Como a invasão russa na Ucrânia ameaça o sistema global de alimentos?

A guerra entre os dois países está colocando em risco o maior polo de produção da Europa e uma das maiores regiões agrícolas do mundo

Por

Bloomberg — O sistema alimentar global está sob ameaça, pois a invasão da Ucrânia pela Rússia coloca em risco um dos maiores celeiros do mundo.

Inflação de Alimentos

A guerra na Ucrânia ameaça colheitas básicas das principais regiões produtoras de grãos da Europa, o que significa que a escalada dos preços dos alimentos que já atormentam os consumidores em todo o mundo pode piorar, aumentando a ameaça de uma crise de fome total. As Nações Unidas alertaram que os custos globais já recordes de alimentos podem aumentar mais 22%, à medida que a guerra sufoca o comércio e reduz as colheitas futuras.

Os grãos são os alimentos básicos que alimentam o mundo, com trigo, milho e arroz representando mais de 40% de todas as calorias consumidas. Custos de transporte mais altos, inflação de energia, condições climáticas extremas e escassez de mão de obra dificultaram a produção de alimentos. E a oferta está diminuindo: os estoques de grãos estão prestes a sofrer um quinto declínio anual consecutivo, de acordo com o Conselho Internacional de Grãos. A guerra na Ucrânia só vai aumentar ainda mais os preços, levando a fome a níveis sem precedentes.

Veja mais: Protecionismo alimentar cresce no mundo como consequência da guerra

Os preços globais dos alimentos estão em máximas históricas, com um índice de referência da ONU subindo mais de 40% nos últimos dois anos. A insegurança alimentar dobrou nesse período e estima-se que 45 milhões de pessoas estejam à beira da fome. Os mercados agrícolas também estão em alta. O trigo atingiu um recorde histórico em Chicago na terça-feira. Milho e soja estão sendo negociados perto de altas de vários anos.

Protecionismo Alimentar

Os governos estão tomando medidas para manter o abastecimento de alimentos mais perto de casa, uma medida que provavelmente prolongará a inflação de alimentos. Hungria, Indonésia e Argentina estão entre um grupo de países que impuseram barreiras comerciais às exportações agrícolas, de trigo a óleo de cozinha, na tentativa de suprimir os preços domésticos e salvaguardar o abastecimento local de alimentos depois que a invasão da Rússia levou a um pânico generalizado sobre a escassez.

A Rússia acrescentou a essa onda de protecionismo quando sinalizou planos para restringir o comércio de algumas matérias-primas. Um grande exportador de alimentos da Ucrânia, MHP SE, dedicou-se a fornecer ao exército ucraniano e civis em cidades bombardeadas.

As restrições comerciais podem fazer com que os preços internacionais subam ainda mais devido ao aperto da oferta global, de acordo com Steve Mathews, chefe de estratégia da Gro Intelligence. “Isso aumenta muito as preocupações inflacionárias”, disse ele.

Outros fornecedores globais podem dar passos largos para preencher os déficits de estoque. A Índia, por exemplo, aumentou os embarques de trigo nos últimos anos e pode aumentar as exportações para um recorde de 7 milhões de toneladas se o conflito se prolongar.

Mas muitas nações que normalmente poderiam compensar a escassez estão enfrentando problemas de produção. No Brasil, um grande fornecedor de milho e soja, a seca paralisante ressecou as lavouras. O clima seco também murchou campos no Canadá e partes dos EUA no ano passado. Os agricultores norte-americanos podem ver os preços atuais como uma razão para plantar mais nas próximas semanas, mas levará meses até que esses acres sejam colhidos.

Veja mais: Exportadoras ucranianas desmantelam negócios para alimentar a própria população

Insumos Agrícolas

Tudo o que vai para o cultivo de alimentos está ficando mais caro. A Rússia, grande fornecedora de todos os principais tipos de nutrientes agrícolas, pediu aos produtores domésticos de fertilizantes que reduzam as exportações no início deste mês, alimentando temores de escassez de insumos agrícolas que são vitais para os produtores. A ação da Rússia adiciona incerteza ao mercado global quando os agricultores do Brasil – o maior importador de fertilizantes do mundo – já estão tendo problemas para obter nutrientes para as plantações. O presidente russo, Vladimir Putin, disse que seu país fornecerá fertilizantes para nações que têm “relações amigáveis” com a Rússia, embora primeiro precise garantir o fornecimento de fertilizantes para o mercado interno.

Os preços dos fertilizantes dispararam em todo o mundo em meio a problemas de fornecimento e problemas de produção. Na Europa, o aumento dos preços do gás natural – um insumo fundamental para a produção de fertilizantes nitrogenados – já forçou algumas instalações a reduzir a produção. O preço do combustível, usado pelos agricultores para aquecer celeiros e operar equipamentos usados para produzir alimentos, também está subindo rapidamente. Somando-se ao estresse estão as sanções contra a Rússia, um importante fornecedor de energia para o mundo, com os EUA e o Reino Unido se movendo para proibir as importações de petróleo russo e outros produtos petrolíferos.

“No atual ambiente de preços elevados, os agricultores enfrentarão dificuldades para pagar e/ou adquirir o crédito necessário para comprar insumos”, disse Alexis Maxwell, analista da Green Markets da Bloomberg. “Qualquer escassez corre o risco de reduzir o rendimento e a qualidade dos grãos, aumentando a pressão sobre os preços das safras”.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

O que o Brasil vende para a Ucrânia?

Inflação no Brasil supera previsões com impacto da guerra na Ucrânia