‘Investidor de emergente tem que entender que Brasil é volátil’, diz General Atlantic

Para o presidente e diretor global de growth equity da General Atlantic Martín Escobari, o fluxo de IPOs secou em todo mundo por conta da correção às empresas tech

Por

Bloomberg Línea — Para investir em mercados emergentes como o Brasil, os fundos de venture capital precisam estar preparados para o longo prazo e precificar riscos regulatórios e políticos, já que, segundo a General Atlantic, a cada dois ou três anos haverá um evento político, econômico ou cambial que impactará as empresas de alguma maneira.

Quando a GA fez seu primeiro investimento no Brasil, um dólar custava R$ 1,85. “Imagine navegar isso quando o dólar chega a R$ 5″, disse Rodrigo Catunda, diretor gerente da General Atlantic no Brasil, durante o Founders Tech Summit, realizado na sexta-feira pelo Itaú BBA. “O investidor de mercado emergente tem que entender que o Brasil é volátil”.

Infelizmente o Brasil é assim. Mas há tanta oportunidade que no longo prazo isso impacta menos. Só funciona investir em país emergente se você tem uma estratégia de longo prazo

Rodrigo Catunda, diretor gerente da General Atlantic no Brasil

Para Catunda, a GA segue com os investimentos no Brasil da mesma forma, seja o cenário otimista ou pessimista. “Infelizmente o Brasil é assim. Os empreendedores brasileiros tem essa barreira. Mas há tanta oportunidade que no longo prazo isso impacta menos. Só funciona investir em país emergente se você tem uma estratégia de longo prazo”, disse.

O presidente e diretor global de growth equity da General Atlantic Martín Escobari, disse que no ano passado viu muitos “turistas do mercado de growth”, com grandes valores aportados levando a valuations exagerados e sem diligência, em uma estratégia que, segundo ele, comprovou-se não ser robusta. “Os fundos que vêm para o Brasil quando o Cristo Redentor está na capa da The Economist vão vender errado. É impossível investir nessas regiões sem consciência de longo prazo”.

Em entrevista com a Bloomberg Línea após o painel com participação da GA no evento, Catunda disse que a General Atlantic não tem necessidade de liquidez no curto prazo. “A liquidez vai chegar de alguma maneira, seja em uma fusão, ou IPO, a gente olha o longo prazo”, afirmou.

Direita ou esquerda no poder

Geralmente o Brasil chega atrasado na festa. O resto do mundo teve cinco, seis anos de muito investimento em growth; a chuva chegou fim do ano passado, um momento mais difícil para levantar dinheiro

Martín Escobari, presidente e diretor global de growth equity da General Atlantic Martín Escobari

A gestão política de esquerda ou de direita na América Latina tampouco importa para a GA, segundo o investidor. “No final do dia, a gente olha empresas de alto crescimento. Independentemente de como é o comportamento político, essas empresas vão continuar crescendo, porque elas estão disputando mercados gigantescos. Quando você olha para as respectivas crises que a gente teve desde o impeachment [em 2016] e várias outras, a performance das empresas continuam crescendo a taxas muito altas, porque não depende muito da economia. Na América Latina vai continuar sendo assim, a cada dois anos uma crise econômica, social ou política”.

Diferentemente de fundos tradicionais, o dinheiro da GA provém de famílias, o que faz com que a empresa tenha um capital “mais permanente”, segundo Catunda. A gestora investe em empresas com tíquetes de US$ 75 milhões no mínimo para companhias que crescem acima de 20%. Para aquelas que crescem acima de 50%, o cheque é a partir de US$ 25 milhões.

Questionado quanto a GA gosta de ter de percentual da empresa, Catunda disse que a gestora investe diluindo entre 10% a 40%, o que é relevante para interagir com o time de gestão mas não o suficiente para que o empreendedor perca o controle da empresa. “A gente gosta muito de participação minoritária. A gente está investindo no empreendedor, no time. Então, eles têm que controlar a empresa, precisam ter a rédea da estratégia”, disse, para a Bloomberg Línea.

O portfólio de US$ 80 bilhões da GA está espalhado em 45% nos Estados Unidos, 15% na Índia, 15% na China, 15% na América Latina e os 10% restantes na Europa. Mas foram nos mercados emergentes (Índia e América Latina) que a GA encontrou oportunidades que a remunerou bem pelos riscos tomados, segundo Escobari. “Gosto muito do Brasil e Índia, é um mundo confuso para as economias, e agora no Brasil vemos o câmbio ajudando pela primeira vez em 15 anos”, afirmou o investidor, durante o evento.

O México tem se beneficiado da política de “nearshore”, com as empresas optando por comprar manufaturas “mais perto de casa” em detrimento das compras no mercado chinês, segundo Escobari.

Já sobre os investimentos na China, Escobari disse que isso será definido a depender da postura do governo chinês em relação ao setor de tecnologia e investidores estrangeiros, além das restrições do governo dos Estados Unidos para empresas chinesas captarem de fundos americanos. “Se isso se resolver positivamente, a China continua sendo um foco da GA para escala. Se fica restrita, teremos que ajustar a estratégia”.

Ajustes de valuation e janela escassa

Com a correção dos valuations das empresas listadas em bolsa, as startups ainda privadas não se ajustam na mesma velocidade. Mas, com o empreendedor na dúvida se o valuation da empresa de capital fechado será diferente quando for para as bolsas, o fluxo de IPOs pelo mundo vêm secando. Escobari disse que, com menor fluxo de IPOs e uma correção dos valuations para tecnologia, o momento é “delicado” para growth equity não só no Brasil, mas em todo mundo.

“Geralmente o Brasil chega atrasado na festa. O resto do mundo teve cinco, seis anos de muito investimento em growth, a chuva chegou fim do ano passado, um momento mais difícil para levantar dinheiro”, disse.

No ano passado, o investimento de growth na América Latina representou US$ 15 bilhões, mais dos que os últimos 19 anos juntos, segundo Escobari. A partir de setembro de 2021, o investimento em growth teve uma correção, com as ações caindo entre 30% e 50%, de acordo com o investidor.

Joaquim Lima, sócio da Riverwood, disse que a correção no mercado público afeta crossover funds, mas que como a Riverwood é estritamente privada, os fundos são menos cíclicos. “O Brasil tem isso de ciclos que fecham muito rápido, mas a gente tem sido consistente nos investimentos, estamos buscando empresas que não estão visíveis em growth equity”, disse Lima. Para ele, o mercado de growth não é tão linear e já investidores que “vão e voltam a cada quatro anos”.

“A América Latina é uma geografia que não é tão programática para eles [outros investidores globais de growth] quanto é para a gente”, afirmou.

Catunda disse que já era sabido que a correção dos valuations iria vir, só não se sabia o momento. “Quando os ajustes chegaram, todo mundo viu com surpresa, mas era questão de tempo. As rodadas estavam super altas com preços irreais e isso afeta mais o mercado público, mas mercado privado vai se ajustar”.

Mesmo assim, a GA diz que não diminuiu o apetite em investimento, mas está tomando mais cuidado com o tipo de companhia que a gestora investe. “É uma oportunidade para grande empresas de portfólio. Para nossas companhias que estão capitalizadas, é um momento bom para consolidação”.

Mas, para as empresas que não conseguiram ter caixa para alguns anos e não estão querendo ter rodadas abaixo, vão sofrer e precisar ter esse tipo de movimento, segundo Catunda.

Já para os empreendedores, no final do dia, Catunda diz que toda a empresa será avaliada a múltiplo de caixa e lucro em algum momento. É o caso das big techs, como Google (GOOG) e Facebook (FB), por exemplo. “Essas sacudidas que a gente tem no Brasil a cada dois, três anos, é o momento de o empreendedor voltar para casa para entender o unit economics e fazer um plano para chegar com a companhia rentável. É super importante para a gente ter algo a prazo super consistente”.

O que os investidores olham

Segundo Lima, para investir em uma startup, a Riverwood avalia o tamanho de mercado, a capacidade de execução e também a capacidade do empreendedor de ajustar a estratégia e receber orientações do conselho.

Já Escobari diz que a GA faz um lista de pontos positivos e negativos. Coisas que fazem a gestora fugir de um aporte são quando os negócios demandam capital intensivo ou negócios em que o governo tem um papel desproporcional. A General Atlantic também avalia o histórico de sucesso do fundador. Mas não necessariamente sucesso empresarial, mas qualquer tipo de sucesso que ele tenha tido na vida, além de equilíbrio do time executivo.

Para Escobari, um CEO deve ser estratégico e os gestores devem ser complementares olhando para o macro e para o micro. “Um Yin e Yang de capacidades complementares. Às vezes vemos esse equilíbrio em um único só indivíduo, às vezes em duplas ou em trincas”.

Ainda que a GA goste de ser um investidor mais ativo e participante, Catunda disse que a gestora não quer atrapalhar o empreendedor, mas trazer ideias novas. Como foi com a Hotmart, em que a GA aconselhou pela compra da startup americana Teachable.

“Ficamos admirados com a Hotmart no Brasil, a maior plataforma global para que criadores de conteúdo vendessem produto digital. Pegamos todos nosso sócios na Europa e na Índia pra entender o mercado. Encontramos uma empresa parecida com a Hotmart, que era a Teachable, e fizemos com que os dois empreendedores se conhecessem”, disse.

Com a janela de equity mais escassa e mais cara, o M&A pode ser mais frequente. Segundo Lima, a Riverwood tem uma visão mais panorâmica de como escalar de forma diferente ou expandir para algum mercado. Foi o caso da 99, brasileira investida da Riverwood. “Era briga de cachorro grande com a Uber. E a Didi Chuxing tinha mil desenvolvedores enquanto a 99 tinha menos. Então trouxemos a Didi para poder competir”, disse, sobre o meio de campo feito pela gestora para a compra da 99 pela empresa chinesa.

O IPO é um evento de liquidez de perenidade da companhia, mas não é o único prêmio para o empreendedor. A RD Station, agora parte da TOTVS, e a compra da Technisys pela Sofi, que vale US$ 14 bilhões na bolsa, são exemplos disso, segundo Lima. “É excelente para a gente e o fundador continua com valor, com moeda que é líquida. Então [a opção pelo tipo de saída] vai muito de cada investimento e a janela que a empresa vai encontrar”.

Onde a GA e a Riverwood erraram?

Sem citar empresas investidas, Escobari disse que errou quando quis “engordar” comprando negócios que não faziam sentido, ou quando passou muito tempo sem investir e se sentiu pressionado, o que o levou a investir em um acordo que não era tão bom. Também disse que errou quando subestimou a complexidade de se trabalhar com organizações familiares ou com grupos de grandes empresas.

Para Lima, os erros cometidos pelo fundo estão mais relacionados a questões exógenas, em que a empresa não tem controle. “A questão regulatória, ou uma decisão que faça com que a empresa perca sua competitividade”.

De empresa disruptiva a incumbente em 4 anos

O mundo hoje não é o mesmo de cinco anos atrás e as coisas acontecem muito mais rapidamente, segundo Catunda. As startups que têm dois anos de vida já valem milhões de dólares. Ao mesmo tempo, uma empresa que pode ser disruptiva hoje, em três ou quatro anos já pode virar incumbente (tradicional), segundo o investidor.

A GA foca em investimentos em educação digital, pagamentos, marketplaces e redução do custo do sistema de saúde. Setores que, segundo Catunda, são replicáveis em todas as economias.

“O Brasil é tão caótico que a gente faz soluções exportáveis para o mundo. É o caso da Gympass, não existia nenhum membership de academias no mundo. Exportar modelos acontece com frequência, temos certa vantagem nisso por sermos um fundo global”.

O caso da unico

A GA acompanha 100 mil empresas pelo mundo e a cada ano acrescenta oito a 10 mil empresas para ficar de olho. “A gente acompanha o modelo de negócio, surfando a onda que a gente acredita. Falamos um sim para 400 nãos. Aprende-se muito conhecendo empresas mesmo que não se vá investir nelas”, disse Escobari.

É o caso da idtech unico. Diego Martins, CEO e fundador da unico, recebeu mentoria de Escobari pela Endeavor há 12 anos e tentou receber capital da GA. Escobari disse que o negócio não funcionava e Martins perguntou se poderia voltar uma vez a cada seis meses para tentar captar. “Eu dou três recomendações, se você implementa duas, você pode voltar”, disse Escobari, à época. A empresa ainda se chamava Acesso Digital. Martins voltou por nove anos. No décimo ano, em 2020, a GA investiu, em um aporte de R$ 580 milhões Série B junto do SoftBank.

“A Acesso Digital tinha um modelo completamente diferente, onde você armazenava documentos. Ao invés da empresa ter documentos físicos, ela armazenava na nuvem, com acesso digital. Mas esse é um modelo que eventualmente está fadado ao insucesso ao longo do tempo. Então, a empresa começou a pegar - com autorização de todas as pessoas - os documentos, a biometria e criou a maior base de dados para evitar fraude no Brasil”, disse.

A Acesso Digital virou unico no final de 2020 e obteve o status de unicórnio em agosto de 2021, depois de um aporte de R$ 625 milhões da GA com o SoftBank.

Leia também

Novas regras para vale alimentação acirram concorrência e favorecem startups

Bulgari faz relógio mais fino do mundo, com NFT, por € 400 mil