Qual é a real utilidade das Big Techs durante o lockdown?

Na China, nova rodada de lockdowns vem deixando cidadãos exaustos da tecnologia e se perguntando se ela é necessária mesmo

Por

Bloomberg Opinion — As empresas de tecnologia de consumo da China estão em um poço de problemas. Assim como o governo parece estar diminuindo sua repressão regulatória, a fadiga do consumidor – até mesmo o desinteresse – chegou para ficar.

Em uma reunião de abril do Politburo, o principal órgão de formulação de políticas do governo, Pequim prometeu apoiar o crescimento saudável das empresas de plataforma – declaração interpretada por muitos analistas como o fim da campanha de um ano do governo para controlar as Big Techs em diversas áreas, desde antitruste a segurança de dados. A repressão de Pequim custou às empresas de tecnologia até US$ 2 trilhões em valor de mercado, o equivalente a 11% do produto interno bruto da China, estima o Goldman Sachs (GS).

Mas uma ameaça potencialmente maior se aproxima: os lockdowns em toda a cidade estão forçando os consumidores a buscar alternativas e questionar a utilidade das Big Techs.

Durante anos, o comércio eletrônico foi o carro-chefe da indústria de tecnologia chinesa, com as compras online representando uma parcela muito maior das vendas no varejo do que nos Estados Unidos. Empresas como Alibaba (BABA), JD.com (JD) e Meituan investiram pesadamente para construir redes de distribuição e logística, chegando a adquirir produtos frescos diretamente de agricultores e recrutar em massa trabalhadores migrantes para entregas.

O lockdown em Xangai, que começou em 1º de abril, interrompeu todo o modelo de negócios, ajudando na queda do índice Hang Seng Tech de Hong Kong em 31% este ano, mais que o dobro do índice Hang Seng de referência. O preço da contratação de entregadores disparou, e muitos deles estão presos em casa. Quanto aos que podem trabalhar, muitos não podem voltar para casa no final do dia porque o governo quer minimizar o tráfego dentro e fora das áreas residenciais. Como resultado, as empresas de comércio eletrônico precisam oferecer acomodações gratuitamente ou arriscam deixar seus entregadores desabrigados.

No mês passado, empresas de internet despacharam cerca de 20 mil entregadores para atender 2,5 milhões de pedidos de supermercado por dia para a cidade de 25 milhões de habitantes, segundo o governo de Xangai. Embora esse número pareça considerável, é apenas cerca de um terço dos níveis pré-lockdown, segundo estimativas da CLSA.

Então, em vez do comércio eletrônico, os moradores de Xangai recorreram a estratégias analógicas – habilidades sociais e gentileza de seus vizinhos – para atender às necessidades básicas. As compras comunitárias – nas quais os moradores do mesmo endereço se juntam para fazer compras de mantimentos em um único pedido para fornecedores e restaurantes – ficaram muito populares. Voluntários dos bairros se encarregam de entrar em contato com comerciantes e transportadoras, entregar cada pedido de porta em porta e ajudar idosos que não sabem usar smartphones.

Enquanto isso, o WeChat, operado pela Tencent Holdings, não está mais atuando como a praça pública digital na qual os usuários ficam infinitamente engajados. O super aplicativo de mídia social foi rápido em censurar críticas e ceticismo em relação à política Covid Zero do presidente Xi Jinping, excluindo muito conteúdo – desde um vídeo de seis minutos que documentava os apelos dos moradores de Xangai até fotos de idosos arrastados para centros de quarentena improvisados e artigos sobre a lei de cibersegurança da China e os regulamentos de censura.

Atualmente, quando alguém tenta abrir o link, é comum surgir uma mensagem de conteúdo indisponível. Cada vez mais, as pessoas usam códigos para descrever tópicos sensíveis, como Covid Zero e emigração para fora da China, e muitos que costumavam conversar no WeChat pararam de fazê-lo. Alguns migraram para o Telegram. O WeChat se tornou uma lista de contatos digital – e nada mais. Muitos acreditam que isso arruinou a experiência do usuário.

Antes da pandemia, as empresas de tecnologia facilitavam nossas vidas. Era possível receber até um café no escritório em 15 minutos e os aplicativos de mensagem não paravam. Agora, os lockdowns deixaram as pessoas exaustas. Na China, cidadãos precisam fazer compras online às 6h, e as redes sociais foram censuradas.

Então, quando milhões de chineses saírem do lockdown (seja lá quando isso acontecer,) muitos podem descobrir que deixaram seu vício, preferindo passar tempo fisicamente com humanos. Às vezes, para se conectar com outras pessoas, você precisa se desconectar do telefone. Mas o que isso significa para os modelos de negócios das Big Techs, que consistem em prender os usuários às suas telas?

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Shuli Ren é colunista da Bloomberg Opinion e cobre mercados asiáticos. Ex-banqueira de investimentos, ela foi repórter de mercados para a Barron’s. Também é analista financeira com certificação CFA.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Como a obesidade está assolando países que saíram do mapa da fome

Apesar de declarar volta à normalidade, Xangai ainda está longe do retorno