Bloomberg Opinion — Joseph Stalin ordenou a construção da Iron & Steel Works em Mariupol em 1930 — um de seus megaprojetos para industrializar a União Soviética. Por um tempo, o complexo foi uma das maiores siderúrgicas do mundo. Quase um século depois, outro líder russo com inclinação stalinista, Vladimir Putin, ordenou sua destruição.
As bombas caindo sobre os altos-fornos de Mariupol, cidade ucraniana sitiada pela Rússia, são um símbolo de como a guerra virou o mercado siderúrgico de cabeça para baixo.
O mundo está fixado no impacto da guerra sobre os mercados globais de energia. O aumento dos preços do petróleo dominou as manchetes. Mas ao lado do petróleo, o aço é a base da economia moderna. A matéria prima onipresente sustenta o mundo como o conhecemos, um material essencial em tudo, desde arranha-céus e carros a máquinas de lavar e ferrovias.
Agora, a invasão da Rússia ameaça transformar o aço em uma mercadoria de luxo. Os preços subiram e a alta será sentida em todos os lugares, aumentando as pressões inflacionárias globais.
Considere o carro médio: cerca de 60% de seu peso vem do aço, de acordo com a World Steel Association. Em termos de caixa, o custo desse aço subiu para mais de 1.250 euros (US$ 1.379) de cerca de 400 euros no início de 2019.
Para os bancos centrais, o boom dos preços do aço é outra dor de cabeça ligada à inflação. Enquanto isso, os governos europeus podem ter que lidar com os aumentos de preços e a ameaça de uma possível escassez neste verão. Vergalhões de aço, as hastes longas e corrugadas usadas para reforçar o concreto em todos os projetos de construção, podem estar em oferta limitada em breve.
A União Européia já impôs sanções a algumas vendas de aço russas e tem como alvo a maioria dos oligarcas do país que possuem grandes fatias da indústria siderúrgica russa. E a guerra praticamente parou a produção de aço ucraniana.
O custo do vergalhão de aço na Europa na semana passada subiu para um recorde de 1.140 euros por tonelada, um aumento de 150% em relação ao final de 2019. E o preço da bobina laminada a quente, uma forma popular de aço, atingiu um recorde de cerca de 1.400 euros por tonelada, um aumento de quase 250% em relação a pouco antes do início da pandemia de covid-19.
Uma razão para o aumento de preços é o tamanho das indústrias siderúrgicas russas e ucranianas. A Rússia é o terceiro maior exportador de aço do mundo, atrás apenas da China e do Japão, enquanto a Ucrânia é o oitavo maior.
Colin Richardson, chefe de aço da Argus, uma agência de relatórios de preços, reconhece que a Rússia e a Ucrânia juntas respondem por cerca de um terço das importações de aço da União Europeia, ou quase 10% da demanda doméstica da região. E Rússia, Bielorrússia e Ucrânia juntas respondem por cerca de 60% do total de importações de vergalhão da UE. Eles também têm uma grande fatia do mercado de placas – as peças grossas de aço semi-acabado.
O aumento dos preços também está sendo impulsionado pelo impacto da guerra nos preços da energia e na indústria siderúrgica fora da Rússia.
Embora o aço esteja associado a altos-fornos enormes como os destruídos em Mariupol, na Europa cerca de 40% do metal vem dos chamados fornos elétricos a arco ou mini-mills. Em vez de ferro e carvão, as mini-mills usam grandes quantidades de eletricidade para derreter sucata de ferro e transformá-lo em aço fresco. As mini-mills são mais ecológicas, mas seu calcanhar de Aquiles é o consumo de energia. E agora, a Europa está com falta de energia.
Com a guerra elevando os preços do gás, os preços da energia de curto prazo na Europa também subiram, atingindo um pico no início deste mês acima de 500 euros por megawatt-hora, ou cerca de dez vezes mais do que antes da crise. O salto de preço forçou muitas mini-mills da Espanha à Alemanha a fechar ou reduzir a produção, operando em plena capacidade apenas à noite, quando a eletricidade é mais barata.
Os fechamentos estão apertando ainda mais o mercado europeu, levando alguns usuários a temer não apenas os preços altos, mas talvez até a escassez. Os executivos da siderurgia estão preocupados que os preços possam subir acentuadamente, talvez mais 40%, para cerca de 2.000 euros por tonelada, antes que a demanda desacelere. Falando em particular, executivos do setor dizem que se os preços da eletricidade subirem novamente e mais mini-mills europeias fecharem, a perspectiva de escassez de vergalhões de aço é real. As compras movidas pelo pânico também podem inflar os preços.
Bruxelas e Londres precisam acordar para a crise. Se a economia global aprendeu alguma coisa durante a pandemia de covid, é que os problemas da cadeia de suprimentos se espalham mais rápido do que o esperado e também têm um impacto mais profundo do que o previsto. E há poucas commodities tão cruciais para tantas indústrias quanto o aço.
Javier Blas é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre energia e commodities. Anteriormente, ele foi editor de commodities do Financial Times e é coautor de “The World for Sale: Money, Power, and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, localization specialist da Bloomberg Línea.
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