Em entrevista à Bloomberg Línea, Fernando Yunes, vice-presidente sênior do Mercado Livre, disse que a plataforma retirou entre 80 a 90 mil vendedores pessoas físicas que vendiam pelo marketplace. Segundo ele, trata-se de um contingente de pessoas físicas que faziam vendas como se fossem empresas. Quem se recusou a abrir um CNPJ, para emitir nota fiscal e pagar impostos, foi expulso da plataforma.
A empresa, que nasceu na Argentina, disse que acompanha a discussão em torno de uma eventual medida provisória (MP) para contribuir com a legalidade da atividade. A declaração vem depois que na sexta-feira (25), O Globo publicou uma matéria revelando que o Ministério da Economia prepara uma MP para tributar importações de baixo valor entre pessoas físicas. Até hoje, transações de produtos com valor até US$ 50 feitas entre pessoas físicas eram isentas de taxas.
Segundo O Globo, auditores da Receita Federal suspeitam que exista sonegação fiscal de produtos importados por meio de plataformas de e-commerce, ou que fraudadores declarem o produto com valor abaixo de US$ 50 para não serem taxados.
“A partir do entendimento de que existem outras plataformas digitais que não adotam as mesmas condutas e boas práticas, o Mercado Livre espera contribuir com todo o ecossistema ao liderar o trabalho conjunto e integrado com as iniciativas pública e privada e por meio de compromissos, parcerias e alianças formais, que propiciam a discussão e a transformação das relações entre os atores desta cadeia”, disse o Mercado Livre, em comunicado à imprensa.
O gigante do e-commerce afirmar compartilhar da mesma preocupação dos varejistas brasileiros e que não se enquadra no questionamento levantado por parte do setor do varejo de que se beneficiaria em relação às tributações. Por meio de nota, o Mercado Livre disse que “acredita que a adoção de boas práticas, qualidade da oferta e experiência do usuário não dependem da nacionalidade de pessoas ou empresas”.
No ano passado, a plataforma disse que pagou diretamente mais de R$ 2,5 bilhões em tributos municipais, estaduais e federais. Em 2020, foram R$ 1,2 bilhão de impostos no Brasil, já que 95% da venda pela plataforma passa pela logística da plataforma, quando a empresa é obrigada a imprimir uma nota fiscal, segundo Yunes. Apenas 5% das vendas são de pessoas físicas que estão começando suas vendas, ou que transacionam baixos volumes ou vendem itens usados.
Até 2017, o Mercado Livre não tinha logística própria, e 95% das vendas do Brasil eram entregues pelos Correios. Assim, o Mercado Livre apenas ligava um comprador a um vendedor, que fazia a entrega. “Existia um risco do vendedor não colocar uma nota fiscal, não ser um produto correto. Agora 95% das vendas acontecem e passam pela logística do Mercado Livre, e apenas 5% não passa pela nossa logística”.
Quando a venda passa pela logística do Mercado Livre, o vendedor precisa imprimir a nota fiscal. “Uma empresa precisa recolher impostos, não pode atuar como uma pessoa física”, disse Yunes.
A Receita Federal afirmou que não se manifestou sobre o assunto porque ainda não há decisão publicada no Diário Oficial da União. Segundo o Mercado Livre disse que a empresa não será afetada se houver mudanças na regulação.
Mais de 50% da operação do Mercado Livre está no Brasil. É onde a empresa argentina atua há mais de 22 anos e planeja investir US$ 3,4 bilhões este ano. Segundo Yunes, esse dinheiro será aplicado em logística, tecnologia e no braço fintech da empresa, o Mercado Pago. Hoje, 1,5 milhão de encomendas são entregues por dia. A meta é elevar este volume para 2,5 milhões.
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A aposta no mercado de crédito
Esse vendedor pode comprar publicidade com o Mercado Ads para trazer fluxo para a loja dele. E com o Mercado Pago, ele pode tomar crédito para investir em fluxo de caixa.
“Tem muitos vendedores pequenos que não tem acesso a crédito ou tem acesso a taxas altíssimas. Dentro do Mercado Livre a gente conhece o vendedor, o histórico dele e utiliza isso nos algoritmos para entender o risco daquele vendedor e conseguir taxas mais acessíveis”.
O Mercado Livre oferece uma garantia para que o cliente possa devolver o produto se não gostar. E recebe o estorno pelo Mercado Pago, obrigando a retenção do cliente no ecossistema para receber o valor. A empresa também promete novidades com produtos de seguro.
Tulio Oliveira é vice-presidente do Mercado Pago no Brasil. O braço fintech oferece pagamentos por Pix, crédito online, pagamentos por QR Code, cartão de crédito, investimentos em criptomoedas e agora, em abril, o Mercado Pago vai permitir investimentos em CDB (Certificado de Depósito Bancário), um investimento em renda fixa.
Segundo Oliveira, a maior demanda dos clientes é o cartão de crédito. Mais de um milhão de usuários já transacionaram com criptomoedas com apenas três meses desde o lançamento do produto.
Com a Kangu, empresa de logística que o Meli comprou, a plataforma criou agências físicas, pontos que os clientes podem receber e postar os produtos. O Mercado Livre diz ter 2,8 mil lojas espalhadas pelo país. Nessas lojas, o cliente poderá sacar com o Pix nas próximas semanas.
Em um segundo momento, poderá depositar dinheiro na conta do Mercado Pago, o que faz parte de uma nova solução do Banco Central para depositar Pix no varejo. O novo serviço do Mercado Pago com Pix começará em São Paulo e depois escalará para toda a rede.
A ideia é que 14,5 mil estabelecimentos que operem com o Mercado Pago possam promover o Pix Saque do Banco Central.
Segundo o Mercado Pago, a empresa trabalha em uma solução para monitorar o quanto o estabelecimento tem de dinheiro para mostrar no aplicativo os locais onde o usuário consegue sacar pelo Pix. O estabelecimento cobra uma taxa para o usuário que sacar seu saldo da conta Mercado Pago no Pix, mas, segundo Oliveira, será um percentual menor do que um saque em um caixa eletrônico convencional.
Não são todos lojistas que conseguirão oferecer saque. Será necessário ter uma estrutura mínima, com loja física e CNPJ.
O braço fintech do Mercado Livre lançou seu cartão de crédito no Brasil no ano passado. Desde então, a maior demanda dos clientes brasileiros tem sido o cartão de crédito, segundo Tulio Oliveira. O negócio financeiro do Mercado Livre não divulga quantos usuários já possuem o cartão de crédito.
Reportando resultados do último trimestre de 2021, os investidores do Mercado Livre manifestaram preocupação com a inadimplência da carteira de crédito. Não é à toa. A Stone apostou na originação de crédito, mas com a inadimplência de pequenos e médios negócios no Brasil a empresa teve que interromper a operação em 2021. E desde então, viu seu valor de mercado cair.
“Com o cenário de inflação desafiador que tira renda familiar e aumenta a inadimplência, naturalmente na nossa carteira de crédito tivemos indicadores de perda, mas bastante dentro da nossa expectativa, nenhum grande desvio”, disse Oliveira.
Para Pablo Albina, diretor de investimentos na América Latina da Schroders, os bancos têm no Brasil uma melhora em termos de juros mais altos e com o mercado de capitais mais fechado. “Se você é uma empresa que precisa de financiamento, em 2019, 2020, você poderia ir para o mercado, conseguir um financiamento muito barato. Hoje, essas empresas, muitas de boa qualidade, estão voltando para os bancos. Porque o mercado ficou mais fechado”.
Ele explica que nos últimos anos muitas fintechs fizeram uma disrupção para os bancos tradicionais, mas 2021 mostrou que essas fintechs estão com muitas dificuldades de emprestar dinheiro. “Você pode dar cartões de débito para todo mundo, pode não cobrar taxas, meio de pagamento, essa parte já foi impactada. Mas quando você precisa emprestar, que é o mercado principal dos bancos, essas fintechs estão com problemas. Ninguém teve verdadeiro sucesso emprestando de maneira importante. A Stone emprestou e teve um problema de dívida significativa, a PagSeguro Pagbank decidiu não emprestar porque não estavam confortáveis”, disse.
Mas, segundo Oliveira, o Mercado Pago não viu nenhum indicador de piora na carteira de crédito. “Inclusive vimos certa melhora na performance de crédito”.
Com a nova regra do Banco Central que equiparou o requisito de capital de fintechs que operam com crédito, o Mercado Pago disse ainda que não haverá impacto significativo no negócio a curto prazo, mas que demandará mais capital à medida que escala o negócio de crédito.