Bloomberg — Os ricos e poderosos que vão se aglomerar em Davos neste ano não serão obrigados a suportar o vento gelado do inverno, mas a frieza em relação à Rússia, cujos oligarcas já organizaram algumas das festas mais suntuosas do Fórum Econômico Mundial, será palpável.
A primeira reunião presencial nos Alpes Suíços do Fórum em dois anos começa no domingo (21) após interrupções causadas pela covid. Mesmo esta reunião foi adiada em relação ao calendário habitual do final de janeiro, o que significa que a neve está confinada aos picos.
O Fórum está diferente de outras maneiras também. A realidade da guerra a milhares de quilômetros a leste paira sobre os paineis, discursos e coquetéis. A decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia interrompeu de forma abrupta a presença de décadas da Rússia em Davos.
Provavelmente, o tom será mais moderado de forma geral, já que um grupo de autoridades ucranianas que buscam manter a atenção do mundo sobre sua situação com a guerra vai ao Fórum. O presidente Volodymyr Zelensky vai fazer um discurso de fechamento (via videoconferência).
Será o primeiro Fórum Econômico Mundial na Suíça sem uma única autoridade ou líder empresarial da Rússia desde a queda do comunismo. Empresas russas, um grupo de companhias internacionais proeminentes no calendário a um custo de 600 mil francos suíços (US$ 615 mil) por ano, foram vetadas como parceiras. A Russia House, famosa pela vodca gelada, nem vai ser montada.
Isso está muito longe do auge da generosidade de Moscou em Davos, quando festas abastecidas com vodca e caviar patrocinadas por russos eram notórias por receber grandes grupos de mulheres jovens sem credenciamento que alegavam ser tradutoras.
A guerra de Putin viu sanções sem precedentes impostas à Rússia, de suas lideranças políticas até seus oligarcas e maiores empresas. Empresas internacionais se retiraram do país em massa. O comércio e o investimento da Europa e dos Estados Unidos com a Rússia evaporou.
Bilionários sancionados têm buscado refúgio em vários bolsões do mundo, enviando seus enormes iates de um porto a outro para fugir da lei. De repente, qualquer coisa “russa” passou a ser vista como tabu.
O Fórum Econômico Mundial não é exceção.
Na última reunião em Davos, em 2020, os magnatas russos foram os terceiros mais bem representados pela contagem de bilionários. Mas seu futuro em Davos começou a desmoronar apenas três dias depois que Moscou atacou a Ucrânia, quando o fundador do Fórum, Klaus Schwab, e o presidente Borge Brende emitiram uma declaração condenando “a agressão da Rússia à Ucrânia, os ataques e as atrocidades”.
É um contraste com o tratamento dado à Rússia depois que Putin anexou a Crimeia em 2014. Embora a presença oficial da Rússia em Davos tenha diminuído, seus bilionários e líderes empresariais não rebaixaram seus perfis.
Reunindo-se nos Alpes para aproveitar a política de neutralidade de longa data da Suíça em 2015, o presidente e CEO da VTB, Andrey Kostin, disse que “temos amigos aqui. Amigos ucranianos, amigos europeus, amigos americanos”.
Embora algumas relações comerciais tenham sido atingidas por sanções, “isso não afeta as relações pessoais”, disse Kostin, um frequentador assíduo de Davos, na época.
Naquele ano, a VTB deu uma festa no Hotel InterContinental da estação de esqui, onde os visitantes foram recebidos por mulheres em trajes cônicos salpicados de ouro envoltas com tiras de luzes LED. Caviar foi servido e os foliões foram embalados pelo guitarrista Al Di Meola, o cantor russo Leonid Agutin, além de Emir Kusturica e The No Smoking Orchestra.
Embora a festa não tenha correspondido à extravagância dos eventos organizados pelo magnata dos metais Oleg Deripaska ao longo dos anos (um foi inspirado em uma casa de madeira russa), atraiu uma multidão forte, incluindo Schwab. Embora geralmente evite eventos privados, ele disse na época que compareceu para mostrar “aos nossos amigos russos que são bem-vindos em Davos” e que, “afinal, a Rússia é um país europeu muito importante”.
O Fórum Econômico Mundial cumpriu um papel importante para a história da Rússia pós-comunista.
A conferência consolidou sua reputação como um evento essencial para a elite russa em 1996, quando vários magnatas concordaram em reunir seus recursos de mídia e poder financeiro para apoiar a campanha de reeleição de Boris Yeltsin no que ficou conhecido como “Pacto de Davos”.
A delegação russa cresceu em tamanho e visibilidade por quase duas décadas, atraindo pesos pesados como o então presidente Dmitry Medvedev e, em 2009, Putin, durante seu período como primeiro-ministro.
Em 2011, um banco de investimento russo organizou o que chamou de “show no gelo espetacular” realizado por estrelas da patinação artística.
Em 2018, a Rússia ameaçou um boicote depois que os EUA sancionaram os empresários Viktor Vekselberg, Deripaska e Kostin. O Kremlin disse que os organizadores desistiram de um plano para proibi-los de participar.
Putin dirigiu-se ao fórum virtual despojado da era covid no ano passado, traçando paralelos entre as atuais tensões internacionais e a década de 1930, no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Ele usou seu discurso para alertar que o mundo corre o risco de cair em um conflito de “todos contra todos”.
Agora, seu ataque à Ucrânia trouxe conflito às fronteiras da União Europeia, matou milhares e viu milhões fugirem de suas casas.
Alguns magnatas russos seguiram a linha do Kremlin, enquanto outros tentaram se separar do belicismo do presidente.
Deripaska, cujas conexões com Putin o colocaram em listas de sanções, chamou a guerra de “insanidade” no final de março. Ele alertou que os combates podem continuar por “mais vários anos”.
Isso não será suficiente para que ele seja convidado a qualquer lugar como Davos novamente em breve. Enquanto isso, vários cafés da manhã, painéis e eventos noturnos com funcionários ucranianos estão reservados.
Quanto à Russia House, o plano é renomeá-la. A Fundação Victor Pinchuk, um grupo filantrópico com o nome de seu magnata apoiador, pretende transformar o local em uma “Casa de Crimes de Guerra da Rússia”, incluindo uma exposição sobre crimes de guerra supostamente cometidos por tropas russas na Ucrânia.
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