Bloomberg — O presidente americano Joe Biden fez uma rara reunião com o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, para declarar que respeita a independência do banco central dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que transfere a responsabilidade de controlar a inflação galopante antes das eleições de meio de mandato em novembro.
Biden aproveitou a reunião no Salão Oval para argumentar que, embora combater a alta dos preços seja sua prioridade, esse trabalho é basicamente do Federal Reserve.
“Meu plano é resolver a inflação. Isso começa com uma simples proposta: respeitar o Fed e sua independência – algo que faço e continuarei a fazer”, declarou Biden.
Essa é a terceira reunião presencial de Biden com Powell desde que assumiu o cargo, e a situação lembra a época em que o então presidente Ronald Reagan se reuniu com o então chefe do Fed, Paul Volcker, há quase quatro décadas, quando ele buscava a reeleição em meio à pressão galopante dos preços.
Biden vem tentando mostrar que está maximizando os esforços para conter a inflação mais alta desde a década de 1980 antes das eleições de meio de mandato de novembro, nas quais os democratas correm o risco de perder suas já pequenas maiorias no Congresso.
A Casa Branca busca cada vez mais transferir o ônus da luta contra os altos preços para o Fed em declarações públicas, já que as pesquisas mostram que o aumento dos custos é a principal preocupação dos eleitores. Em um editorial publicado na segunda-feira (30) no Wall Street Journal, Biden disse que o Fed tem “a responsabilidade básica de controlar a inflação”.
Nesta terça (31), Biden afirmou que seu papel como presidente é proporcionar ao Fed “o espaço que precisa para fazer seu trabalho, acrescentando: “não vou interferir em seu trabalho de suma importância”.
Independência do Fed
Os presidentes recentes, com exceção de Donald Trump, fizeram questão de declarar publicamente seu compromisso perante a independência do Fed e se abstiveram de fazer qualquer crítica ou dar conselhos publicamente.
Trump rompeu com a tradição ao criticar regularmente o banco central, argumentando que deveria ter sido mais agressivo ao cortar as taxas de juros e, em certa ocasião, declarar que estava pensando em rebaixar Powell.
Biden tentou se contrastar com Trump, afirmando no editorial que seu antecessor “rebaixou o Fed, e os presidentes anteriores tentaram influenciar suas decisões inadequadamente em períodos de inflação elevada. Eu não vou fazer isso.”
A mensagem do presidente ao Fed na reunião foi que ele “não influenciará“, disse Cecilia Rouse, presidente do Conselho de Assessores Econômicos, à Bloomberg Television.
“O que o presidente quer dizer é fazer o que for preciso”, disse Rouse.
Biden renomeou Powell para um segundo mandato de quatro anos à frente do Fed, restaurando a tradição de manter o presidente vindo do governo anterior. Powell foi confirmado pelo Senado no início do mês e tomou posse na semana passada.
Mesmo assim, o conselheiro econômico da Casa Branca, Brian Deese, defendeu a reunião, declarando que “um evento periódico era prática padrão para presidentes e líderes do Federal Reserve compartilharem opiniões sobre a economia”.
Biden usará a reunião para enfatizar que está dando ao banco central “espaço para atuar” de maneira independente para resolver a inflação, disse Deese – que participou da reunião juntamente com a secretária do Tesouro e ex-presidente do Fed, Janet Yellen – em entrevista à Bloomberg Television mais cedo.
O banco central responde ao Congresso, que lhe deu a dupla tarefa de buscar a estabilidade de preços e o máximo de empregos, embora os presidentes possam selecionar os sete governadores do Fed, incluindo o presidente e dois vice-presidentes. Como resultado, funcionários da Casa Branca tentam evitar fazer comentários sobre política monetária.
Trump ignorou a prática no passado e criticou regularmente Powell por aumentar as taxas de juros, chamando-o de “sem noção” e perguntando se ele seria um “inimigo maior” que o presidente Xi Jinping, da China.
Em certo ponto, Trump até consultou conselheiros sobre demitir Powell, que ele havia promovido a presidente. Powell foi firme, confirmando publicamente que não renunciaria se o presidente pedisse e se recusando a comentar sobre as críticas muitas vezes depreciativas.
Prioridade
Powell, criticado por ser muito lento ao combater a inflação, também a considera sua principal prioridade e lançou as campanhas de aperto monetário mais agressivas em décadas.
Dados divulgados na sexta-feira (27) mostraram que o indicador de pressão de preços preferido do banco central – o índice de preços para gastos com consumo pessoal – aumentou 6,3% no mês passado em comparação com abril de 2021 – mais que o triplo da meta do Fed de 2%.
As autoridades elevaram as taxas de juros em meio ponto percentual no início do mês, e Powell sinalizou que o banco central planeja continuar os aumentos de mesmo porte em junho e julho, mesmo enquanto seu enorme balanço patrimonial começa a diminuir.
Os mercados financeiros oscilaram fortemente, e investidores temiam que o Fed poderia desencadear uma recessão em seus esforços para controlar os preços. As autoridades – que admitem que será um desafio – buscam fazer um pouso suave que esfrie a demanda, aumentando o custo de empréstimos para tudo, desde casas a automóveis, mas não pressiona as empresas a demitir trabalhadores.
O mercado de trabalho dos EUA está apertado como nunca, com a taxa de desemprego de 3,6% em abril ficando próxima de uma baixa de 50 anos; para cada pessoa procurando emprego, há duas vagas. Isso está elevando os salários e alimentando a inflação, juntamente com os aumentos de preços causados pelos problemas na cadeia de suprimentos gerados pela covid-19 e o impacto nos custos de energia e alimentos gerado pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
Além da inflação, Biden e Powell discutiram a economia e global e a recente confirmação de Lael Brainard, Lisa Cook e Philip Jefferson como membros do conselho do Fed, segundo um funcionário da Casa Branca.
Biden pediu que o Senado também confirme Michael Barr como vice-presidente de supervisão do Federal Reserve, um cargo importante e que supervisiona o setor bancário.
--Com a colaboração de Saleha Mohsin e Jennifer Jacobs.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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