Moradia flexível atrai ‘descasados’ e solteiros apesar de contratempos

Plataformas digitais miram o potencial de divorciados em busca de um teto temporário; antes da reserva, confira os potenciais problemas

A experiência de viver em uma moradia flexível exige do usuário a adaptação a novas rotinas de convivência em um prédio, como o maior controle da entrada de moradores e visitantes, custos extras com lavanderia e estacionamento
22 de Março, 2022 | 08:14 PM

Alugar um studio, um flat ou um apartamento em uma metrópole brasileira como São Paulo nunca esteve tão fácil, embora os preços dispararam, com mensalidade que supera R$ 10 mil para um studio na região central da capital paulista. Plataformas digitais de moradia flexível, oferecidas por startups, se multiplicam no mercado imobiliário brasileiro. O usuário escolhe virtualmente o imóvel onde quer morar, pelo tempo que quiser, e faz o aluguel, de forma instantânea. A principal vantagem é economizar tempo. Não precisa visitar o imóvel nem se deslocar até a imobiliária com papelada. Quem busca garantir um canto para uma temporada tem de ficar atento a alguns detalhes desse modelo de negócio.

“Está se separando?” era o assunto de um e-mail disparado no último dia 3 de dezembro por uma das plataformas digitais de moradia flexível para sua base de assinantes. Divorciados compõem um dos públicos-alvos dessas startups. “Para viver essa nova fase e começar a reescrever a sua história, nada melhor do que morar em um lugar onde você pode ficar o tempo quiser sem se preocupar com nada” era a mensagem do e-mail para convencer o internauta a acessar seu site para alugar um studio ou um apê por “alguns dias, 1 semana, 1 mês ou 1 ano”.

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Esse foco na demanda das pessoas separadas tem uma razão: o número de casais que registraram divórcio no Brasil atingiu o número recorde de 77.112 separações oficializadas em cartórios em 2021, segundo dados do CNB (Colégio Notarial do Brasil). Desavenças na convivência a dois durante o período de isolamento social por causa da pandemia da covid são citadas por especialistas como gota d’água para o fim de muitos relacionamentos.

Se quem casa quer casa, quem se separa tem de correr para garantir um teto e uma cama e se adaptar às novas rotinas. A moradia flexível pode surgir como uma opção para resolver um problema emergencial, de forma rápida, em poucos minutos diante de um site ou aplicativo. As plataformas digitais desse nicho do mercado já concluem a reserva após verificar o primeiro pagamento, seja pelo cartão de crédito, boleto bancário ou pix. Parece hotel, e cada vez mais essas startups buscam parcerias com grupos hoteleiros para incluir esses leitos em seus marketplaces.

Há, no entanto, desvantagens, como preços mais salgados em relação a um aluguel de uma kitinete tradicional, falta de personalização dos espaços e outros gastos que nem sempre estão inclusos no pacote de serviços assinado com a plataforma. A seguir, confira alguns perrengues comuns na experiência de viver em um prédio de moradia flexível.

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Portaria virtual

Para reduzir custos, recorre-se cada vez mais à terceirização de portaria. Em prédios de moradia flexível, é comum ver a portaria virtual controlando a entrada. Como não é um inquilino tradicional, o usuário da unidade por assinatura poderá enfrentar uma rotina burocrática para ingressar no seu prédio. Toda vez que quiser entrar terá de informar, por exemplo, o RG ou o CPF no sistema de portaria virtual, às vezes em meio a entregadores de aplicativos de comida esperando ao redor. Há relatos de queixas em dias chuvosos ou madrugadas, quando a portaria virtual sai do ar, e o usuário não consegue entrar no edifício. A entrega de tags (espécie de chip que destrava a porta) é uma forma encontrada pelas plataformas para minimizar esse problema, mas o usuário tem de solicitar e aguardar o recebimento. Nem todas unidades têm sistema de reconhecimento digital nas portas de entrada. Receber visitas de amigos ou familiares, mesmo com anuência do morador, costuma exigir até preenchimento de cadastro e verificação de documentos.

Fechadura eletrônica

Na moradia flexível, não há chaves físicas tradicionais para entrar no imóvel por assinatura. Adota-se a fechadura eletrônica. Há usuários que reclamam sobre os imprevistos, como o esquecimento da sequência de números para abrir a porta e a falta de uma forma ágil de recuperar a senha. Em geral, nem o gestor da unidade tem esses números. Se o esquecimento for à noite ou de madrugada, quando o gestor não está mais presente no edifícil, o usuário fica sem entrar na unidade, pois não lembra a sequência e não tem a quem recorrer para recuperar o código. As plataformas justificam esse sistema como uma medida de segurança para evitar que estranhos entrem nas unidades

Limpeza

As unidades não costumam oferecer serviços de limpeza (nem pagos) para os studios e apartamentos. Neste caso, o perrengue é a burocracia para a entrada de diaristas contratados por apps como Parafuzo e Getninjas para limpeza do espaço, o que acaba dificultando o agendamento do serviços e o tempo gasto pelo profissional para iniciar o serviço. Quem reserva uma unidade por até um ano, por exemplo, vai ter de providenciar a limpeza por conta própria. Mesmo em quartos de hotel parceiros das plataformas, o serviço de limpeza e arrumação não está incluído no pacote de serviços contratos. Esse detalhe tem de ser considerado na hora de comparar preços de diárias de hotel e de moradia por assinatura.

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Lavanderia

Em alguns prédios de moradia por assinatura, adota-se o sistema da OMO, ou seja, o usuário terá de baixar o aplicativo e gastar R$ 10 por uma hora de uso da lavadora e outro R$ 10 para a secadora, tarifas em locais da região central de São Paulo. As máquinas são coletivas, é preciso reservar os horários pelo app e ficar atento, pois o sistema nem sempre sincroniza o fim da lavagem com a hora da secagem, obrigando espera de uma tarefa para outra. No primeiro semestre do ano passado, havia prédios sem esse sistema, e não havia cobrança para uso da área da lavanderia, mas havia conflitos entre os moradores, pois nem todos respeitavam a ordem de chegada ou aproveitavam as madrugadas para lavar roupa, causando barulhos

Coworking

Em unidades que oferecem espaço de coworking no prédio, nem sempre há uma boa estrutura disponível. É possível encontrar salas com mesas, cadeiras, sofás e relógios de parede, mas não há ar-condicionado, por exemplo, o que torna o espaço sem conforto ambiental em dias quentes. Como atraem nômades digitais, esses lugares para trabalhar no prédio são atrativos na hora de se reservar uma moradia. Em algumas unidades, percebe-se ainda que o tamanho da área do coworking e de outras atividades, como academia e cozinha compartilhada, são desproporcionais para o número de moradores do prédio, dando margem a críticas de que são apenas espaços para constar no pacote de serviços, mas na prática não proporcionam uma experiência plena

Impessoalidade

Em geral, o usuário encontra em um studio de moradia por assinatura uma cama (casal ou solteiro) com enxoval, um guarda-roupa com cabides, uma geladeira ou frigobar, um cooktop elétrico, microondas, além de uma TV smart de parede com conexão à internet e canais pagos, além de utensílios domésticos básicos (copos, pratos, talheres) e lixeiras. Os poucos móveis planejados no espaço otimizam bem o espaço, mas trazem um clima de impessoalidade, já que outras unidades do prédio costumam seguir o mesmo padrão de cores (em geral, cinza e preto) e layout. Se o morador ficar hospedado por muito tempo, a ponto de conhecer outros espaços do prédio, vai perceber que todos os studios são praticamente iguais.

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Estacionamento

Para maximizar a rentabilidade de seus prédios, as plataformas transformam os prédios em fontes de receitas com outras atividades, como a instalação de vending machines em seus salões de entrada, oferecendo desde bebidas a snacks. Há ainda aluguel de bikes e patinetes eletrônicos por aplicativo. Os subsolos podem ser explorados por empresas de estacionamento. Antes de decidir reservar um apê temporário, é recomendável checar os serviços oferecidos no pacote e comparar os preços para ver a relação entre custo e benefício. Vaga de estacionamento não costuma estar incluída.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.