Desembargadores de SP reclamam de juros altos em evento com chefe da Febraban

Magistrados disseram que instituições financeiras “extrapolam demais”; Isaac Ferreira (da Febraban) disse que é preciso entender o spread antes de acusar os bancos

Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo acusam bancos de cobrar juros "muito além do razoável" e presidente da Febraban se defende
12 de Abril, 2022 | 04:58 PM

Bloomberg Línea — Durante evento da Escola Paulista de Magistratura (EPM) nesta terça-feira (12), dois desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo reclamaram dos juros cobrados pelos bancos brasileiros diante do presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney Menezes Ferreira.

A escola organizou o debate porque está criando um centro de estudos de Direito Bancário. Hoje, o TJ de São Paulo tem 26 câmaras julgadoras totalmente dedicadas a casos bancários, o que envolve cerca de 150 desembargadores. E a maioria dos processos, segundo os magistrados, trata de juros e contratos de empréstimo.

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Por isso, nesta terça, o desembargador Salles Vieira sugeriu, da plateia, que o novo grupo discutisse “a política de juros de algumas instituições financeiras, uma delas com mais destaque” - colegas do desembargador depois explicaram que ele se referia à Crefisa, que vem reiteradamente sendo condenada pelo tribunal por cobrar juros considerados abusivos pelos desembargadores. Uma das câmaras de julgamento do TJ já chegou a oficiar o Ministério Público para que fosse ajuizada uma ação civil pública contra a financeira, mas a ação não foi aberta.

O desembargador Roberto Mac Cracken, coordenador da área de Direito Bancário da EPM, explicou que o TJ de São Paulo vem obrigando as instituições financeiras a reduzir os juros à média de mercado divulgada pelo Banco Central quando considera que as taxas “extrapolam demais, com redundância para reforçar a importância do argumento”. O desembargador disse que costuma enviar ao BC cópia dos processos em que são detectados juros abusivos.

Mac Cracken, que estava na mesa dos debatedores, citou um caso julgado por ele recentemente em que o banco BMG foi condenado por cobrar juros de mais de 1.500% ao ano num contrato de empréstimo assinado com uma idosa. “São situações que ultrapassam muito o razoável”, disse o desembargador. “Não deveria haver algum tipo de orientação para os bancos?”, questionou, virado para o procurador-geral do Banco Central, Cristiano Lopes Cozer, um dos palestrantes do evento desta quinta, também sentado à mesa dos debatedores.

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Quem respondeu, no entanto, foi o presidente da Febraban, Isaac Ferreira. Segundo ele, “antes de falar dos juros, é preciso entender a composição do spread bancário. Quais variáveis influenciam na composição do custo do dinheiro?”

De acordo com Ferreira, 80% do spread são custos da operação que não têm a ver com a margem de lucro. A inadimplência corresponde a entre 30% e 40%, segundo ele.

Ferreira disse ainda que o setor bancário brasileiro é o que menos recupera garantias de empréstimo do mundo. Citando dados do Banco Central, ele disse que o Reino Unido consegue recuperar, em média, US$ 0,80 para cada dólar emprestado. A média mundial é de US$ 45. Já a do Brasil é de US$ 0,14.

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O presidente da Febraban reclamou ainda da carga tributária e das obrigações administrativas impostas ao mercado bancário. “Os bancos brasileiros são os que mais pagam impostos do mundo. É o que chamamos de cunha fiscal. E também ainda estamos presos nesse modelo de compulsório. Somos um dos poucos países que ainda recolhem compulsório”, disse, em referência à regra que obriga os bancos a depositar parte dos valores que têm sob sua administração em contas do BC, uma medida de garantia de estabilidade do sistema financeiro, segundo a autarquia.

“Não nego que os juros sejam altos, e age bem o Poder Judiciário quando intervém [em casos de abuso contra o consumidor]. Não há problema nisso e a atuação é bem-vinda. Mas, antes de falar que os juros são altos, precisamos entender por que os juros são altos”, argumentou Isaac Ferreira.

O procurador-geral do Banco Central, Cristiano Cozer, a quem as reclamações foram dirigidas, preferiu não se posicionar. Disse apenas que seria necessário “um evento só disso”. E lamentou que o BC “consegue atuar no atacado, mas não no varejo” em casos relacionados a juros.

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*Notícia atualizada às 13h do dia 13 de abril para explicar que o presidente da Febraban, Isaac Ferreira, se referia às intervenções judiciais somente em caso de abusos contra o consumidor.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.