Opinión - Bloomberg

O que é ‘transbordamento zoonótico’, o promissor apocalipse para o mundo

Mudança climática vem destruindo habitats naturais e trazendo novas e mortais doenças para humanos

Mamífero pode voar e chegar mais longe mais rápido para transmitir vírus
Tempo de leitura: 3 minutos

Bloomberg Opinion — O termo “transbordamento zoonótico” pode parecer bem nerd ou enganosamente inócuo – como uma bagunça envolvendo um recipiente que lentamente vai enchendo e, bem, transborda. Na verdade, o termo denomina um dos maiores perigos para a humanidade. Como tal, não é nem mais nem menos ameaçador do que a mudança climática, mas uma consequência direta dela.

A palavra zoonose vem do grego para “doença animal” e se aplica a patógenos que podem ser transmitidos entre criaturas e delas para nós. O HIV, o vírus que causa a AIDS, passou dos chimpanzés para os humanos, por exemplo. O MERS, um vírus respiratório, se espalhou para nós a partir de dromedários. O ebola provavelmente veio de macacos, morcegos ou ambos. De maneira semelhante, importamos centenas de outras doenças do reino selvagem – não menos importante, o SARS-CoV-2, que também pegamos de morcegos.

Mas o que isso tem a ver com as mudanças climáticas? Tudo. Quanto mais os animais se misturam – com outra fauna ou conosco – mais oportunidades os patógenos que eles hospedam têm de ser transmitidos, sofrer mutações e se espalhar. E o aquecimento global causa exatamente essa mistura.

À medida que as temperaturas médias aumentam, os animais mudam de habitat. As áreas úmidas tornam-se áridas; zonas frescas ou exuberantes transformam-se em desertos, e assim por diante. Como resultado, os animais migram de seu ambiente familiar e entram em contato com muitas outras espécies, cuja maioria nunca encontraram.

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Uma equipe que trabalha com Colin Carlson, biólogo da Universidade de Georgetown, em Washington D.C., usou uma matemática muito avançada para modelar os contatos e a transmissão de vírus entre espécies que podemos esperar. E publicaram os resultados na revista Nature.

Os dados são assustadores. Tanto a mistura quanto a transmissão já estão em andamento, mas acelerarão dramaticamente. Mesmo no cenário de aquecimento mais conservador, por exemplo, podemos esperar que outros 15 mil vírus saltem entre 3 mil espécies de mamíferos nas próximas décadas. Os principais pontos de partida não serão as regiões próximas ao norte ou sul polar, como seria de esperar, mas as elevações mais altas da Ásia e da África.

Os mamíferos assumem o papel de protagonista neste filme de terror, principalmente porque estão geneticamente próximos o suficiente de nós para que seus vírus causem estragos em nossos corpos. Os morcegos apresentam uma ameaça particular porque podem voar e, portanto, são capazes de migrar mais rápido e para mais longe. Os morcegos-de-cauda-livre do Brasil, por exemplo, se espalharam pelo sudeste dos Estados Unidos nos últimos anos.

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O aquecimento global também estimula os patógenos de muitas outras maneiras. Por exemplo, no degelo do permafrost. Esse solo congelado nas latitudes do norte é um vasto arsenal de vírus, bactérias e outros males antigos. O gelo os manteve longe da vida selvagem por tanto tempo que animais e pessoas não são mais imunes. Mas agora eles estão saindo de suas jaulas de gelo Recentemente, houve surtos de antraz na Sibéria depois que esporos saíram de carcaças antigas de renas previamente seladas no gelo. Podemos esperar muito mais casos do tipo.

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Podemos fazer algo quanto a essas ameaças? Só até certo ponto. Certamente devemos reprimir o desmatamento – principalmente na floresta amazônica – que também força as espécies a entrarem em contato involuntário umas com as outras e conosco. E devemos regular e monitorar os mercados de carne, fazendas e outros lugares onde as espécies se amontoam.

Acima de tudo, devemos nos preparar para futuras epidemias e pandemias agora. Por décadas antes da chegada da covid-19, fomos orientados a ter um plano e torná-lo global, mas nós ignoramos os alertas.

Mas o esforço mais urgente e importante com o qual devemos nos comprometer novamente é a própria luta contra as mudanças climáticas. No Acordo de Paris de 2015, declaramos coletivamente a ambição de manter o aquecimento global em um aumento de longo prazo de 1,5°C sobre as temperaturas do século XIX. Sem chance. Segundo novas projeções de meteorologistas, é provável que ultrapassemos esse limite até 2026. Daqui em diante, cada aumento adicional no termômetro também aumenta nosso risco de doenças.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Andreas Kluth é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre política na Europa. Já foi editor-chefe do Handelsblatt Global e redator do The Economist. É autor de “Hannibal and Me.”

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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