Nos EUA, gastos do consumidor podem ter atingido pico

Americanos estão tendo que gastar mais para bancar suas compras; com isso, as riquezas estão caindo, e isso não é nada bom

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Bloomberg Opinion — A grande notícia econômica recente foi que os gastos reais do consumidor nos Estados Unidos subiram em abril pelo maior número em três meses, ajudando a empurrar o índice S&P 500 (SPX) para seu maior ganho semanal desde março. À primeira vista, isso pode ser visto como um sinal de resiliência por parte dos consumidores, apesar das maiores taxas de inflação desde o início dos anos 80. Pode até ser, mas não é nada encorajador que os consumidores tenham que desembolsar mais para bancar esses gastos.

Dados do Departamento de Comércio dos Estados Unidos mostraram que as compras de bens e serviços aumentaram 0,7% em abril em relação a março, após reajustes para preços mais altos. No último ano, apenas o percentual de 1,5% em janeiro foi maior. Essa força deve apaziguar as conversas sobre uma recessão iminente, principalmente porque os gastos do consumidor respondem por cerca de dois terços da economia. O que é preocupante é que a taxa de economia pessoal teve outra grande queda, caindo abaixo de 5% pela primeira vez desde 2009.

A divergência entre gastar e poupar sugere que podemos estar testemunhando “o último suspiro” na forte narrativa do consumidor. Não é difícil imaginar os consumidores, ao ver suas economias reduzidas ao mesmo tempo em que os mercados de ações e títulos estão apresentando grandes perdas, decidirem que é hora de fazer uma pausa nas compras por um tempo.

O JPMorgan Chase (JPM) estima que a riqueza das famílias americanas caiu pelo menos US$ 5 trilhões desde o início de 2022 e valor pode chegar a US$ 9 trilhões até o final do ano. E os salários não acompanham nem a inflação nem os gastos. Os dados do Departamento de Comércio também mostraram que a renda pessoal subiu 0,4% em abril, desacelerando ante 0,5% em março e 0,6% em fevereiro. “É difícil imaginar que o consumo possa continuar crescendo mais rápido que a renda para sempre”, escreveu o economista da FHN Financial, Chris Low, em nota para clientes.

Os lucros corporativos dos EUA tiveram a maior queda no primeiro trimestre em dois anos, e os empregadores não parecem estar dispostos a desembolsar grandes aumentos para manter ou atrair talentos em uma economia em desaceleração. “Chegamos a um nível de inflação salarial em que os empregadores dirão: ‘fiz tudo que pude’”, disse à Bloomberg News Jonas Prising, CEO da ManpowerGroup, empresa de recrutamento com sede em Milwaukee que atende a mais de 100 mil clientes em todo o mundo. “Meus consumidores e clientes não vão aceitar o repasse desses custos, então precisamos começar a mitigá-los.”

É verdade que, embora a taxa de poupança possa cair, a economia geral está em níveis recordes, o que deve atenuar a preocupação com o consumidor. Os generosos programas sociais instituídos pelo governo dos EUA para apoiar a economia durante a pandemia de covid-19 permitiram que os consumidores fizessem um ótimo pé-de-meia. Os depósitos para famílias e organizações sem fins lucrativos subiram para US$ 4,06 trilhões em dezembro, ante US$ 1,16 trilhão no final de 2019, segundo o Federal Reserve. A alta anterior para essa métrica antes da pandemia era de US$ 1,41 trilhão.

E não é só isso. A proporção entre dívida e serviço das famílias está próxima de mínimas recordes desde o início da pandemia, mantendo-se confortavelmente abaixo de 10% e longe do pico recorde de 13,2% em 2007, antes da última recessão, mostram dados do Fed. Este é outro motivo pelo qual apostar contra o consumidor pode ser uma tolice. “A queda da taxa de poupança pessoal para mínimos vistos pela última vez em 2008 mostra que os consumidores estão compensando o tempo perdido durante a pandemia – esbanjando não apenas em bens, mas também em serviços – mesmo quando a inflação corrói a renda real”, escreveu Yelena Shulyatyeva, da Bloomberg Economics, em nota depois que os dados pessoais de renda e gastos foram divulgados.

O problema é que os consumidores estão contraindo mais dívidas para manter seus hábitos de consumo. O Fed disse no início deste mês que o crédito total subiu um recorde de US$ 52,4 bilhões em março em relação a abril, após um ganho revisado de US$ 37,7 bilhões em fevereiro, segundo dados divulgados na sexta-feira (27). O aumento de março foi mais que o dobro da projeção de uma pesquisa da Bloomberg com economistas. O crédito rotativo pendente, que inclui cartões de crédito, saltou para US$ 31,4 bilhões -- valor sem precedentes.

Mais evidências de que os gastos do consumidor podem perder força em breve vieram na forma do índice mensal da Universidade de Michigan, que mostrou queda no sentimento em maio, que bateu o valor mais baixo desde 2011. Na pesquisa, a parte relacionada a ser um bom momento para comprar um importante eletrodoméstico caiu para o menor dos registros desde a década de 1970. Quanto a saber se é um bom momento para comprar uma casa, o índice da pesquisa caiu para o mais baixo desde 1982.

O consumidor teve um bom período, graças principalmente à rápida resposta do Fed e do governo dos EUA para injetar dinheiro na economia durante a pandemia. Mas tudo que é bom dura pouco, e este pode ser o início de uma grande retração por parte dos consumidores.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Robert Burgess é o editor executivo da Bloomberg Opinion. Anteriormente, foi o editor executivo global responsável por mercados financeiros na Bloomberg News.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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