Bloomberg Línea — As emendas constitucionais que mudaram o regime de pagamento de precatórios promulgadas no final do ano passado podem criar problemas no futuro.
As emendas 113 e 114, de 2021, criaram um teto para pagamento de precatórios pelo governo federal por ano, empurrando o excedente para o ano seguinte. Só que esse regime tem data para acabar: 2026. Portanto, em 2027, o governo federal terá de lidar com uma conta que pode chegar a R$ 262 bilhões, ou cerca de 2% do PIB, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado.
Precatórios são valores que entes públicos têm de pagar a particulares em decorrência de decisões judiciais. Do ponto de vista contábil, não são dívidas, e sim o reconhecimento pelo Judiciário de que o governo deixou de garantir direitos a cidadãos ou empresas. Por isso, o regime de pagamento anterior às emendas era de que os precatórios deviam ser pagos no exercício fiscal seguinte ao seu reconhecimento por decisão judicial.
As emendas constitucionais mudaram isso. Elas estabeleceram que o governo federal só deve pagar no ano seguinte uma parte dos precatórios inscritos neste ano, num regime que vai de 2022 a 2026.
O objetivo declarado das emendas foi abrir espaço orçamentário no teto de gastos para o governo federal poder tornar o auxílio emergencial permanente e aumentar o valor pago por mês. Ambas foram aprovadas em menos de duas semanas e, segundo o Ministério da Economia, permitiram ao governo gastar mais R$ 102 bilhões em 2022 — o auxílio permanente foi aprovado no mês passado com o nome de Auxílio Brasil e vai pagar até R$ 400 por mês, a um custo de R$ 89 bilhões por ano, segundo o governo. Além do auxílio, as demais medidas econômicas anunciadas pelo governo neste ano devem causar impacto de R$ 85 bilhões nos cofres da União.
Na prática, as emendas de precatórios significam o seguinte, conforme as contas da IFI: o governo é obrigado a pagar uma parte dos precatórios emitidos num determinado ano. O que sobra é empurrado para o ano seguinte. Assim, a conta total do ano seguinte será composta pelos precatórios emitidos naquele ano mais o excedente do ano anterior. E aí será aplicado o teto, e o governo só pagará uma parte.
Por exemplo:
- Em 2022, foram inscritos no Orçamento R$ 96 bilhões em precatórios federais; pelas regras das emendas, serão pagos R$ 56,5 bilhões, deixando R$ 39,5 bilhões para o ano seguinte.
- Em 2023, serão inscritos R$ 85,1 bilhões em precatórios federais. E a isso vai ser somado o excedente de 2022, de R$ 39,6 bilhões. Com a regra do teto, o governo só vai ter de pagar R$ 58,5 bilhões, deixando R$ 66,2 bilhões para 2024.
E assim vai ser até 2026, caso o regime atual seja mantido.
Como em 2027 o teto para pagamento de precatórios não existirá mais, a IFI projeta que o governo federal terá de pagar os R$ 98,3 bilhões de precatórios inscritos naquele ano mais o saldo de R$ 163 bilhões que sobrou do ano anterior — numa conta de sobras que vinha se arrastando desde 2022.
A IFI trabalha com três cenários: otimista, pessimista e “base”. No cenário otimista, os precatórios de 2023 correspondem à média do que foi expedido entre 2018 e 2022. No cenário pessimista, os valores de 2023 são os de 2022 corrigidos pela inflação. O “cenário base” é uma média entre os outros dois cenários (os valores descritos no exemplo acima consideram o “cenário base”).
“A interrupção do limite sem uma regra de transição para o pagamento do passivo interrompe a trajetória de melhora do resultado primário”, diz o relatório de acompanhamento fiscal de maio, divulgado nesta quarta-feira (18).
De acordo com o relatório, o cenário de crescimento contínuo da arrecadação deve resultar em melhora no resultado primário. Para 2022, a projeção é de déficit de R$ 19,2 bilhões (0,2% do PIB), ante R$ 99,6 bilhões projetados em 2021. Em 2025, diz a IFI, o resultado primário apresentaria déficit de 0,2% do PIB. Mas o cenário projetado para os precatórios tende a reverter o cenário positivo.
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (18), o diretor-executivo da IFI, Daniel Couri, disse que as emendas “criaram obrigações para a União num valor maior do que o que está previsto”. “Em 2027, o superávit gerado pelo não pagamento de 2025 vai se tornar déficit”, previu.
A diretora da IFI, Vilma da Conceição Pinto, no entanto, disse que o tamanho do impacto em 2027 é imprevisível. Uma das mudanças das emendas foi permitir aos que tiveram seus precatórios adiados requerer o pagamento à vista imediatamente, mas com desconto de 40%.
“Se muitos ‘precatoristas’ solicitarem esse pagamento antecipado, esse recurso fica fora do teto e o passivo diminui. Então tem um fator de incerteza”, disse.
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