Adeus covid, olá inflação: executivos agora perdem o sono com a alta dos preços

Pandemia já não tem papel dominante na cabeça dos dirigentes de grandes empresas da América Latina; preocupação agora mudou para o custo de vida

Uma análise das teleconferências de resultados do primeiro trimestre de 2022 na América Latina revela o quanto cresceram as menções à inflação e ao aumento de preços
21 de Maio, 2022 | 05:17 PM

Bloomberg Línea — Há dois anos, a única coisa que se falava, tanto no âmbito empresarial como no social, era o impacto que um vírus detectado pela primeira vez na China e que, pouco a pouco, paralisava a economia mundial. A covid-19 de repente se tornou a preocupação global número um, com os principais executivos da empresa lidando com o impacto de uma pandemia. Agora, à medida que o vírus recua em grande parte do planeta, os empresários se deparam com uma nova preocupação: a inflação é a mais alta em décadas.

Essa preocupação se repete entre os diretores das maiores empresas da América Latina. A Bloomberg Línea analisou as palavras que os executivos mais usaram em teleconferências com investidores após os resultados corporativos do primeiro trimestre do ano.

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Para realizar a análise, foram retiradas palavras de teleconferências com investidores das empresas que já divulgaram seus balanços até 18 de maio. Foram analisadas as bolsas de valores do Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru e cujos principais indicadores agrupam mais de 200 empresas.

O caso da covid

No caso do Brasil, onde grandes empresas como Petrobras (PETR4;PETR3) e Vale (VALE3) já divulgaram seus balanços, o número de vezes que palavras relacionadas a preços foram ditas aumentou 14% entre o último trimestre de 2021 e o primeiro de 2022. Se comparado ao mesmo período do ano passado, o aumento é de 25%.

Os aumentos são muito maiores quando se fala especificamente em inflação. Nas conferências que aconteceram no segundo trimestre de 2022 - ou seja, que falam sobre os resultados do primeiro trimestre -, as menções chegaram a 311, um aumento de 217% em relação ao mesmo período do ano passado.

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Por exemplo, Edison Ticle, CFO da Minerva (BEEF3), destacou que hoje vivemos em um “ambiente inflacionário” e que o transporte de mercadorias é uma fonte de pressão, embora tenha indicado que a maior parte foi deixada para trás por eles e agora as perspectivas são positivas.

As referências à inflação também mostram o declínio da covid-19 em termos de destaque na lista de preocupações dos executivos. No início da pandemia, as menções à covid-19 eram 341, agora caíram para 20, proporção que acompanha a diminuição de casos do vírus no Brasil: em 15 de maio, foram registradas mais de 17 mil infecções, segundo o média móvel dos últimos 7 dias, enquanto em junho de 2021 eram mais de 70.000.

Algo semelhante acontece com as empresas listadas no S&P BMV/IPC, índice que mede o desempenho das ações de maior tamanho e liquidez listadas na Bolsa Mexicana de Valores, onde as referências a menor crescimento econômico e desempenho de preços estão entre os conceitos mais citados. No caso do aumento do custo de vida, suas referências cresceram 272% se as conferências de resultados do primeiro trimestre deste ano forem comparadas com o mesmo período de 2021.

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Alfred Penny, presidente da Bimbo Bakeries USA, que participou na divulgação dos resultados do Grupo Bimbo (BIMBOA), referiu-se a “um aumento extraordinário dos nossos custos de insumos”, pelo que disse que a empresa terá de enfrentar “aumentos significativos " no segundo semestre do ano.

A mesma preocupação foi demonstrada por Xavier Cortes, CFO da Kimberly Clark Mexico (KIMBERA), que falou da “pressão de custos”, enquanto o CEO da empresa, Pablo González Guajardo, referiu-se às “mesmas pressões de custos” que atravessam as indústrias.

O foco de González não é sem sustento. As expectativas de inflação no México aumentaram para abril, segundo 35 analistas da Pesquisa Citibanamex, que projetam que a inflação geral atingirá um patamar de 7,7% ao ano em abril, percentual que estaria acima dos 7,45% ao ano observados em março.

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Uma preocupação que ofuscou a covid-19. Para ver uma referência, no caso da análise do S&P BMV/IPC, havia apenas 10 menções ao vírus, quando no início de 2020 ultrapassavam 170.

Chile e Argentina

As perguntas e respostas sobre o aumento do custo de vida se repetiram no sul do continente, ao menos se analisarmos as conferências proferidas pelas empresas listadas nos índices de referência do Chile (IPSA) e no argentino Merval (MERVAL). No caso do Chile, a inflação tem sido o assunto mais falado desde que foram feitas referências aos resultados do último trimestre de 2021.

Nas ligações que foram feitas no segundo trimestre do ano passado - e que analisaram os resultados do primeiro trimestre daquele ano -, as menções chegaram a 43. Agora, elas cresceram para 115 no mesmo período deste ano. Ou seja, um aumento de 167%.

A preocupação é ilustrada pela multilatina de varejo Falabella (FALAB), cujos executivos falaram sobre o impacto que os custos tiveram durante o primeiro trimestre. “A pressão inflacionária foi bastante alta durante o primeiro trimestre e agora espera-se que abrande um pouco durante o segundo semestre”, disse Gastón Bottazzin, CEO da empresa.

Essa mesma tendência foi observada na Cervecerías Unidas (CCU). Seu CFO Felipe Dubernet garantiu que os preços vêm aumentando em todas as suas categorias desde o último trimestre de 2021.

“A magnitude desses aumentos de preços foi, eu diria, de um dígito em todas as categorias. No entanto, isso não é suficiente para compensar o impacto que estamos tendo tanto da desvalorização da moeda, que afeta nossos custos atrelados ao dólar, quanto das pressões inflacionárias”, disse o empresário.

No caso do Merval, a inflação foi o segundo tema mais citado nas teleconferências com investidores, depois das referências às projeções da empresa. Sergio Affronti, CEO da YPF (YPFD), disse que os preços das matérias-primas também afetaram seus custos de material. “Conseguimos conter a pressão sobre os preços. Não esperamos continuar a ser tão capazes de gerenciá-los no futuro. Portanto, provavelmente veremos alguma pressão em nossa base de custos”, disse ele durante a conferência com investidores.

Samantha Olivieri, Head de Relações com Investidores da Cablevision (CVH), acrescentou que embora o Governo esteja apertando os controles e reforçando a intervenção no mercado cambial, “os preços continuam a acelerar a um ritmo superior ao esperado, aumentando em média mais do que os salários, a taxa regulamentada e a taxa de câmbio oficial”.

Vale destacar que em abril a inflação continuou em patamares elevados na Argentina, em um mês em que os alimentos mantiveram pressão sobre o Índice de Preços ao Consumidor. O aumento do custo de vida foi de 6% ao mês, deixando o aumento acumulado nos primeiros quatro meses do ano em 23,1%, superior aos 16,3% registrados na Venezuela.

Colômbia e Peru

Cenário semelhante é observado nas empresas da Colômbia e Peru, países onde a inflação registra seus maiores aumentos em décadas e onde os bancos centrais adotam uma postura monetária agressiva para controlar os aumentos de preços.

No caso da bolsa colombiana, a inflação foi a segunda menção mais recorrente entre as empresas listadas na Colcap depois das referências ao lucro. As menções passaram de 8 em ligações feitas no segundo trimestre de 2021 para 40 no mesmo período deste ano. Isso representa um aumento de 400%.

Clientes em um mercado de Bogotá

Felipe Bayón, presidente da Ecopetrol (ECOPETL), a maior empresa do país, disse que embora os preços internacionais mais altos do petróleo tenham contribuído para os resultados da empresa, “o cenário de preços também gerou pressão em termos de inflação, aumento dos custos de energia e desafios na cadeias logísticas internacionais que geram pressão sobre nossos custos operacionais e alguns atrasos nos prazos de execução de nossos projetos”.

O presidente da Cementos Argos (CEMARGOS), Juan Esteban Calle, fez referência ao fato de, no caso do cimento que vendem, terem feito um aumento de 8% nos seus preços no início de Janeiro. “Estamos tentando recuperar a inflação de custos com aumentos de preços”, disse.

A inflação, que na Colômbia superou 9% ao ano em abril, continua afetando as famílias, que reduzem seu consumo à medida que os preços sobem. O Índice de Preços ao Consumidor está em seu nível mais alto em mais de 20 anos.

A mesma coisa acontece no Peru, onde houve até protestos contra o governo pelo aumento do custo de vida. Na análise do índice S&P BVL Peru (SPBLPGPT), observa-se como durante 2020 não houve uma única menção à inflação, em meio à crise gerada pela pandemia, mas depois há um crescimento de 300% entre os atendimentos do resultados do primeiro trimestre de 2021 e dos três primeiros meses deste ano.

Um exemplo foi Juan Carlos Vallejo, CEO do Inretail (INRETC1), que destacou que a inflação está acima da meta do banco central, afetada, entre outras coisas, pelos altos preços dos combustíveis. Raúl Jacob Ruisanchez, CFO da Southern Peru Copper (SPCCPI1), referiu-se ao impacto dos custos de combustível em meio a “um ambiente inflacionário”. “O governo terá os recursos para colocar em prática programas que devem ajudar a reduzir a preocupação que as comunidades e famílias locais têm sobre sua situação atual”, acrescentou.

Além das menções de projeções e receitas, no Peru as referências ao cobre, taxas de juros e preços também refletem um ambiente em que o aumento dos custos tiram cada vez mais o sono dos empresários.

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Carlos Rodríguez Salcedo (BR)

Jornalista colombiano, especializado em economia. Fui jornalista e editor do jornal La República, com experiência em questões macroeconômicas, comerciais e financeiras. Eu também trabalhei para a agência de notícias Colprensa.