Bloomberg — Ninguém diria que uma audiência do Comitê Bancário do Senado se transformaria em um debate sobre o direito ao aborto. Mas derrubar a decisão do caso Roe vs.Wade, que permitiu o direito ao acesso ao aborto, teria custos reais para a economia dos Estados Unidos, e a secretária do Tesouro, Janet Yellen, corretamente os apontou em uma conversa tensa e reveladora na terça-feira (10) com o senador Tim Scott.
Limitar ou eliminar o acesso ao aborto “teria efeitos muito prejudiciais sobre a economia e atrasaria as mulheres em décadas”, disse Yellen. Scott respondeu que enquadrar os direitos ao aborto na participação das mulheres na força de trabalho e da estabilidade econômica “parece ríspido e insensível”.
“Não é ríspido. Essa é a verdade”, respondeu Yellen, ex-presidente do Federal Reserve. “Negar às mulheres o acesso ao aborto aumenta suas chances de viver na pobreza ou precisar de assistência pública.”
“Vou apenas dizer que, como um homem criado por uma mulher negra em extrema pobreza, sou grato por estar aqui como senador dos Estados Unidos”, disse Scott.
Scott não compreendeu. Yellen não disse que ele não deveria nem estar vivo. Ela não está dizendo que as mulheres pobres não merecem ter filhos. Ela está apontando que a limitação do acesso ao aborto afetará principalmente mulheres pobres e vulneráveis e de minorias, que não terão mais autonomia para fazer escolhas reprodutivas com base em seu poder aquisitivo.
E isso se dá em grande parte porque os legisladores conservadores tendem a se opor a políticas que apoiariam as mulheres quando elas têm filhos, como subsídios para cuidados infantis ou licença médica e familiar universal remunerada. Eles também votaram contra o projeto de lei Build Back Better, que incluía licença médica e familiar, bem como uma expansão permanente do crédito fiscal por filhos.
Se você proibir o aborto, diz Caitlin Knowles Myers, professora de economia do Middlebury College, “mulheres mais ricas viajarão para conseguir um; as mais pobres serão incapazes de consegui-los”. Como resultado, ela diz, pode haver mais de 75 mil nascimentos não planejados no ano seguinte à decisão.
O cálculo de Myers tem como base o local das clínicas de aborto e os estados que provavelmente proibirão ou limitarão o aborto. Ela diz que cerca de metade das mulheres americanas em idade reprodutiva vivem em locais nos quais as distâncias médias de deslocamento até uma clínica de 53 quilômetros para 454 quilômetros. Entre as 25% das mulheres que não poderão viajar, cerca de 75% delas darão à luz como resultado.
Sua pergunta é simples: “Uma vez que determinarmos que limitar o acesso ao aborto fará com que um conjunto de mulheres – principalmente pobres e vulneráveis – se tornem mães quando não estavam preparadas para tanto, o que acontece a seguir?”
Quando uma mulher tem um filho, não recebe para cuidar dele. Os EUA são o único país rico do mundo sem qualquer forma de licença nacional remunerada, deixando isso em aberto para empregadores e estados. Dos 26 estados que o Instituto Guttmacher afirma que certamente ou muito provavelmente proibirão o aborto, nenhum oferece licença familiar remunerada. De acordo com dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho do país, apenas 8% dos trabalhadores com baixos salários têm acesso a alguma forma de licença remunerada.
O resultado é que uma em cada quatro mulheres nos EUA retorna ao trabalho dentro de duas semanas após o parto – apesar da recomendação do Colegiado Americano de Obstetras e Ginecologistas de que repousem por pelo menos seis semanas.
A despesa de criar os filhos é uma pressão sobre as famílias de baixa renda. Como apontam os ex-secretários do Tesouro Robert Rubin e Jacob Lew, 35 milhões de famílias recebiam até US$ 300 em um crédito fiscal atrelado ao número de filhos durante a pandemia, mantendo cerca de 3,7 milhões de crianças fora da pobreza. Mas essa assistência expirou em dezembro, fazendo com que a pobreza infantil aumentasse 41%.
E quanto às creches, que permitem que os pais trabalhem para que possam sustentar suas famílias? A necessidade desse serviço e seu custo exorbitante só se tornaram mais aparentes durante a pandemia. Mais uma vez, os EUA são uma exceção entre o mundo desenvolvido, gastando apenas 0,2% de seu PIB em cuidados infantis de crianças de 2 anos ou menos. Isso equivale a insignificantes US$ 200 por ano para a maioria das famílias. Nos EUA, o custo médio é de US$ 1.100 por mês.
Segundo um relatório, em 2020, os custos médios com cuidados infantis de crianças menores de 5 anos nos EUA estavam entre 17% e 20% do salário médio de um trabalhador. Na Carolina do Sul, estado de Scott e o qual Guttmacher aposta que certamente vai proibir o aborto, os custos com cuidados infantis aumentaram 23% de 2018 a 2020.
Está claro por que Scott não queria chamar a atenção para as consequências econômicas da proibição do aborto: como Yellen observou, elas seriam devastadoras e, enquanto isso, ele e seus colegas republicanos continuam se opondo a muitas políticas que melhorariam a vida das mulheres. As mulheres não apenas perderiam a escolha de ter ou não um filho, como também não teriam acesso a serviços que poderiam ajudar seus filhos, futuros filhos e até elas mesmas.
Isso sim é ríspido e insensível.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Julianna Goldman é uma colunista da Bloomberg Opinion que já foi correspondente em Washington da CBS News e correspondente da Casa Branca para a Bloomberg News e a Bloomberg Television.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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