Bloomberg — Xi Jinping apostou que estabelecer uma amizade “sem limites” com Vladimir Putin poderia impedir que os Estados Unidos impusessem contenções à China. Agora, esse acordo ameaça deixar Pequim mais isolada e sozinha.
Um telefonema entre Xi e o presidente dos EUA, Joe Biden, na sexta-feira (18), parece não ter alcançado grandes avanços. Os EUA continuaram a ameaçar consequências não especificadas se a China apoiar a Rússia, e Pequim insistiu que estava apoiando as negociações de paz enquanto culpava os EUA por desencadear o conflito.
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Essa dinâmica até agora parece estar empurrando mais países para o campo dos EUA, com a União Europeia pronta para reforçar o alerta americano a Pequim em uma cúpula virtual planejada para 1º de abril. Enquanto isso, a China tem encontrado dificuldade em convencer o mundo de seu lugar de neutralidade, pois as garantias para o público internacional são prejudicadas por mensagens internas que afirmam a parceria China-Rússia.
A relutância do Partido Comunista em abandonar a Rússia contém vários riscos importantes tanto para a China quanto para Xi pessoalmente. No curto prazo, isso pode prejudicar as relações de Pequim com os principais parceiros comerciais quando ainda precisa de investimentos e tecnologias-chave para atingir suas metas de desenvolvimento. Talvez mais significativamente, isso possa aumentar a pressão sobre Xi e o Partido Comunista se a guerra acabar saindo pela culatra para Putin.
“Xi parece sentir que é muito importante ter a Rússia como um contrapeso estratégico para os EUA, tanto em termos diplomáticos quanto militares”, disse Julian G. Ku, professor de direito constitucional da Universidade Hofstra, que estuda a China e o direito internacional. “Mas se Putin for destituído, ou se a Rússia for dramaticamente enfraquecida, isso prejudica a estratégia básica de política externa de Xi de afirmar agressivamente os interesses da China contra os EUA e outros países”.
Por enquanto, Pequim está efetivamente defendendo a justificativa russa para a guerra, mas ao mesmo tempo se distancia do combate em si, uma posição que se propõe a apoiar a Rússia, evitando quaisquer sanções dos EUA que possam prejudicar a economia chinesa. O enviado da China aos EUA, Qin Gang, disse no domingo que a China “fará de tudo” para diminuir a escalada da guerra e disse que Pequim não enviou “armas e munições” para nenhum lado.
Mas apenas um dia antes, o vice-ministro das Relações Exteriores, Le Yucheng, reiterou a posição da China de que a expansão da OTAN para o leste serviu como catalisador para a guerra da Rússia, uma visão articulada durante a cúpula Xi-Putin, em Pequim, no mês passado, antes das Olimpíadas. Além disso, Le equiparou essa política com a estratégia Indo-Pacífico dos EUA.
“A Estratégia Indo-Pacífico é tão perigosa quanto a estratégia da OTAN de expansão para o leste da Europa”, disse Le ao IV Fórum Internacional sobre Segurança e Estratégia, por meio de um link de vídeo. “Se continuar sem controle, pode trazer consequências inimagináveis e, em última análise, empurraria a Ásia-Pacífico para um inferno.”
‘Xeque-mate Estratégico’
Hu Xijin, ex-editor-chefe do jornal Global Times, apoiado pelo Partido Comunista, defendeu o motivo da China ficar ao lado da Rússia em um post no Weibo, rede semelhante ao Twitter da China, onde ele tem cerca de 24 milhões de seguidores. Hu não postou os comentários em sua conta no Twitter, onde muitas vezes defende as políticas da China para um público internacional, sugerindo que elas são destinadas ao consumo doméstico.
Hu Xijin chamou a Rússia de “parceiro mais importante” para a China, no sentido de usar sua força para obrigar os EUA a aceitar a “coexistência pacífica” com a segunda maior economia do mundo. Ele chamou aqueles que buscam a reconciliação com os EUA de “ingênuos”, argumentando que o objetivo final de Washington é que a China fique dividida e seja “controlada pelos EUA”, semelhante ao Japão, Coreia do Sul e nações do Sudeste Asiático.
“Se os EUA conseguirem criar uma barreira entre a China e a Rússia, a Rússia enfrentará imediatamente um xeque-mate estratégico”, escreveu Hu Xijin. “Em um futuro conflito entre a China e os EUA, a China também estaria diante um jogo perdido.”
Pontos de vista censurados
A China censurou visões opostas do proeminente pesquisador apoiado pelo Estado, Hu Wei, vice-presidente do Centro de Pesquisa de Políticas Públicas, afiliado ao Conselho de Estado, mostrando o consenso formado em torno da noção de que a Rússia continua sendo um parceiro indispensável. Hu Wei havia defendido uma clara ruptura com a Rússia “o mais rápido possível”.
“A principal prioridade da China é fazer ajustes estratégicos apropriados, mudar as atitudes hostis dos americanos em relação à China e se salvar do isolamento”, escreveu ele no artigo, que não está mais acessível na China.
O raro debate sobre como a China deveria interagir com a Rússia somou-se aos sinais de que Pequim foi pega de surpresa pela invasão de Putin. Isso ocorreu logo após sua 38ª interação oficial com Xi, durante uma cúpula presencial antes dos Jogos Olímpicos de inverno. Embora haja “uma narrativa de que Xi tenha sido ludibriado por Putin”, é provável que os líderes do Partido Comunista tenham “forte simpatia” pelas ações da Rússia, disse Joseph Torigian, professor assistente da Universidade Americana.
Risco para Xi
“Pequim é muito cética em relação às intenções americanas, e Moscou e Pequim compartilham muitos interesses comuns”, disse Torigian, que tem um livro a ser publicado sobre as lutas pelo poder na União Soviética e na China depois de Josef Stalin e Mao Zedong. “No entanto, Washington provavelmente tentará tornar essa parceria o mais cara possível para Pequim e convencer a China a oferecer o mínimo de apoio possível à Rússia.”
Xi pessoalmente tem muito em jogo no desfecho desse conflito. Ele espera prolongar seu mandato em um congresso do partido, que ocorre de cinco em cinco anos, no final deste ano, e traçou planos para transformar a China em uma potência mundial líder em meados do século.
É improvável que seu apoio a Putin inviabilize a candidatura de Xi a um terceiro mandato, sem precedentes, principalmente porque ele consolidou o controle do partido e isso só levantaria questões sobre a própria estabilidade política da China. Mas pode prejudicar a capacidade da China de remodelar as instituições globais e levar mais países a desafiar a própria assertividade militar de Pequim.
“Estar associado à invasão fracassada de Putin prejudicará a reputação da China no exterior, especialmente na Europa, mas também com seus vizinhos imediatos na Ásia”, disse Ku, da Universidade Hofstra. “Será mais difícil para os chineses construir confiança e boa vontade, coisas que, de certa forma, já vem perdendo.”
– Com a colaboração de Colum Murphy.
– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.
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