento urbano, foi um mal necessário.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre moedas digitais, França e União Europeia. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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