Bolsonaro deu mais do que recebeu no casamento com Centrão, diz estudo

Em artigo, cientistas políticos da Uerj afirmam que junção manteve governo de pé, mas maiores beneficiários foram os deputados

Plenário da Câmara dos Deputados durante homenagem ao centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 23/3/2022
02 de Abril, 2022 | 12:03 PM

Bloomberg Línea — A entrada formal do Centrão na bancada do governo na Câmara dos Deputados blindou o presidente Jair Bolsonaro (PL) de pedidos de impeachment, mas não melhorou o desempenho dos projetos de autoria do governo na Casa. Na verdade, os maiores beneficiados pela junção foram os deputados do Centrão, que viram as taxas de aprovação de seus projetos subirem desde o “casamento”, como costuma dizer o próprio Bolsonaro.

As conclusões são dos cientistas políticos Débora Gershon e Júlio Canello, que publicaram um artigo com os dados no Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, no início deste mês.

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O artigo analisa os dados de propositura e aprovação de projetos entre 2019 e 2021.

Como Bolsonaro se filiou ao PL, um dos partidos do Centrão, para concorrer à reeleição, a legenda deixou de fazer parte da base para ser o partido do governo - e hoje é a maior bancada da Câmara.

O dado levantado pelos autores é que o Centrão consiste nos partidos PP, PL, Podemos, Pros, PSD, PTB, Republicanos, Solidariedade, Avante e Patriota. Em dezembro de 2021, as siglas tinham 209 deputados.

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De acordo com o estudo, os partidos do Centrão sempre foram mais governistas que os demais, e a entrada das legendas na base do governo não mudou muito esse quadro: em 2019, o Centrão apoiou o governo em 84,8% das votações nominais contra uma média geral de 70%. Em 2020, ano em que o grupo passou a fazer parte da base, a média geral se manteve e a taxa de apoio do Centrão subiu para 89,8%, cifras que se mantiveram estáveis em 2021.

Segundo o estudo, a principal função do Centrão na base aliada foi funcionar como uma rede de proteção do governo, e não para apoiar e aprovar os projetos do Planalto.

Diz o artigo: “A tentativa do governo de fidelizar o Centrão pode ser lida como uma estratégia assertiva de contenção de danos, que ganha força em 2021 com a eleição de Arthur Lira (PP) — aliado do presidente Bolsonaro — à presidência da Câmara. O engavetamento de centenas de pedidos de impeachment e a resistência à abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito desfavoráveis ao governo falam a favor dessa tese”.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, a pesquisadora Débora Gershon, coautora do artigo, explica que, “em termos de política pública, não mudou quase nada. O Centrão já apoiava o governo mais que os demais partidos da Casa pelo menos desde 2003 e seguiu apoiando”.

A única “mudança significativa”, diz ela, foi o “aumento vertiginoso da capacidade dos deputados do Centrão de aprovar seus projetos, enquanto os projetos de autoria do Planalto ficaram estagnados”.

O estudo mostra esse salto descrito pela pesquisadora:

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  • Em 2019, a taxa de sucesso dos projetos apresentados pelos deputados do Centrão foi de 0,7% contra 0,46% da média global dos deputados.
  • Em 2020, ano da negociação e da entrada do Centrão no governo, o índice de aprovação do grupo saltou para 2,05% enquanto a média da Casa ficou em 0,82%.
  • No ano passado, o sucesso do Centrão caiu para 1,1%. Mas a taxa dos deputados ficou em 0,28%.

O artigo do OLB ressalva que, embora o Centrão tenha obtido seu maior sucesso legislativo desde 2003, os deputados do grupo sempre foram mais bem sucedidos que a média da Casa. “Isso nos permite dizer que, nas últimas duas décadas, as chances de um projeto de iniciativa de parlamentares virar lei é maior se o autor (ou um dos autores) pertencer a um partido do Centrão”, conclui o texto.

Já com o governo o resultado foi inverso. A taxa de sucesso do Planalto durante o primeiro ano de Bolsonaro foi de 27%. Em 2020, deu um salto para 47% e no ano passado voltou a cair para 28%. De 2019 a 2021, a taxa de aprovação de projetos ficou em 34%, diz o estudo.

São taxas semelhantes às do segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), interrompido pelo impeachment, e do “governo provisório” de Michel Temer (MDB). Mas fica abaixo das taxas dos dois mandatos de Lula (PT) e do primeiro mandato de Dilma.

“A conclusão a que esses dados nos permitem chegar é que, do ponto de vista Legislativo, o governo ganhou pouco ao se juntar com o Centrão. Mas não dá para dizer que não teve efeito nenhum. Foi a entrada desses partidos na base que permitiu ao governo se manter de pé e não sofrer um impeachment ou maiores desgastes - basta ver que a Câmara não conseguiu aprovar uma CPI da Pandemia e o Senado conseguiu”, afirma Débora Gershon.

Não houve ganho para o governo, houve ganho para o Centrão, tanto na aprovação de projetos quanto no controle do Orçamento”, diz ela, em referência aos cargos negociados pelo partido com o governo em troca de apoio aos projetos do Planalto.

Fator Lira

Os pesquisadores afirmam que a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara, em fevereiro de 2021, foi outro fator de mudança nas relações entre a Casa e o governo e entre os deputados.

O artigo atribuiu notas ao comportamento dos deputados conforme o apoio ao governo - uma espécie de índice de governismo. Quanto mais alta a nota, maior o governismo.

A pesquisa Débora Gershon explica que, antes da eleição de Lira, o Centrão tinha nota 7,83 contra a nota 5,88 dos outros partidos. Depois da eleição de Lira, a nota do Centrão foi para 8,21 e a dos outros partidos, 5,79.

Em relação aos deputados, o movimento foi de polarização, diz a cientista política.

Segundo ela, a eleição de Lira diminuiu o número de deputados “moderadamente governistas”, que tinham nota 8, e “de centro”, os que tinham nota 5. Mas o número de deputados com notas 9 e 10 (“governistas”) e o número de deputados com nota 2 (“oposição”) aumentou.

Governismo dos deputados antes e depois de Arthur Lira assumir Presidência da Câmara

“Isso não significa que a Câmara, em geral, atuou mais fortemente em favor do governo, mas é um indicador de que os parlamentares estão relativamente mais distantes entre si, mais polarizados”, resume o artigo.

Centrão bolsonarista

A cientista política Débora Gershon afirma que o baixo sucesso do governo e o alto sucesso do Centrão estão relacionados: “O Centrão não tem uma agenda temática diferente do governo. Os projetos apresentados por eles e pelo governo são muito semelhantes”, diz ela.

O artigo explica que o grupo de partidos e o Planalto priorizaram os mesmos assuntos em suas agendas legislativas. São temas como Orçamento e finanças públicas, economia e estrutura da administração.

A única diferença apontada pela análise é que, dos temas aprovados, o governo teve maior sucesso em projetos ligados à economia. Já o Centrão foi mais bem sucedido em projetos ligados a direitos humanos e educação.

O resultado disso foi que o governo passou a apresentar menos projetos depois que o Centrão entrou na base, segundo o artigo.

“Isso coloca a interrogação se o governo apresentou menos projetos porque se escorou no Centrão. Se for isso, ele sai beneficiado dessa relação indiretamente”, analisa Gershon.

A pesquisadora conta que ainda precisa se debruçar sobre os dados do comportamento dos deputados em relação ao governo para saber se foi o Centrão que se bolsonarizou ou se foi o governo que delegou sua agenda para os partidos do grupo.

Ela trabalha com duas hipóteses.

A primeira é que o Centrão reúne dez partidos e 209 cadeiras na Câmara. “Não é maioria, mas é um número alto que sempre vai influenciar na capacidade de qualquer governo aprovar projetos”, diz.

A segunda é que o Centrão sempre foi governista e, não por acaso, participou das bases de todos os governos desde 1988.

“Por ter consistência programática muito baixa, esse grupo de partidos adere a governos com muita facilidade, sempre na base do clientelismo e da patronagem. E isso também interfere na capacidade de aprovar projetos”, afirma.

“Entendo que as duas hipóteses são verdadeiras, mas ainda não estudamos uma relação de causalidade das relações entre o governo e o Centrão”, conclui a professora.

Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.