Bloomberg Opinion — No verão passado, após anos de hostilidade aberta, Recep Tayyip Erdogan e Emmanuel Macron declararam um “cessar-fogo verbal”. Agora, os presidentes turco e francês estão em comunicação direta enquanto cada um tenta interceder junto a Vladimir Putin para intermediar o fim da guerra na Ucrânia.
Os possíveis pacificadores não fizeram progressos com o presidente russo, no entanto. Tendo ferido o orgulho de Macron ao ignorar suas importunações contra a invasão, Putin tem sido um pouco mais indulgente com as presunções de Erdogan como mediador no conflito.
Mas enquanto ele enviou negociadores para conversações de paz em Istambul, o líder russo não mostra interesse em acabar com a guerra. As negociações foram interrompidas abruptamente após as revelações da semana passada de atrocidades cometidas contra civis ucranianos em Bucha. A Turquia espera que as negociações sejam retomadas.
As humilhações de Putin dirigidas a Macron ainda podem ser um fator nas chances de reeleição do francês no final deste mês: elas estremeceram sua constante afirmação de ter colocado a França no centro dos assuntos europeus, que é um dos principais pilares de sua campanha. Erdogan não precisa enfrentar os eleitores turcos por mais um ano, então o fracasso em negociar a paz não traz nenhum perigo político imediato. Mas há custos geopolíticos e econômicos que ele não pode ignorar.
Quanto mais a guerra se arrastar, mais difícil será sustentar a neutralidade cuidadosamente calibrada da Turquia. O cálculo de Erdogan no início do conflito era que ele poderia usar sua amizade com Putin como alavanca com o Ocidente. A OTAN, ele calculou, estaria ao mesmo tempo ansiosa para mantê-lo no campo ocidental e feliz em usá-lo como canal de comunicação com seu “querido amigo” em Moscou. Eles poderiam até perdoar suas transgressões anteriores, como a compra de sistemas russos de defesa antimísseis, mesmo diante das objeções da OTAN, que renderam à Turquia a suspeita de seus aliados, bem como sanções americanas.
Erdogan também esperava que o uso bem-sucedido de drones militares turcos pela Ucrânia contra os invasores russos ajudasse a superar a percepção de que ele estava do lado dos bandidos no conflito. Ele pediu abertamente que a OTAN acabasse com os embargos de armas contra seu país. Os Estados Unidos e outros membros da aliança, com razão, não se comprometeram com isso. Se o líder turco quer os privilégios que vêm com a adesão à OTAN, então ele deve aderir ao consenso. Se não o fizer, Erdogan se verá empurrado ainda mais para as margens da aliança, ainda mais se a economia turca continuar afundando.
À medida que a OTAN cerra fileiras contra a Rússia – até a Alemanha abandonou sua postura pacifista – a paciência com as alegações de neutralidade da Turquia está se esgotando. A recusa de Erdogan em se juntar à aliança ocidental na imposição de duras sanções a Moscou é mais difícil de justificar em meio à crescente evidência de crimes de guerra russos. E em um momento em que a Suíça está concordando com essas sanções, não é uma boa ideia para Ancara que os comparsas oligarcas de Putin estejam usando a Turquia para estacionar seus superiates e malas cheias de dinheiro.
Nem os russos que pagam taxas de atracação e compram apartamentos de luxo custeiam adequadamente o preço alto que a guerra está impondo à economia turca. A inflação atingiu seu recorde em 20 anos: os preços ao consumidor subiram 61,1% em março, ante 54,4% em fevereiro.
Os investidores dificilmente podem ter deixado de notar. No início de abril, a S&P Global Ratings cortou o rating de crédito em moeda local da Turquia para B+, quatro níveis abaixo do grau de investimento, citando o impacto do aumento dos preços da energia gerado pela guerra da Rússia na Ucrânia. “As consequências [do conflito], incluindo o aumento dos preços de alimentos e energia, enfraquecerão ainda mais a já frágil balança de pagamentos da Turquia e exacerbarão a inflação”, disse a S&P em comunicado. “Esta última está a caminho de uma média de 55% em 2022, o nível mais alto de todos os soberanos que avaliamos.”
E mesmo que Erdogan não esteja inclinado a impor sanções a Moscou, as medidas estão complicando grandes projetos russos na Turquia. A construção de uma usina nuclear de US$ 20 bilhões, por exemplo, teve problemas porque a construtora russa, controlada pelo Estado Rosatom, está tendo dificuldade em adquirir equipamentos de outros países.
Como suas chances de persuadir Putin a trazer a paz são quase nulas, Erdogan pode dar boas-vindas a seus telefonemas com Macron. Tendo uma vez encorajado o presidente francês a ter sua cabeça examinada, pode ser que agora o líder turco fique grato por ter seu ouvido solidário.
Bobby Ghosh é colunista da Bloomberg Opinion. Ele escreve sobre relações exteriores, com foco especial no Oriente Médio e na África.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.
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