Bloomberg Línea — De casas premiadas com estrela Michelin, a distinção máxima que um restaurante pode receber no mundo, até ambulantes que vendem marmitas na calçada a R$ 10, há oferta - e demanda - para todos os bolsos no entorno dos 4,6 km de extensão da Avenida Faria Lima, na zona oeste de São Paulo.
É uma área com quase 500 mil m² de escritórios, ocupada sobretudo por empresas dos setores financeiro (38,2%) e de tecnologia (10,6%), segundo levantamento do Sistema de Informação Imobiliária Latino-Americana (SiiLA), empresa de dados e análises para o mercado imobiliário.
O distrito financeiro abriga gigantes como BTG Pactual (BPAC11) e Itaú BBA (ITUB4) - a XP (XP) também estava presente em peso antes da pandemia -, além de algumas das maiores gestoras do país, como SPX Capital, Verde Asset e Constellation, entre outras casas. Representantes das big techs, como Google (GOOG) e Meta (Facebook) (FB), também marcam presença na Faria Lima.
São empresas que empregam em alguns casos milhares de profissionais, o que dá origem a uma demanda formidável para se comer bem, seja qual o preço da refeição. Com a retomada do trabalho no escritório de forma mais acentuada neste ano, os dias mais difíceis da pandemia para donos de restaurantes e bares e seus funcionários ficaram para trás, mas há uma nova ameaça: o aumento dos preços.
Diante de uma inflação persistente que está nos patamares mais elevados em duas décadas, é difícil dizer que algum estabelecimento tenha conseguido sair ileso. Sylvio Lazzarini, fundador e diretor geral do Varanda Grill, steak house das mais tradicionais da cidade, com três unidades - todas na região da Faria Lima -, disse em entrevista à Bloomberg Línea que o ticket médio do cliente que frequenta as casas aumentou “acompanhando a inflação brutal que pegou em cheio os alimentos”.
“De 2019 pra cá houve um encarecimento brutal de todos os alimentos: leite, derivados, trigo etc. Isso é repassado para o preço final, sem dúvida alguma”, diz. “O reajuste nos preços dos nossos serviços foi acontecendo de forma gradual. A carne, que é nosso principal insumo, não subiu de uma vez. Então, o ticket médio acompanhou e, em termos reais [acima da inflação], ele subiu de 5% a 8%. A inflação é um problema para todos nós”, resume o restauranteur, um dos mais longevos da região. A primeira unidade do Varanda foi inaugurada há mais de 25 anos.
Com um público formado em sua maioria por executivos, Lazzarini conta que o ticket médio das casas hoje é de R$ 200. A boa notícia para o empresário é que, mesmo diante do aumento dos preços de carnes grelhadas com corte brasileiro, argentino ou americano, a receita do mês de maio fechará acima do mesmo período de 2019, o ano pré-pandemia. “Nosso público está mais ávido por viver”, afirma.
Em outro ponto da região, na rua Leopoldo Couto de Magalhães, está o Ráscal. A casa, que oferece um dos mais concorridos buffets com saladas, massas, carnes e pescados por R$ 96 durante a semana, também precisou contornar a alta dos alimentos repassando uma parte para o consumidor final.
“Do começo de 2020 até agora, tivemos aproximadamente 32% de inflação pelo IPCA. A cesta do grupo Ráscal tem mais importados e por isso está mais atrelada ao dólar. Sendo assim, nossa cesta sofreu 40% de inflação desde o início da pandemia. O repasse para nosso cliente, no entanto, foi de 17%. É impossível repassar esse custo todo”, contou o CEO do grupo, Rodrigo Testa, à Bloomberg Línea.
O IPCA é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, medido pelo IBGE e tomado como referência pelo Banco Central ao perseguir certa estabilidade de preços no sistema de metas de inflação. O índice subiu 1,06% em abril, no maior patamar para o mês desde 1996. A taxa acumulada em 12 meses chegou a 12,13%.
Testa também afirma que o público está “encarando todos os momentos possíveis como uma celebração”, nas palavras dele. Porém, mesmo com filas de espera quase que diariamente e com as casas do grupo retomando os níveis pré-pandemia em termos de circulação, alguns pontos “precisam ser levados em consideração”, ressalva.
“A inflação altíssima e um custo de produto muito mais alto do que antes da pandemia é um desafio para a margem de lucro. Além disso, os restaurantes tiveram que contrair dívidas para sobreviver durante a pandemia e agora estão pagando essas dívidas com juros. Logo, temos agora um passivo que não existia e isso traz um desafio muito grande para o negócio”, pondera.
Testa disse que o grupo não divulga informações de ticket médio por uma questão de política interna. Os preços do almoço na unidade da Faria Lima variam de R$ 96, durante a semana, a R$ 109 aos finais de semana e feriados. Já os pratos à la carte variam de R$ 39 a R$ 102.
Em outro trecho da Faria Lima, de ocupação comercial anterior, está o Manioca, do Grupo Maní, que tem como chef Helena Rizzo. A casa, que foi condecorada com uma estrela Michelin em 2015 e fica dentro do Shopping Iguatemi, também precisou fazer ajustes para se adaptar à nova realidade.
Giovana Baggio, sócia e administradora do Grupo Maní, conta que “com o delivery veio o renascimento”, em referência ao canal de vendas adotado no período mais agudo de pandemia. A queda nas receitas foi tamanha que alguns funcionários em período de experiência tiveram de ser dispensados. Mais recentemente, com a alta dos alimentos, um repasse dos custos para o cliente também foi realizado.
“Nossos restaurantes voltaram à normalidade [em demanda], inclusive um pouco melhor do que antes da pandemia. Em termos de ticket médio do cliente, não tivemos aumento ou diminuição. Ele se manteve em R$ 135 no almoço, mas tivemos que repassar um pouco da inflação, com aumento médio no cardápio de 8%”, diz Giovana.
Do PF ao Marmitex
Um levantamento de abril do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), mostrou que o preço do prato feito aumentou em média 23,53% nos últimos 12 meses, de maio de 2021 a abril de 2022, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Mercado (IPC-M) aferido pela entidade. Os alimentos que mais pesaram no índice foram o tomate, com alta de 126,8%, seguido da batata-inglesa e do alface, que subiram 44,65% e 32,5%, respectivamente.
Em padarias e lanchonetes da região da Faria Lima, é possível encontrar os chamados “pratos do dia” a preços que variam entre R$ 20 e R$ 39. Outra opção ainda mais em conta são os “marmitex” vendidos por vendedores ambulantes geralmente em ruas adjacentes à avenida.
José Amilton de Souza Lira é um dos ambulantes que vendem marmitas na região. Conhecido pelos clientes apenas como Amilton, ele conta que chegou ao local há cinco anos para vender marmitas em uma obra na Faria Lima. A construção terminou, mas ele acabou ficando. “Como a região é muito cara, decidi trazer o trivial: comida baratinha e bem popular”, diz. Segundo ele, seus clientes são em sua maioria pedreiros, porteiros, faxineiras e entregadores que trabalham na região.
“Temos entregas em diferentes obras na região da Faria Lima e vendemos 50 marmitex por dia só aqui. Ao todo, são 350 marmitas por dia. Mas varia, às vezes vendemos menos. São oito vendedores e dois carros aqui na Faria Lima”, conta sobre a sua rede de negócios que ergueu, a Mundial Marmitas.
Driblar a alta dos insumos também tem sido um desafio para Amilton. “Os gastos quase que dobraram em seis meses. Como trabalho com um público mais simples, o reajuste que consegui fazer foi de R$ 1. O prato passou de R$ 12 para R$ 13. No final dá certo porque eu vendo bastante”, conta. São histórias de negócios que guardam as suas semelhanças e diferenças na mesma Faria Lima.
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