Bloomberg — O McDonald’s (MCD) tem relação com o desmatamento e com abusos trabalhistas no Pantanal e na floresta amazônica – que desempenha um papel crucial na regulação do clima mundial –, de acordo com relatório publicado nesta quarta-feira (30) pelo Repórter Brasil, grupo de pesquisa independente focado em questões ambientais e trabalhistas.
No relatório, o Repórter Brasil analisou diversos casos em que a carne bovina proveniente de fazendas desmatadas ilegalmente foi distribuída entre fazendas legais para esconder a verdadeira origem e depois enviada para frigoríficos de empresas fornecedoras do McDonald’s. Sindicatos na Europa estão aproveitando o relatório para exigir que o McDonald’s comece a divulgar todos os anos os riscos detalhados de direitos humanos e abusos ambientais em sua cadeia de suprimentos, citando uma lei francesa de vigilância que grupos ambientalistas esperam que seja um modelo para outros países.
O McDonald’s não quis comentar. O site da empresa diz que mais de 99% da carne bovina obtida até o final de 2020 “apoiava cadeias de suprimentos livres de desmatamento”. A gigante de fast food vem se esforçando para reduzir sua enorme pegada de carbono.
Carne e o desmatamento da Amazônia
A cadeia produtiva de carne bovina do Brasil, uma das mais complexas do mundo, é a principal responsável pelo desmatamento da Amazônia, que atingiu o maior pico em 15 anos em 2021. Em uma ponta da cadeia estão 2,5 milhões de pecuaristas, muitos em regiões distantes do Brasil e sem proteção, monitoramento ou fiscalização do governo. Na outra ponta, estão os clientes corporativos de 80 países. A JBS (JBSS3), a Marfrig (MRFG3) e a Minerva (BEEF3) – as maiores exportadores de carne bovina do país – afirmam estabelecer os mais altos padrões para eliminar problemas de sua cadeia de suprimentos, mas uma investigação da Bloomberg Green em janeiro mostrou como a jornada de uma vaca desde o nascimento até a engorda ocorre praticamente sem monitoramento.
No relatório desta quarta-feira, o Repórter Brasil alega que, em 2018 e 2019, frigoríficos da JBS nas cidades de Juína e Juara, no Mato Grosso, compraram gado de um pecuarista que transferiu animais de uma propriedade embargada para outra com titularidade legalizada antes da venda.
A JBS forneceu carne de hambúrguer ao McDonald’s, mas nunca dessas unidades específicas. Pelo menos cinco outros pecuaristas que forneceram carne para a unidade Confresa da JBS, as unidades de Várzea Grande e Tucumã da Marfrig e a unidade de Mirassol D’Oeste da Minerva usaram “estratégias semelhantes de transferência de animais” entre 2017 e 2020, segundo o Repórter Brasil.
O grupo, que investiga registros públicos para montar cadeias de suprimentos, também disse que em 2019 rastreou remessas enviadas para a unidade de Campo Grande da JBS vindas de uma fazenda na qual os trabalhadores foram supostamente maltratados e ficaram sem acesso a água potável.
A JBS disse que as fazendas mencionadas no relatório nunca foram registradas como fornecedoras diretas ou estavam em conformidade com as leis trabalhistas e ambientais no momento da compra.
A Minerva disse que a suposta fazenda ilegal mencionada no relatório foi retirada de sua lista de fornecedores diretos em 2015. A Marfrig não disse nada sobre as fazendas terem acionado qualquer alerta e reconheceu que obter informações sobre fornecedores indiretos – ou fornecedores de seus fornecedores – ainda é um grande desafio.
Em todos os casos, é impossível saber se a carne de algum dos animais de fornecedores problemáticos realmente chegou aos restaurantes do McDonald’s. Isso ocorre porque os animais não são monitorados individualmente no Brasil da origem até o abate, e os documentos de transporte que podem esclarecer a movimentação do rebanho estão sujeitos a restrições pelo governo.
Os sindicatos franceses liderados pela Confederação Geral dos Trabalhadores, conhecida como CGT, planejavam enviar uma advertência oficial contra o McDonald’s sob a chamada lei do Dever de Vigilância, segundo carta enviada à empresa na quarta-feira. A carta foca nas violações trabalhistas mencionadas no relatório do Repórter Brasil, inclusive por parte de produtores de laranja e soja no Brasil que supostamente fazem parte da cadeia de suprimentos do McDonald’s, além de mencionar preocupações ambientais.
A lei francesa de vigilância de 2017 exige que empresas com mais de 10 mil funcionários em todo o mundo monitorem completamente suas cadeias de suprimentos e criem planos para evitar riscos ambientais, de direitos humanos e corrupção. Embora não haja penalidades severas e rápidas para a violação da lei, esta divulga más práticas corporativas em um momento em que os investidores estão descontando cada vez mais ações e títulos de modelos de negócios insustentáveis. Grupos ambientalistas estão pressionando para expandir a lei, tanto em escopo quanto para outros países, e também visam a rede de supermercados Casino Guichard-Perrachon e a produtora de petróleo TotalEnergies com a lei.
--Com a colaboração de Tatiana Freitas.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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