Kamino capta US$ 6,1 milhões para explorar infraestrutura para startups

A fintech fundada pelo executivo do Guiabolso quer ser o hub financeiro e corporativo para startups early-stage

Os fundadores da Kamino, Guto Fragoso, Rodrigo Perenha, Benjamin Gleason e Gonzalo Parejo.
15 de Março, 2022 | 11:00 AM

Nem B2C, nem B2B. O que as fintechs querem é infraestrutura. Essa é a aposta da Kamino, que está lançando um produto para ajudar startups a captarem de fundos globais. A tese da empresa recebeu o endosso dos investidores, com um pré-Seed com cara de Série A: US$ 6,1 milhões da Inspired Capital. Os fundos Global Founders Capital, Fontes (fundo early stage da QED Investors), Picus Capital, Flourish Ventures, Propel VC, Clocktower Technology Ventures, Norte Ventures e Gilgamesh Ventures também participaram do aporte.

A ideia da Kamino é fornecer uma plataforma que ajude fundadores a montarem a estrutura internacional da startup - com sede no Brasil, nas Ilhas Cayman e em Delaware, nos Estados Unidos - o que tradicionalmente é pré-requisito para que fundos estrangeiros façam aportes nas empresas do país.

Soma-se à parte de estrutura legal, um hub de serviços financeiros como conta digital e cartão de crédito para a startup. A empresa não cria um novo “caminho” para isso, ela apenas agrega esses fornecedores e serviços, de forma que o fundador não precise ir atrás de cada passo sozinho. Isso é feito com parcerias de escritórios de advocacia e contabilidade e com instituições financeiras como o Silicon Valley Bank.

É a mesma ideia do Latitud Go, produto da rede de empreendedores Latitud, com um quê de Trace Finance, que opera o câmbio dos investimentos para essas startups da região (e que também recebeu um Seed “parrudo”).

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“Show me the money”

Não à toa, os investidores estão atentos a esse novo modelo de negócio para infraestrutura. Julien Roeoes é sócio e Head das Américas para a Picus Capital.

Ele diz que investiu na Kamino por conta da visão de longo prazo para construir diferentes serviços financeiros de ponta a ponta para empresas de alto crescimento.

“Se você pensar em plataformas de serviços financeiros para empresas de alto crescimento, conta bancária, empréstimos, conciliação. São grandes players diferentes, [que vão desde] gerenciamento de despesas, alguns mais como software, mas todos querem construir uma plataforma de serviços financeiros para empresas de alto crescimento.”

Enquanto as startups brasileiras podem levar até três meses para conseguir abrir uma estrutura e conta bancária em Cayman-Delaware, o investidor diz que a Kamino agrega um valor significativo para empresas em estágio inicial, pois as ajuda desde o primeiro dia e se posiciona para oferecer serviços financeiros. De acordo com Roeoes, isso abre portas para a novata oferecer empréstimos, planejamento financeiro e serviços financeiros de ponta a ponta. “A Kamino aposta desde o primeiro dia de formação da empresa e usa esse ponto de partida para construir relacionamentos”.

Fundadores e operadores de fintechs bem-sucedidas também colocaram dinheiro na Kamino, como Sergio Furio, da Creditas, Sergio Fogel, da dLocal, David Arana, da Konfio, Suzy Ferreira, da Dinie, e Ariel Patschiki, do Ebanx.

Não é só o modelo de negócio que atraiu o investimento. Os nomes por trás da startup também são de fundadores seriais, como o americano Benjamin Gleason.

Em 2007 ele se mudou para o Brasil, onde conheceu Guto Fragoso, na McKinsey. Fragoso também é hoje um dos sócios de Gleason. Ambos trabalharam no Groupon, junto com o terceiro sócio da Kamino, o espanhol Gonzalo Parejo. Depois do IPO, Gleason saiu para fundar a plataforma de finanças focada em Open Banking Guiabolso com seu colega da McKinsey, Thiago Alvarez. Em julho do ano passado, o PicPay comprou o Guiabolso, e Gleason resolveu deixar operação para se dedicar ao projeto da Kamino.

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Em outubro de 2021, os empreendedores chamaram Rodrigo Perenha, ex-CTO do Mercado Pago, para começar a operação.

“Quando decidimos começar, rapidamente captamos compromissos oversubscribed (com maior demanda do que o aporte comportava). Ficamos na mesma situação que nossos clientes. Tínhamos um term-sheet, investidores querendo dar dinheiro, mas não tínhamos a estrutura societária corporativa e financeira”.

Assim, a Kamino foi “cobaia” do próprio produto, testando a solução que criou para criar um único ponto de contato para fazer uma estrutura internacional, abrir uma conta bancária e receber investimento.

Financiando o financiamento

Até receber o dinheiro no Brasil, as startups ficam paradas. O diferencial da Kamino, segundo os fundadores, é que enquanto a fintech ajuda na parte societária, offshore e câmbio, a empresa concede uma linha de crédito para que os fundadores comecem a operar, contratando time, fornecedores e serviços de software como a AWS, antecipando a operação que só começaria quando o capital externo chegasse.

A Kamino fez isso com suas próprias operações, tomou crédito para iniciar os trabalhos antes mesmo do pré-Seed chegar. Com o dinheiro já em mãos, a novata quitou o empréstimo. Gleason diz que é um modelo inédito, e que a Kamino não vai se basear apenas no fluxo de quanto a startup tem de receita e de gasto para a concessão do crédito.

“O foco aqui é muito na experiência do fundador”, explica Gleason. “Tipicamente o fundador tem que descobrir quem são esses fornecedores, fechar contratos com todos e cada um trabalha muito por e-mail, o que é muito bagunçado, não há um roteiro claro. Nós juntamos os fornecedores plugados na plataforma”.

O processo de abrir uma conta também fica mais rápido, já que a Kamino já tem uma chancela e não precisa convencer o SVB para criar a conta para a startup.

“Startups nascidas nos Estados Unidos têm quase sete vezes mais oportunidades de chegarem à Série C. Não é que tenha melhor talento lá. Hoje a América Latina tem muito bons talentos, muito capital, mas não tem uma infraestrutura financeira, uma solução completa que junte essas ferramentas para suprir a parte operacional, de crescimento e escala”, disse Parejo.

Mesmo que a empresa tenha captado o equivalente a R$ 32 milhões com investidores estrangeiros, no Brasil, o banco deu um limite de crédito de R$ 1.000 para a Kamino.

“É um fator limitante para o crescimento. Dentro desse cartão negam pagamentos recorrentes SaaS que qualquer startup precisa contratar como AWS, Slack. Se os pagamentos no cartão são negados por bancos, os serviços da startup caem, e a empresa gasta muito tempo na operação tentando manter o serviço em pé”, disse Gleason, que lembra que mesmo em estágio avançado, sua antiga empresa Guiabolso também tinha problemas com crédito e pagamentos recorrentes.

De acordo com o executivo, a Kamino garante um cartão de crédito “com limite adequado para permitir o crescimento” dessas startups. A originação do crédito é feita via parcerias, mas a inteligência de como consumir crédito e para quem o crédito é direcionado é uma tecnologia proprietária da Kamino, segundo Parejo. “O fundamental não é como você origina o crédito, mas para que condições você dá o crédito, como você entende quem precisa do crédito. E isso não está sendo atendido para startups e empresas de alto crescimento”.

Infraestrutura para a terceira geração de empreendedores

Se a primeira geração de startups do Brasil foi dedicada aos serviços para o consumidor, como o Nubank e a Creditas, a segunda geração nasceu focada em B2B, como a Contabilizei. Agora, o espaço no mercado é para players de infraestrutura, segundo Gleason. O mercado da Kamino só existe porque há muito mais investimento externo chegando para as startups da América Latina.

Segundo o Sling Hub, 64 startups da região captaram mais de US$ 1,1 bilhão só no mês passado. É o dobro do que foi registrado no mesmo mês em 2021.

“Agora tem muito mais funding no mercado, mais empreendedores qualificados, mais talento para escalar negócios, você tem os ingredientes para preencher o gargalo da infraestrutura”, disse o executivo.

Parejo complementa que a terceira geração de fundadores não quer perder a oportunidade de uma nova startup early-stage por não ter uma estrutura financeira. “Se uma startup da América Latina tem sete vezes menos oportunidade de gerar um Série C, seguramente ela perde muito tempo com recurso para chegar até a próxima rodada. A Kamino consegue diminuir essa diferença. Isso que queremos provar, para que o fundador foque no negócio e não perca tempo para começar a operar”.

Os primeiros 10 clientes da Kamino vêm de indicações de fundos de venture capital, segundo Gleason. “Eles sabem que a gente faz seguindo o compliance, para que não haja surpresas, para que a empresa nasça sob a base adequada ao invés de deixar na mão dos fornecedores”.

A Kamino ganha ao abrir a conta e monetiza seus produtos, como a conta digital (que é gratuita). A empresa é remunerada pela taxa de intercâmbio do cartão e cobra uma taxa em relação à remessa.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups