Bloomberg Opinion — Nunca aproveitei a oportunidade de participar da reunião de Davos – e este ano também não quero fazê-lo. Contudo, isso não significa que eu não acompanho seus acontecimentos e conclusões. Com certeza me interesso pelo que pode surgir de um encontro que reúne tantos líderes de governos, sociedade civil e empresas.
Em um mundo ideal, a reunião deste ano seria catalítica de duas maneiras importantes. Em primeiro lugar, traria maior conscientização sobre os acontecimentos da economia global e chamaria a atenção para a forma como eles são vistos de forma diferente em todo o mundo. Em segundo lugar, indicaria maneiras pelas quais é possível reformular uma visão cada vez mais de “soma zero” da coordenação internacional para contribuir para a resiliência coletiva e a prosperidade inclusiva.
A lista de acontecimentos em curso na economia global é longa e vai muito além da horrível guerra na Ucrânia e as tragédias humanas associadas. Eis um exemplo do que está na lista:
- Devido à convergência de crises de alimentos, energia, dívida e crescimento, um número cada vez maior de países mais pobres enfrenta uma ameaça crescente de fome – e isso é apenas uma parte do fenômeno “pequenos problemas por toda parte” que minam vidas e meios de subsistência em todo o mundo.
- A inflação em máximas de 40 anos nos países mais ricos está minando os padrões de vida e os motores de crescimento, atingindo particularmente os pobres, alimentando a raiva política, corroendo a credibilidade institucional e afetando a eficácia da política econômica e financeira.
- A incapacidade de lidar com desafios seculares críticos, incluindo as mudanças climáticas, encontra distrações de curto prazo que agravam o que já são desafios significativos de longo prazo.
- Os esforços dos setores público e privado para alcançar um melhor equilíbrio entre as cadeias de suprimentos altamente interconectadas e a resiliência nacional/corporativa ficam complicados por uma economia global que carece de impulso suficiente para que isso seja feito de forma ordenada.
- O armamento ocidental das finanças internacionais, embora eficaz em pôr de joelhos a Rússia, foi realizado sem uma estrutura global de padrões, diretrizes e salvaguardas.
Suspeito que, embora a grande maioria dos participantes de Davos concorde com esta lista (e até adicione mais alguns itens), haverá um pouco de desacordo sobre as causas e consequências a longo prazo. Esse desacordo é problemático de duas formas. Primeiro, mina a responsabilidade compartilhada necessária para enfrentar desafios com importantes dimensões internacionais; e segundo, corrói ainda mais a confiança na ordem internacional existente. A menos que as divergências possam ser resolvidas, os efeitos prejudiciais se aprofundarão e se espalharão.
Em teoria, a próxima reunião de Davos seria perfeitamente adequada para resolver esses conflitos. A história, no entanto, não oferece muito encorajamento ou otimismo.
Por vezes, Davos foi vítima de uma falta de foco e visão unificadora acionável. Interesses individuais e coletivos permaneceram inconciliáveis, e as distrações eram muitas. Como resultado, as consequências têm sido, na melhor das hipóteses, retrógradas.
Dadas as múltiplas encruzilhadas que a economia global enfrenta, este seria um momento particularmente bom para Davos cumprir seu potencial considerável – olhar para frente, não para trás. Identificar soluções em vez de apenas problemas. Caso contrário, o fórum evoluirá ainda mais para uma rede e o clube social que aparenta ser (e de fato é) – ainda mais dissociado da realidade de muitos e dos desafios da maioria.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Mohamed A. El-Erian é colunista da Bloomberg Opinion. Ex-CEO da Pimco, é presidente da Queens’ College, de Cambridge, conselheiro econômico da Allianz e presidente da Gramercy Fund Management. Ele é autor de “The Only Game in Town”.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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