Bloomberg Opinion — Aplicar sanções contra oligarcas e bancos russos era uma atitude óbvia e esperada. Mas agora vem a questão muito mais espinhosa sobre os limites para punir e isolar a Rússia de Vladimir Putin – não apenas as elites politicamente conectadas, mas os atletas, artistas e outros embaixadores simbólicos do regime.
O All England Lawn Tennis and Croquet Club – o órgão que administra o histórico campeonato de Wimbledon – decidiu banir os tenistas russos e bielorrussos do torneio deste ano. Roland Garros, como é chamado o Aberto da França, não fez uma determinação semelhante, o que acaba gerando um estranho espetáculo de jogadores russos sendo banidos em alguns lugares e não em outros. Uma olhada no Twitter do tênis mostra uma comunidade de fãs bem dividida.
O All England Lawn Tennis and Croquet Club gostaria que isso fosse visto como uma decisão baseada em princípios, semelhante às proibições da era do apartheid aos atletas sul-africanos, que serviram para repudiar o Partido Nacional no poder. Mas hoje há o risco de parecer mais uma exibição vazia de habilidade fora da quadra, como uma orquestra se recusando a tocar Tchaikovsky.
Martina Navratilova, uma das maiores de todos os tempos do esporte, que fugiu da Tchecoslováquia comunista quando tinha 18 anos e agora é cidadã dos Estados Unidos, condenou a decisão, descrevendo-a como injusta. “Eu entendo a proibição de seleções, é claro, representando países; mas em um nível individual, acho que está errado.” O número um do mundo, Novak Djokovic, seis vezes vencedor de Wimbledon, também se manifestou contra.
Elina Svitolina, uma jogadora de alto nível, que é ucraniana, disse que apenas os russos que são abertamente contra a invasão deveriam poder jogar. Essa é uma visão que o ministro do Esporte do Reino Unido, Nigel Huddleston, também defendeu inicialmente. Mas, em última análise, o All England Club decidiu que seria muito confuso monitorar isso. É claro que exigir que os jogadores façam uma declaração política desse tipo também abriria um precedente perigoso. E denunciar Putin representa um risco real para os jogadores e suas famílias na Rússia.
Tudo isso pode acabar nas quadras enquanto o mundo do tênis elabora um protocolo adequado. A Associação de Profissionais de Tênis, que administra o circuito masculino, se opõe à mudança e alertou que suas regras não permitem que os anfitriões do torneio discriminem os jogadores com base em qualquer outra coisa que não seja sua classificação. A proibição do clube também pode ser contestada por violar a lei de direitos humanos do Reino Unido, que inclui a nacionalidade como uma característica protegida. Claro, Wimbledon é um clube privado de membros, muito bem assessorado juridicamente, que seguramente já terá preparado sua defesa contra essas acusações.
O propósito das sanções
Claramente, a invasão da Ucrânia é tão descarada e impactante que são pouquíssimo os âmbitos da vida moderna nos quais essas questões não são significativas. Tal como acontece com todas as sanções e proibições, qual é o propósito de toda essa questão? Esqueça a dissuasão, obviamente. Putin não vai mudar seu plano militar para que o público nas arquibancadas possa ver o número dois do mundo, Daniil Medvedev (que nunca passou da quarta rodada lá) enfrentar Djokovic.
Existe, é claro, o argumento de que seria injusto para os jogadores ucranianos terem que competir contra jogadores russos, dado o que seu país está sofrendo. E, no entanto, isso pode acontecer em outros torneios. E definir onde traçar essas linhas é um caminho para infinitas suposições e contra-acusações. (Israel tem vivenciado muito disso ao longo dos anos.)
Um argumento um pouco melhor a favor da proibição – e é o que está implícito na declaração do clube – é que ela nega a Putin uma vitória indireta. Em teoria, esporte e política deveriam ser esferas separadas. Na realidade, o fato das pessoas se identificarem tão fortemente com a competição e as conquistas esportivas, faz com eles sempre estejam entrelaçados.
O presidente francês, Emmanuel Macron, sentou-se no camarote VIP com Putin para comemorar a vitória da França na Copa do Mundo de 2018. A carreira de Boris Johnson teve um grande impulso como prefeito de Londres quando presidiu as Olimpíadas de 2012. E ele foi rápido em atrelar sua ambição política ao conto de fadas de Emma Raducanu, quando a jogadora britânica venceu o Aberto dos EUA, no ano passado.
Mas, convenhamos, nenhum líder político foi mais emblemático do que Putin ao atrelar a proeza esportiva e a grandeza nacional mais abertamente. Ele próprio um faixa-preta de judô cujas próprias imagens sem camisa são cuidadosamente elaboradas para impulsionar sua narrativa da grandeza russa passada e futura. Putin investiu pesadamente em esportes, hospedando vários grandes eventos, como a Copa do Mundo da FIFA 2018 e os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi 2014 (nos quais os veículos oficiais de mídia observaram que “o gigante adormecido da Rússia estava acordado, pronto para mudança e crescimento”).
Wimbledon não quer nada disso. Mesmo a remota perspectiva de Putin irradiando orgulho do Kremlin enquanto a duquesa de Cambridge parabeniza Medvedev por sua vitória, no centenário cenário de Wimbledon, seria um pesadelo de relações públicas para o venerável clube.
E, no entanto, o Kremlin já aproveitou a decisão para reforçar sua narrativa de que a OTAN e o Ocidente discriminam injustamente os russos. Proibir jogadores russos, portanto, tem o impacto perverso de ajudar Putin a transmitir sua mensagem da Rússia sozinha contra um mundo hostil, mas apenas porque o Kremlin distorce tudo para se adaptar à sua mensagem.
A proibição também reduz (deliberadamente) as chances de manchetes relacionadas à guerra ao redor do torneio. Mas isso serve a quem? É também uma proibição do poderoso simbolismo que um dueto russo-ucraniano representaria, ou a perspectiva de jogadores russos ou bielorrussos usarem a plataforma global que teriam no evento para enviar uma mensagem a Putin ou colegas russos e bielorrussos em casa se opondo à guerra.
Embora dificilmente seja a função do torneio facilitar essas coisas, não é certo dizer que a proibição se trata totalmente de negar uma satisfação potencial a Putin, pois também reduz seu risco de ser criticado publicamente por jogadores russos em um cenário global.
Uma questão de justiça
Navratilova tem razão em estabelecer uma distinção entre esportes coletivos e individuais e questionar a justiça da decisão. As seleções nacionais jogam sob uma bandeira; e esportes com programas de desenvolvimento liderados pelo Estado, que selecionam e preparam jogadores desde muito jovens, como é o caso da ginástica ou patinação artística, também são porta-bandeiras, mesmo quando apresentam competidores individuais.
Mas, além de competições de seleções nacionais como a Copa Davis e a Copa Billie Jean King (anteriormente conhecida como “the Fed”), o tênis é um esporte ferozmente individual onde a nacionalidade desempenha um papel muito limitado. Na África do Sul da era do apartheid, muitos esportes enfrentaram proibições e boicotes, mas seus tenistas eram em grande parte livres para competir em todo o mundo. Johan Kriek venceu o Aberto da Austrália em 1981 e 1982 e Kevin Curren chegou à final de Wimbledon em 1985. Ambos obtiveram a cidadania americana, o que lhes permitiu evitar as proibições do apartheid.
A cidadania não se sobrepõe necessariamente à identidade nacional no tênis, em parte porque grandes jogadores precisam estar perto de grupos de outros grandes jogadores quando estão se desenvolvendo. Os russos são onipresentes nas academias de tênis espanholas e norte-americanas. A estrela aposentada Maria Sharapova mudou-se para os EUA quando tinha sete anos, mas representou a Rússia nas Olimpíadas de 2012. Da mesma forma, muitos russos aplaudem Alexander Zverev, nascido na Alemanha, como um deles, porque seus pais eram jogadores de tênis russos da era soviética.
Outro exemplo é Andrey Rublev, outro jogador entre os 10 melhores, que nasceu na Rússia, mas também aperfeiçoou seu jogo na Espanha. Sua mãe treinou no famoso Spartak Tennis Club, que produziu muitos jogadores russos fortes e recebeu a Medalha da Ordem por “Mérito à Pátria” em 2009. Rublev foi o primeiro jogador russo a se manifestar contra a guerra, escrevendo " No war please” no marcador na lente da câmera após sua vitória na semifinal em Dubai. Ele também fez uma declaração ao se juntar ao ucraniano, Denys Molchanov, e conquistar o título de duplas.
Mencionar esses casos individuais é, obviamente, destacar o dilema de Wimbledon. Ou o clube toma decisões individuais com base nas circunstâncias do jogador (da mesma forma que os bancos conduzem a due diligence de conhecer seu cliente para fins de conformidade), ou decreta uma proibição geral de qualquer jogador com passaporte russo. Esse é o caminho preferido pelo jogador ucraniano aposentado, Alexandr Dolgopolov, que diz que todos os russos devem ser responsabilizados de alguma forma.
Um golpe indiscutivelmente maior para Putin, um grande fã de hóquei, seria a expulsão dos 55 jogadores russos ativos na Liga Nacional de Hóquei, como pontuou o lendário goleiro tcheco, Dominik Hasek. Mas apesar da NHL ter suspendido seus laços com empresas russas e suas contas de mídia social em russo, ela não chegou a ir tão longe. Tal como acontece com o All England Club, essas decisões tendem a ser principalmente uma questão de gestão de risco comercial e de reputação.
Dois anos atrás, Wimbledon tinha motivos para se sentir orgulhoso durante um período de incerteza máxima. O clube havia feito um seguro contra a pandemia e, portanto, foi indenizada por um evento que pegou praticamente todas as outras organizações de surpresa. A decisão de banir jogadores russos e bielorrussos do campeonato deste ano é outra espécie de apólice de seguro. Mas, embora não consiga eliminar o drama nas quadras, trata-se de uma resposta insatisfatória à questão de até que ponto se devem punir russos comuns (e até extraordinários) pelos crimes de Putin.
Therese Raphael é colunista da Bloomberg Opinion. Foi editora da página editorial do Wall Street Journal Europe.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.
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