A startup que quer oferecer “a terceira via” para jovens: ao invés de faculdade e da informalidade, preparar para o mercado de trabalho. Essa é a ideia de Guilherme Luz e Eduardo Mufarej, endossada pela Altos Ventures, fundo de capital de risco do Vale do Silício, com uma rodada Série A. É a primeira vez que a Altos Ventures investe no Brasil.
De acordo com o relatório sobre edtechs na América Latina feito pela HolonIQ, no ano passado, as startups da área da educação captaram quase US$ 500 milhões em venture capital, sendo que as startups focadas em treinamento para o mercado de trabalho receberam a maior parte desse investimento. É o caso da Galena, que pretende não só formar o jovem que acabou de sair do ensino médio, mas encaminhá-lo para uma entrevista de emprego para vagas iniciantes de vendas e atendimento ao cliente.
Os fundadores da startup, Luz e Mufarej, já trabalham juntos há cerca de uma década. Eram sócios da Somos Educação. Quando venderam a empresa no final de 2018, foram atuar no terceiro setor. Mufarej fundou uma escola de formação de lideranças políticas, o RenovaBR, e Luz foi CEO da Nova Escola, uma organização de formação de professores da rede pública.
Em 2020, eles se reencontraram e pensaram que era a hora de criar algo novo, focado em educação. “A gente resolveu pegar os problemas principais da educação brasileira e criar alguma coisa que fizesse sentido. Um problema enorme que o país tem é a transição do jovem que sai do ensino médio e precisa trabalhar. É um problema que atinge em especial a escola pública, com mais de um 1,5 milhão de pessoas todos os anos. Poucas pessoas têm acesso à universidade. Cerca de 25% das pessoas conseguem transitar para a universidade e todo o restante tem que se virar”, disse Luz, em entrevista à Bloomberg Línea.
A ideia da Galena é evitar que jovens caiam na informalidade e no subemprego nessa transição da escola pública para o mundo do trabalho. “O Brasil está muito bem de soluções para poucos na educação. Mas soluções com qualidade para muita gente há poucos casos. A gente gostaria que a Galena fosse um deles”, disse o executivo.
A Galena é um programa de formação que direciona o jovem para uma oportunidade de emprego, desde a orientação vocacional até a oportunidade de uma entrevista com empresas parceiras, como o iFood ou o QuintoAndar.
Para serem admitidos no programa, os jovens fazem um teste vocacional. Para aqueles que têm o perfil dos cursos que a Galena oferece - vendas, atendimento de pessoas e sucesso do cliente - a empresa convida para o programa. Segundo Luz, a Galena não é uma escola de vendas, e deve implementar outras carreiras como marketing em breve.
Os jovens ficam com a Galena por quatro meses em um trabalho de segunda a sexta-feira, oito horas por dia, com um trabalho prático que simula a vida desses jovens no mercado de trabalho.
No final do programa, a Galena faz uma formação para o emprego em si: como se comportar no primeiro dia, códigos, linguagens, como fazer entrevista. E esses jovens são direcionados para entrevistas com a Unilever, Itaú, Nubank. “Se eles gostarem da proposta e a empresa gostar deles, eles têm uma oferta de emprego e começam essa trajetória profissional que pode levar uma carreira legal, que muda a vida das pessoas”, explica o executivo.
Não é certeza que o jovem que passou pelo programa será contratado, mas, segundo Luz, no primeiro programa da Galena todas as pessoas foram contratadas. “Nosso compromisso é com esse emprego. Se o nosso programa estiver no final e não tiver capacitado o jovem a passar na entrevista e conseguir um emprego, não tem lugar de existir da Galena. Nossa expectativa é que a despeito do jovem não ter o emprego como certo, porque ele precisa performar bem na entrevista, a gente dará todas as ferramentas para que ele consiga”, disse.
As vagas iniciais têm salários a partir de R$ 2 mil nas áreas de vendas e sucesso do cliente. O programa é focado em jovens de 18 a 24 anos. “Somos uma alternativa à faculdade. A gente não veio com a missão de substituir a faculdade porque acho que a faculdade tem um valor grande para a sociedade, não estamos fazendo oposição. Mas ela não consegue atender o número de jovens que se formam no Ensino Médio hoje. E tem muitos inclusive que vão para faculdades que não são boas. A gente gostaria de ser uma alternativa para aqueles que não conseguem entrar ou para aqueles que vão para faculdades que não são boas, de forma que eles consigam entrar no mundo do trabalho de forma mais ágil, mais rápida, mais econômica e mais efetiva”, disse.
O programa é gratuito até o jovem ser contratado e começar a receber um salário maior do que R$ 2 mil por mês. Depois de contratado, ele começa a pagar a Galena. O valor depende do prazo da dívida e pode variar entre R$ 3500 a R$ 6 mil dependendo de quanto este jovem vai esticar a dívida no prêmio. “Depende do tamanho da parcela”, explica o executivo.
A startup também é remunerada pelas empresas clientes em um modelo mais tradicional em que pagam para a Galena um múltiplo de salários, a depender da escala.
Luz e Mufarej criaram a Galena com dinheiro próprio e em 2021 captaram uma rodada Seed de US$ 7,3 milhões. Agora, esta é a segunda rodada da Galena. Também participaram da Série A o braço de ventures da Exor N.V., (maior acionista da Ferrari, PartnerRe, Stellantis, Juventus e The Economist); a Owl Ventures, principal gestora global de investimentos em edtechs; o Reaction, fundo de impacto de alumnis de Stanford, e a Globo Ventures, veículo de investimento do grupo Globo, além de investidores individuais, como David Velez, Kevin Efrusy, Dan Rosensweig, Armínio Fraga e Romero Rodrigues.
“Estamos trazendo US$ 16,7 milhões que vão dar pelo menos dois, três anos de fôlego para poder crescer nosso modelo”, disse o cofundador. Com o aporte, a startup investirá em tecnologia e pessoas. “O grande segredo da escala em educação é uma pedagogia muito sólida. Acho que a gente já conseguiu mostrar que a gente faz bem nessas primeiras turmas que a gente rodou com a capacidade de escalar. A ideia é que a gente consiga replicar processos e tenha plataformas para que esses processos sejam cada vez mais funcionais. Esse investimento agora vem muito para acelerar os nossos produtos com essa pegada de dados e tecnologia, que é onde a gente está investindo mais”.
Segundo o executivo, processar dados do jovem é uma vantagem da Galena contra quem vai contratar pelo mercado. “Quem vai contratar um jovem no mercado hoje, saindo da escola pública, tem pouquíssimas informações sobre esse jovem, é difícil tirar referências porque muitos deles não trabalharam e vem de uma escola que não tem muito diferencial. Então acaba que o processo é todo baseado na entrevista”, disse.
Já a Galena diz que desde a orientação vocacional e nos quatro meses de programa, o jovem passa por avaliações, rodadas de feedback. “Conhecemos as empresas parceiras, a gente consegue fazer um processo de matching muito rico. Eu sei exatamente como esse jovem se comporta, quais são as áreas em que ele vai bem e o que a empresa valoriza”.
A primeira turma da Galena teve 60 alunos e a segunda 170. Agora, a startup começará uma nova turma com 200 jovens. As inscrições são feitas no site da Galena e a primeira parte do processo é automatizada com testes de perfil, testes de raciocínio, perguntas objetivas e de interesse. Os selecionados passam por uma segunda rodada de entrevistas com o time da Galena. Na terceira fase, a startup teve mais de 10 mil inscritos para 200 vagas.
“As startups de tecnologia compraram mais rápido a nossa proposta, entenderam mais rápido porque são empresas que estão um pouco mais dinâmicas. Talvez seja por isso que a nossa penetração nesse mundo das startups tenha sido mais fácil. Requer uma certa quebra de paradigma contratar alguém que não tem diploma. Isso é muito legal, abre uma chance de diversidade real, porque é muito difícil hoje trabalhar com diversidade e ao mesmo tempo exigir um diploma, exigir inglês fluente e exigir experiências prévias. A Galena vem para fomentar essa diversidade, a escola pública é muito diversa”.
A Galena tem cerca de 70 funcionários. Todos remotos. “A gente tinha um escritório, alugávamos em coworking mas fechamos porque queríamos virar uma empresa 100% remota para estar distribuída no Brasil todo. Temos funcionários de pelo menos oito estados. Eu confesso que me deu frio na barriga mas acho que estamos bastante produtivos e mais inclusivos por termos tomado essa decisão”, disse Luz.
A empresa pretende atender 1.500 jovens este ano. Ano passado, 230 passaram pelo programa. “Se a gente for bem sucedido, ano que vem já dá para começar a sonhar na casa dos 8 a 10 mil alunos. A Galena nasceu com a ambição de ser a trajetória profissional para pelo menos 30, 40 mil jovens por ano, essa é nossa ambição e é nisso que a gente vai focar, criar condições e produtos para chegarmos lá”.