Bloomberg Línea — O fundo de early-stage venture capital americano Canaan liderou sua primeira rodada na América Latina, uma Série A de US$ 15 milhões na fintech brasileira Marvin, e pretende seguir investindo no Brasil neste ano.
No fim do ano passado, a empresa americana participou de um pequeno cheque com um aporte Seed na Cayena. Mas, desta vez, o Canaan assumiu a rodada inteira da Marvin, com um residual pro-rata do Canary.
Em um momento em que as captações via equity estão cada vez mais escassas, Bernardo Vale, cofundador da Marvin, disse que a empresa conseguiu captar negociar nas condições que julgava mais adequadas. “Não baixamos R$ 1 no valuation que nós queríamos por causa da deterioração do mercado”, disse, em entrevista à Bloomberg Línea.
Embora a empresa não divulgue sua avaliação “para não ser um incentivo perverso para as outras rodadas”, Vale disse que a Série A diluiu menos o controle “do que é o padrão”.
“Ninguém sabe exatamente como vai ser o mercado de fundraising daqui para a frente, mas essa questão do saber o tamanho da companhia é como você cria o FOMO (Fear Of Missing Out) entre os fundos. Agora, o desafio está daqui para frente. Mais do que nunca time e execução viram o nome do jogo, e a receita do nosso bolo está clara: gente boa para dentro, mantendo o passo de execução com reserva de caixa, preparados para um inverno mais rigoroso.”
Antes da captação, a fintech de antecipação de recebíveis de cartão como meio de pagamento para empresas tinha caixa suficiente para sobreviver até nove meses, “o que para uma startup é razoável”, explica Vale.
“Quando nós começamos a rodada, não tínhamos essa leitura de que o mercado iria derreter como aconteceu nos últimos dias. A decisão de captar também passa por aumentar o caixa da companhia. Ninguém sabe quando acaba o inverno e quais são os players que vão continuar. Trazemos dinheiro para expandir sem fazer pressão de caixa, para não precisarmos olhar se teríamos que fazer demissões. Esticamos nossa posição de caixa por vários meses”, disse.
Vale brinca que, até outubro do ano passado, “se o endereço das Ilhas Cayman caísse na frente de um VC, você conseguia um cheque”. Na época, sem ter um direcionamento claro para o uso de uma captação, a Marvin decidiu aguardar para buscar capital no começo deste ano. Agora, a situação é diferente. Empreendedores estão esperando o dinheiro cair na conta para poder de fato contar com o investimento.
Na terça-feira (24), Brian Requarth, cofundador da rede de empreendedorismo Latitud, tuitou que recebeu cinco mensagens relatando que investidores retiraram compromissos de investimento no último momento. E complementou com uma postagem no LinkedIn dizendo que estava “preocupado com a quantidade de mensagens e histórias que ouviu nas últimas duas horas”.
Vale também relatou que ouviu vários empreendedores contando histórias de fundos que assinam o termo e na última hora puxam o cheque de volta. Ao mesmo tempo, investidores como Jorge Paulo Lemann disseram que agora o momento para aportar em empresas é o melhor possível para pagar menos nas participações.
Mas, segundo o cofundador da Marvin Henrique Echenique, “o Canaan não se aproveitou do momento para conseguir uma condição diferente do que falamos no início da rodada”.
Vale e Echenique conversaram com mais de 120 fundos até receber a Série A. “Fomos falar com VC da Coreia, com fundo soberano árabe, com VCs americanos. Mas com o Canaan nos identificamos muito com o sócio, que demonstrou muito interesse. Certamente não fomos apenas uma opção em que ele colocou uma ficha para ver no que dá”, disse Vale.
Brendan Dickinson, líder de teses fintech no Canaan, deixou Connecticut para conhecer três clientes da Marvin no Brasil e conversar com escritórios de advocacia como Pinheiro Neto para entender o contexto regulatório do País.
A Canaan investe em fintech há 20 anos e Dickinson disse que a empresa gosta de investir em plataformas financeiras e que garantem infraestrutura. A Marvin permite o uso do saldo das maquininhas (os recebíveis) dos estabelecimentos comerciais para pagar fornecedores sem a necessidade de pagar taxas de antecipação, ancorada pela nova regulação do Banco Central de junho do ano passado.
“Se você consegue trazer liquidez para mercados que não são líquidos, você consegue crescer rapidamente. E pensando em recebíveis de cartão, a Marvin tem uma solução que habilita um mercado mais eficiente e líquido”, disse Dickinson.
Para o experiente investidor, mesmo que grandes fintechs como Klarna, Stripe e Affirm tenham visto seus valuations despencarem e possam ter um preço menor em relação ao valuation pago por um investidor 12 meses atrás, essas empresas ainda têm um preço muito superior do que foi pago em uma Seed ou Série A. “Os múltiplos caíram em relação ao ano passado, mas continuam sendo grandes empresas, então me mantenho muito otimista em teses fintech.”
Leia também:
Lemann: ‘Na crise, empreendedores aceitam seus investimentos a um preço menor’