Bloomberg Línea — As regras para a precificação do carbono no Brasil podem ser anunciadas ainda no primeiro semestre deste ano através do Projeto de Lei 528/2021. A proposta, que está pronta para ser votada no Plenário da Câmara, estabelece regras e regulamenta a compra e venda de créditos de carbono no país.
Mas a falta de uma regulamentação não impede que esse mercado funcione por aqui. De acordo com um relatório da Fundação Getúlio Vargas (FGV), citando dados do Ecosystem Marketplace, o volume de créditos de carbono gerados no Brasil em 2021 aumentou 236% em relação ao volume gerado em 2020, e 779% em relação a 2019.
Isso é possível graças ao mercado de carbono voluntário, um mecanismo de compensação sem vínculos regulatórios formalizado pelo Protocolo de Kyoto, em 1997.
“O mercado voluntário funciona ‘com a mão do mercado’, através da oferta e da demanda”, explica Camila Chabar, gerente de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas da EY Brasil. “Quando falamos em um mercado regulado, falamos de um olhar do governo que coloca metas e monitoramento de quem cumpre ou não estas metas”, diz.
Um levantamento da Internacional Chamber of Commerce (ICC) do Brasil, mostra que o país tem potencial de geração de créditos de carbono de US$ 100 bilhões em receita até 2030, suprindo de 5% a 37,5% da demanda global atrelada a compromissos empresariais, e de 2% a 22% da demanda global do mercado regulado.
Da teoria à prática
De acordo com o levantamento da FGV, o Brasil possui posição de destaque na geração de créditos de carbono no mercado voluntário mundial, ocupando a quarta posição em termos de volume de créditos de carbono historicamente gerados, atrás apenas de países como Estados Unidos, Índia e China.
Citando dados do Verra, uma organização internacional de certificação de projetos de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), o relatório mostra que o mercado brasileiro é dominado principalmente por projetos de Energia (63%), seguido por projetos de Agricultura, Floresta e Outros Usos da Terra (25%).
“O mercado voluntário adquiriu muita força por conta de sua relação com os compromissos impostos a por empresas a si mesmas. Para atender tal demanda, elas passam a buscar projetos ou comprar créditos. É uma espécie de autoimposição por uma questão reputacional”, explica Renata Amaral, secretária-executiva da Comissão de Meio Ambiente e Energia da ICC Brasil.
Amaral vê a regulamentação importante para impulsionar ainda mais o mercado e gerar segurança para o investidor em termos também de integridade na contagem dos créditos de carbono. “Temos uma oportunidade gigante com novas florestas de participar ativamente e receber muitos investimentos em razão disso, mas há a importância de estabelecer nessas normas de regulamentação um sistema de governança que efetivamente coloque o mercado para funcionar”, diz.
Já para Bruno Brazil, diretor técnico da brCarbon, uma climate tech brasileira que atua no mercado de carbono desde o ano passado, a falta de regulamentação não é um problema para o mercado brasileiro e nem para o mercado internacional.
“O mercado voluntário ganhou força justamente pela falta de regulamentação. Hoje nós temos metodologias, padrões, desenvolvedores de projetos, organismos de certificação e compradores de crédito. Ou seja, temos tudo o que tínhamos há 20 anos, porém com uma demanda inédita”, diz.
Hoje o principal foco de trabalho da brCarbon são os projetos REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que funcionam gerando créditos de carbono a partir da conservação da vegetação nativa através da abordagem em propriedades privadas e do não desmatamento permitido por lei do excedente de reserva legal e em áreas públicas.
São dois públicos atendidos: os proprietários das terras onde é feita a preservação e aqueles que querem comprar esses créditos, que são justamente os investidores que buscam, de forma voluntária, reduzir ou neutralizar as emissões de carbono em suas empresas por meio da compensação com a compra dos créditos.
O atual programa da companhia envolvendo projetos de REDD+ abrange uma área de 120 mil hectares, pertencente a cinco proprietários diferentes. A legislação permite que 20% da área total possa ser desmatada legalmente. Neste caso, o que a brCarbon faz é convencer os proprietários a manter esses 20% conservados por um período de 30 anos em troca de uma compensação financeira.
Para Brazil, a inexistência de uma regulação não tem necessariamente refletido na insegurança dos investidores, já que a avidez pela compra de crédito de carbono nunca foi tão grande.
“Em termos de valores, no começo de 2021 a comercialização do VCU (Verified Carbon Units) a US$ 4,3. No fim de 2021 o valor saltou para US$8,50 e agora, em maio de 2022, de US$ 15 a US$ 16. Ou seja, o crescimento do valor do ativo é exponencial, e o volume acompanha”, explica. “Nunca se investiu tanto”.
--Com informações da Bloomberg News
Leia também
Frigorífico uruguaio aposta em carne bovina neutra em carbono