Bloomberg — O Banco Central que trouxe a campanha de aperto monetário mais agressiva após a pandemia está em uma batalha mais longa do que o esperado contra a inflação enquanto seus próprios funcionários, juntamente com outros dos setores público e privado do país, exigem aumentos salariais de até 26% para compensar as perdas no poder de compra.
Funcionários do Banco Central do Brasil e do Ministério da Economia, incluindo a Receita Federal, estão em greve ou paralisando o trabalho há três semanas, atrasando operações alfandegárias, planos orçamentários e dados estatísticos importantes. Na segunda-feira (18), o boletim Focus com previsões de mais de 100 analistas não foi publicado pela terceira semana consecutiva.
Embora esses protestos sejam comuns no Brasil, principalmente em ano eleitoral, a pressão dos servidores públicos é um lembrete do risco de que os aumentos de preços passados comecem a alimentar a inflação atual em um país traumatizado pela hiperinflação. Isso também contribui para a visão de que o banco central provavelmente será forçado a estender sua campanha de aperto monetário até maio, contrariando sua própria orientação.
“Quando até mesmo os trabalhadores do banco central exigem aumentos salariais, o risco de efeitos de segunda ordem de uma espiral de preços e salários fica claro”, disse Adriana Dupita, economista da Bloomberg Economics, observando, no entanto, que commodities, escassez de oferta e um real mais fraco são atualmente o principal determinante do aumento dos preços no Brasil.
Por enquanto, os salários não conseguiram acompanhar a inflação, que atingiu a alta de duas décadas de 11,3% ao ano. Em fevereiro, quase 56% de todos os aumentos ficaram abaixo do INPC, que mede as perdas no poder aquisitivo das famílias com renda entre um e cinco salários mínimos. Os aumentos futuros nos preços provavelmente apagarão os aumentos salariais até agora, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, que monitora os salários. Os salários médios reais caíram 8,8% desde o início da pandemia, segundo dados oficiais.
“Temos uma alta taxa de inflação, e parte disso está sendo repassada aos salários – mas a maioria dos aumentos está abaixo ou no mesmo nível da inflação”, disse Mirella Hirakawa, economista da gestora de ativos local AZ Quest, em entrevista.
No entanto, os formuladores de políticas estão cada vez mais preocupados, com o presidente do banco central, Roberto Campos Neto, dizendo que os aumentos salariais, principalmente no setor de serviços, influenciaram os dados surpreendentemente altos de preços registrados em março. Seus comentários levaram os investidores a precificar um ciclo mais longo de aperto monetário no Brasil.
O chamado fenômeno da indexação de preços vai muito além dos salários no Brasil. Aluguéis e outros custos, como passagens de ônibus, também estão um pouco ligados à inflação passada. De fato, até 30% de todos os produtos e serviços do país podem ser pelo menos parcialmente ajustados pelos índices de preços ao consumidor.
“Temos alta indexação, o que resulta em um alto percentual da inflação corrente provocando revisões nos preços de vários itens”, disse Hirakawa.
Impasse nas negociações
Até agora, o governo não conseguiu apaziguar os funcionários públicos rebeldes. O presidente Jair Bolsonaro decidiu na semana passada aumentar os salários em 5% a partir de julho a um custo de R$ 6,3 bilhões para os cofres públicos este ano. O aumento não foi anunciado oficialmente porque o governo ainda precisa encontrar uma brecha no orçamento. Para o ano que vem, o governo propõe destinar R$ 11,7 bilhões no orçamento para aumentos adicionais.
Contudo, o plano pode não ser suficiente para acabar com os protestos. O sindicato que representa os trabalhadores do banco central disse na semana passada que um aumento de 5% não poria fim à greve. Funcionários da Receita Federal estão exigindo o pagamento de um bônus aprovado pelo Congresso em 2017 que nunca chegou aos seus bolsos.
E agora até a Polícia Federal, principal base de apoio de Bolsonaro, disse estar insatisfeita com o aumento planejado de 5% e exigiu uma reestruturação de carreira prometida pelo presidente, que implicaria em salários mais altos.
--Com a colaboração de Andrew Rosati e Simone Iglesias.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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