Exclusivo: David Vélez, CEO do Nubank: ‘não vemos necessidade de demissões’

Da economia às criptos, cofundador do banco digital concedeu entrevista exclusiva à Bloomberg Línea em momento crítico para startups na América Latina

'Podemos ver o dinheiro saindo das contas de poupança e indo para plataformas de criptomoedas no Brasil. É um produto que tem muito interesse'
27 de Maio, 2022 | 10:34 AM

Bloomberg Línea — Os tambores de uma recessão econômica estão ecoando na América Latina. A desaceleração está começando a afetar as startups da região, que recorreram a uma onda de demissões para reorientar seus negócios. Após um surto de crescimento em meio à pandemia, as empresas agora enfrentam uma mistura desafiadora de uma economia mais lenta, taxas de juros elevadas e inflação mais alta em décadas. Empresas como VTEX (VTEX), Bitso, Klarna, Olist e Buenbit anunciaram cortes massivos nos últimos dias para enfrentar esse novo cenário.

A perspectiva, no entanto, não é a mesma para todos. David Vélez, CEO e cofundador do Nubank (NU), conversou com exclusividade com a Bloomberg Línea durante a Lendit Fintech em Nova York sobre os resultados do banco digital que tem presença no Brasil, no México e na Colômbia e as projeções para este ano.

Vélez destacou o desempenho que os mercados em que atuam vêm ganhando e falou do compromisso do Nubank com as criptomoedas, a ponto de dizer que estão “bullish” - apostando na alta - em relação ao futuro de uma tecnologia que consideram disruptiva para o ecossistema de serviços financeiros.

O CEO também se referiu ao barulho político em meio às eleições presidenciais colombianas e como eles enfrentam desafios econômicos que levaram outras empresas a reduzir seu quadro de funcionários. Uma medida que, segundo Vélez, o Nubank não precisa tomar.

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Esta entrevista foi cortada e editada para maior clareza.

Bloomberg Línea: Como o Nubank conseguiu reverter prejuízos no balanço do primeiro trimestre de 2022?

David Vélez: Nosso modelo tem muito potencial de alavancagem operacional. As nossas vendas continuam a aumentar significativamente: no último trimestre cresceram mais de 220%, porque o nosso número de clientes continua a aumentar e as quantidades de produtos que utilizam continuam a aumentar.

Assim, todas as nossas vendas continuam crescendo em grande velocidade, com um custo que é fixo pelo número de clientes e até cai. Isso significa que está começando a criar bastante capacidade de geração de receita e já está chegando a um ponto em que há escala suficiente para começar a ver o poder desse modelo de negócios.

Nosso primeiro produto, que é o cartão de crédito, já é rentável após três anos. Investimos todo esse lucro em novos produtos no Brasil.

O Brasil como país já é lucrativo e reinvestimos tudo isso em crescimento no México e na Colômbia e o tamanho da empresa já é tão alto em termos de vendas que ela já consegue pagar todas as despesas enquanto continuamos investindo no crescimento.

BL: México e Colômbia já são rentáveis? Quando esperam que sejam?

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DV: México e Colômbia estão apenas começando. Vai levar algum tempo para monetizar, mas há tantas oportunidades que continuamos investindo pesado no crescimento desses países.

BL: O Nubank anunciou recentemente um crédito de US$ 650 milhões para esses dois países. Em que especificamente vão investir?

DV: O crédito destina-se principalmente a financiar a necessidade de capital necessária para cartões de crédito na Colômbia e no México.

BL: Planejam lançar novos produtos nesses países?

DV: Ainda não posso confirmar isso, mas, sim, obviamente a longo prazo temos a ideia de aumentar os tipos de produtos que temos.

BL: Qual a meta de usuários para 2022 nos três mercados em que atuam?

DV: Não posso divulgar essa meta específica.

BL: Até que ponto o ambiente econômico em que estamos, que combina inflação mais alta e juros mais elevados, pode atingi-los? A originação de crédito pode ser afetada?

DV: É interessante, porque o ambiente que vivemos hoje de altas taxas de juros e alta inflação é, na verdade, ainda mais benigno do que o ambiente que vimos como empresa desde 2013. No Brasil, está previsto um crescimento de 1% do PIB, mais 1% no próximo ano. Isso é melhor do que praticamente todos os anos em que estivemos no país.

Nossa história como empresa tem sido em meio a cenários muito difíceis. Vimos uma contração de 7% do PIB em um ano em 2017; a pior recessão no Brasil em 100 anos. Vimos uma pandemia; vimos o impeachment; vimos crises políticas. Portanto, o cenário que vemos hoje é significativamente melhor do que qualquer cenário que vimos no passado.

BL: Ou seja, você tem esperança de que o crescimento que mencionou continuará apesar desse cenário?

DV: Sim, definitivamente vemos uma oportunidade de continuar crescendo. Há certas áreas do nosso portfólio em que queremos ser mais conservadores e estamos interrompendo algum tipo de originação, mas em geral esperamos ver um ambiente de crescimento muito alto, principalmente porque muito do nosso crescimento está trazendo pessoas que têm muito bons históricos de crédito, que saem dos bancos e vêm para o Nubank.

Podemos escolher os clientes que têm o melhor histórico de crédito e dar a eles uma oportunidade melhor. Ainda não estamos vendo clientes que nunca tiveram histórico de crédito e, portanto, podemos continuar crescendo bastante dentro de uma base de clientes que já tinha esse tipo de serviço.

BL: Vocês lançaram recentemente um serviço de criptomoedas no Brasil. Por que esse interesse nessa indústria? Será que também pensariam em levar para os outros dois mercados onde estão?

DV: Vimos nos últimos 12 ou 24 meses muito interesse em nossa base de consumidores por criptomoedas. Basicamente, podemos ver o dinheiro saindo das contas de poupança e indo para plataformas de criptomoedas no Brasil. É um produto que tem muito interesse.

Como empresa, estamos muito otimistas com o futuro das criptomoedas, sendo uma tecnologia muito disruptiva para o futuro dos serviços financeiros. Queremos atender nossos clientes com opções de cripto e também queremos, como empresa, nos preparar para um futuro em que as criptos serão uma das tecnologias mais disruptivas do mundo.

BL: O Nubank tem exposição no balanço a criptomoedas?

DV: Anunciamos que dentro do nosso balanço teremos até 1%. No nosso caso, em bitcoin.

BL: E agora está em quanto?

DV: Não posso dar esse número especificamente.

BL: Embora o percentual seja insignificante, não representa um risco devido à volatilidade desse ativo?

DV: Sim, tem mais volatilidade que os outros 99% do nosso caixa. Mas, a longo prazo, acreditamos muito que é um bom investimento.

BL: Há ambiente para trazer esse serviço para o México e a Colômbia? Porque também são países onde a indústria está se movimentando muito...

DV: Sem dúvidas. Ainda não temos um plano claro de quando isso seria, mas também estamos interessados nisso em algum momento.

BL: Você diz que o cenário é ainda menos desafiador do que aquele com o qual o banco está acostumado. Mas esse aumento das taxas de juros no Brasil, no México e na Colômbia poderia afetar as taxas de juros que oferecem aos seus usuários?

DV: Sim, temos que aumentar as taxas de juros. Nosso custo de captação sobe e então temos que aumentar as taxas de juros para os usuários da mesma forma. É o que tivemos que fazer. De qualquer forma, geralmente tentamos ter taxas muito mais baixas do que os demais bancos. No Brasil, estamos de 20% a 30% abaixo dos bancos. Na Colômbia também, e apesar de termos que aumentar os juros, ainda pretendemos manter uma posição mais agressiva e amigável com o consumidor e manter taxas mais baixas.

“Acredito que o mercado mudou um pouco e agora muitas pessoas estão menos interessadas em investir em empresas de tecnologia, e mais em empresas tradicionais. É como um pêndulo, vai e vem. Mas é algo momentâneo”.

David Vélez, CEO do Nubank

BL: Nas últimas semanas, houve uma onda de demissões em startups na América Latina. Muitos citam a situação macroeconômica. Por que isso está acontecendo? O Nubank está imune?

DV: Acredito que as crises são momentos em que as empresas precisam se tornar mais eficientes. Todas as empresas cresceram muito durante a pandemia e sempre há uma oportunidade de ser mais eficiente e ver para onde estão indo os custos. Por isso, estamos analisando cuidadosamente as oportunidades que temos para aumentar nossa eficiência operacional e tentando cortar gastos desnecessários.

Dito isso, não vemos necessidade de fazer qualquer tipo de demissão. Investimos muito em nossos colaboradores, temos uma equipe muito forte e até continuamos a contratar muita gente neste ano e a crescer muito.

Estamos em uma posição muito forte após nosso IPO, em que levantamos mais de US$ 2,8 bilhões. Temos mais US$ 1 bilhão em caixa. A empresa está basicamente em um momento de break-even, de equilíbrio, então vemos que é realmente um momento de aceleração e é por isso que queremos ter certeza de que mantemos uma das melhores equipes da América Latina, engajada e animada por estar trabalhando.

BL: Falou-se muito que quando o lockup [bloqueio] à venda de ações após o IPO acabasse, poderia haver uma liquidação...

DV: Sim, tivemos muitos investidores que investiram desde a nossa rodada semente [Seed], que estão conosco há sete ou nove anos e que em algum momento precisam dar liquidez aos seus investidores. Havia um boato de que todos eles iriam vender. Por isso, conversamos com basicamente todos eles – e basicamente todos nos disseram que estão mantendo suas ações no longo prazo.

Na verdade, muitos estão comprando ações neste momento, mas alguns têm que oferecer liquidez, alguns precisam aproveitar, por algum motivo interno, e decidir vender essas ações. Então, sim, houve venda de acionistas, que contribuiu para a queda, houve pressão, mas nossos principais investidores estão conosco há mais tempo. E estão aproveitando a oportunidade para comprar.

BL: Vocês estão buscando mais investidores?

DV: Não, não estamos procurando novos investidores. Talvez o que importa é quantas pessoas estão entrando para comprar as ações. Acredito que o mercado mudou um pouco e agora muitas pessoas estão menos interessadas em investir em empresas de tecnologia, e mais em empresas tradicionais. É como um pêndulo, vai e vem. São ciclos, e por isso as empresas de tecnologia foram um pouco mais afetadas tão rapidamente. Mas é algo momentâneo.

Ainda assim, se você se perguntar onde prefere investir no longo prazo, qual ação gostaria de ter em cinco ou dez anos, não tenho dúvidas de que a melhor oportunidade são empresas que estão reinventando todos os setores e são empresas disruptivas que estão competindo. Então, no curto prazo, haverá muita volatilidade. Vai subir, vai cair. Nós não nos importamos, estamos super focados no longo prazo e acreditamos que a oportunidade de longo prazo é enorme.

BL: Desde quinta-feira (26), as ações estão disponíveis na bolsa colombiana através do Mercado Global. Por que vocês decidiram dar esse passo?

DV: Queremos que nossos clientes sejam nossos sócios. É algo que fizemos no Brasil no início quando permitimos que nossos clientes investissem no IPO e ainda demos uma ação [um BDR, um recibo da ação] para mais de sete milhões e meio de nossos clientes. É uma forma de alinhar incentivos. Gostamos muito desse alinhamento de interesses e de ter a oportunidade de colocar os colombianos no mesmo barco e torná-los parte do nosso sonho. Essa é uma ótima maneira de aumentar a fidelidade.

“Todos esses governos, independentemente de sua visão política, sempre concordaram que mais concorrência pelo oligopólio bancário é bom para o consumidor”

David Vélez, CEO do Nubank

Novamente, é um investimento de longo prazo. Eles não podem chegar pensando que vão ter que comprar de um dia para o outro. Não é isso que eu recomendaria. Mas a Colômbia é uma prioridade para nós. Estamos muito felizes até agora com o crescimento que temos visto. Já temos mais de 1 milhão de colombianos na lista de espera e mais de 200 mil usando a plataforma, por isso estamos preparados para continuar investindo no país.

BL: Vocês estão presentes em dois países com eleições presidenciais. O quanto o ruído político afeta os investimentos?

DV: Isso realmente não nos preocupa nem nos afeta. Desde que começamos em 2013, trabalhamos com clientes em governos de todos os tipos no Brasil, México e Colômbia. Governos mais à direita, governos mais à esquerda. Todos esses governos, independentemente de sua visão política, sempre concordaram que mais concorrência pelo oligopólio bancário é bom para o consumidor, que preços mais baixos são melhores para o consumidor, que mais inclusão financeira é bom para o consumidor. Portanto, considerando a nossa missão de aumentar o acesso financeiro justo e de melhor qualidade, essa é uma questão que sempre teve muito apoio de qualquer governo. Sob esse ponto de vista, nós realmente não nos preocupamos.

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Carlos Rodríguez Salcedo (BR)

Jornalista colombiano, especializado em economia. Fui jornalista e editor do jornal La República, com experiência em questões macroeconômicas, comerciais e financeiras. Eu também trabalhei para a agência de notícias Colprensa.