Bloomberg — Quando Gabriel Boric assumir o cargo nesta sexta-feira (11), aos 36 anos, ele se tornará o presidente mais jovem do Chile e o mais esquerdista em meio século. Ele também aspira a ser um dos chefes de estado mais verdes do mundo.
Boric está na vanguarda de uma nova consciência em toda a América Latina sobre as mudanças climáticas e sua relação com a desigualdade, seja por meio do acesso à água potável, a destruição da floresta tropical, os direitos indígenas ou o compartilhamento dos benefícios da mineração.
Na Colômbia, Gustavo Petro é o favorito à presidência na chapa do ambientalismo. A presidente de Honduras, Xiomara Castro, está se movendo para conter a mineração seis semanas depois de assumir o cargo. E no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva parece sério sobre o combate à destruição da Amazônia enquanto tenta derrubar Jair Bolsonaro no final deste ano.
“A mudança climática, queridos compatriotas, não é uma invenção”, disse Boric em seu discurso de aceitação na noite da eleição em dezembro. “Não podemos olhar para o outro lado quando nossos agricultores e camponeses, quando localidades inteiras são privadas de água ou quando ecossistemas singulares são destruídos.”
Para Boric o objetivo é , entre outros, fazer a transição para um novo modelo de desenvolvimento menos dependente apenas da exportação de recursos naturais. Isso é potencialmente difícil de vender em um momento em que a invasão da Ucrânia pela Rússia está expondo o quanto a produção da América Latina é vital para o mundo – e enquanto os governos aproveitam a receita dos preços recordes das commodities. Independentemente disso, se ganhar força, o movimento promete implicações de longo alcance para uma região rica em recursos que produz grande parte dos alimentos do mundo, bem como os alicerces da economia global.
“É uma preocupação? Sim e não”, disse Nolan Peterson, CEO da World Coppe (WCU.V), empresa canadense que tem os projetos de exploração Escalones e Cristal no Chile. Mudanças repentinas na política do governo podem complicar a vida de empresas estabelecidas, mas Peterson vê isso como uma nova realidade com a qual o setor precisa lidar. “Não são apenas os governos que estão recuando, são os investidores que estão realmente querendo requisitos mais rigorosos nas licenças”, disse ele.
Politicamente, a ascensão de uma agenda consciente do clima está alinhada a uma virada para a esquerda em toda a região, que lembra os primeiros anos do século XXI. Mas desta vez, em vez de uma repetição da chamada maré rosa, a América Latina parece estar à beira de uma onda verde.
Veja a Colômbia, um grande exportador de petróleo, gás e carvão, onde Petro diz que os termos esquerda e direita são obsoletos. Para ele, a nova linha divisória está entre a “política da vida” favorável ao clima e o tipo de modelo econômico que perpetua a extração de combustível fóssil apoiado pelo que ele chama de “política da morte”.
Senador de 61 anos que lidera as pesquisas para as eleições de maio, Petro argumenta que a luta contra as mudanças climáticas não precisa comprometer os esforços de combate à pobreza. Se eleito, ele prevê “uma grande coalizão de poderes” com outros líderes para a “transição da América Latina para economias descarbonizadas, produtivas e baseadas no conhecimento”, disse ele em entrevista em janeiro.
Muitos permanecem céticos quanto à possibilidae real disso funcionar. Sem dúvida, a preocupação com o meio ambiente “está cada vez mais comum”, diz Sergio Guzman, diretor de Análise de Risco da Colômbia em Bogotá. Ainda assim, para Petro “será muito difícil concretizar sua visão do ponto de vista político, legal, econômico e prático”.
A Colômbia obtém dois terços de sua energia de hidrelétricas, mas petróleo e gás respondem por quase um terço de todas as suas exportações. Como presidente, Petro teria influência significativa sobre a petrolífera estatal Ecopetrol, que controla a exploração no país andino. Mas o cancelamento de futuros contratos de perfuração levaria a um desafio judicial, e os preços mais altos do combustível teriam um efeito negativo descomunal sobre os pobres, um pilar do programa de Petro, disse Guzman.
Há uma geração, um bloco de governos com ideias semelhantes, liderados pelo falecido líder socialista venezuelano, Hugo Chávez, prometeu usar seus recursos naturais para acabar com a desigualdade. Mas as receitas foram mal administradas, a corrupção foi desenfreada e a pobreza disparou assim que um superciclo de commodities caiu. O meio ambiente não recebeu muita atenção.
Agora, porém, a região está tendo secas aterradoras e sofrendo incêndios como nunca antes, e a pressão doméstica e internacional está crescendo para que sejam definidas metas climáticas ambiciosas como pré-requisito para combater a pobreza. O resultado é uma nova onda de ação climática.
“As forças da esquerda no continente, os políticos mais progressistas, estão dando um passo importante em relação ao que vimos no passado ao incorporar a agenda ambiental em função das mudanças climáticas”, disse Marcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental de São Paulo.
Em Honduras, o novo governo anunciou planos para parar de emitir licenças para mineração a céu aberto, descrevendo a “exploração extrativista” como “prejudicial ao Estado”. No Peru, o presidente Pedro Castillo foi eleito no ano passado com uma plataforma que incluía o apoio às comunidades locais em suas batalhas contra as mineradoras.
Mesmo onde os governos não estão fazendo esforços climáticos perceptíveis, há evidências de pressão pública. Na Argentina, o governo teve que defender a exploração de petróleo depois que milhares protestaram contra sua decisão de oferecer concessões nas águas profundas do Atlântico sul.
No Equador, enquanto isso, o Tribunal Constitucional decidiu no final de janeiro que um referendo local solicitado por ambientalistas sobre a mineração dentro dos limites metropolitanos de Quito poderia ser realizado. O presidente Guillermo Lasso, eleito no ano passado como o primeiro líder de centro-direita do Equador em quase duas décadas, de qualquer forma se mostrou um apoiador entusiástico da ação climática. Ele participou da cúpula da COP26 da ONU e, em janeiro, expandiu uma área de proteção marinha ao redor das Ilhas Galápagos.
Ainda há redutos notáveis. O mexicano Andrés Manuel López Obrador, que vê a independência energética como uma questão de orgulho nacional, busca aumentar significativamente a produção de petróleo e está construindo uma refinaria de US$ 12,5 bilhões. Na Argentina, os subsídios à energia, que estimulam o consumo, custaram ao governo US$ 11 bilhões no ano passado. Castillo, do Peru, não abre mão de maneira alguma da mineração em seu país, a base da economia.
O indicador mais importante será o Brasil, a maior economia da região e uma superpotência agrícola, que se aproxima das eleições presidenciais de outubro. Bolsonaro, o titular, atraiu o desprezo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e ameaças de grandes instituições financeiras de alienar ativos, a menos que ele mude o curso da ação climática.
Cumulativamente ao longo do tempo, o Brasil é a quarta maior fonte de gases de efeito estufa do mundo, e o maior produtor de dióxido de carbono como resultado de incêndios e da mudança do uso da terra de florestas para pastagens. No entanto, Bolsonaro, um apoiador escancarado do agronegócio, destruiu agências de proteção, deixou de aplicar multas e assistiu de camarim à maior destruição da Amazônia em mais de uma década.
Enquanto Lula, seu principal rival, busca conquistar um terceiro mandato em um país atolado em recessão e inflação de dois dígitos, a economia é claramente a principal preocupação dos eleitores. Além disso, seu histórico ambiental é misto: as taxas de desmatamento foram reduzidas pela metade sob a regência de Lula e sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Mas ele também abriu milhares de quilômetros do fundo do mar para a perfuração de petróleo, e um projeto emblemático de mega-barragem derrubou faixas de floresta tropical, deslocando comunidades indígenas. Ele já está falando em oferecer subsídios de combustível aos eleitores.
Mas Lula, 76 anos, está mostrando sinais de sua intenção de defender a Amazônia de pecuaristas e fazendeiros em uma ruptura com as políticas de Bolsonaro. “O que precisamos fazer é convencer a sociedade de que uma floresta em pé pode ser mais lucrativa para o desenvolvimento do Brasil do que derrubar florestas”, disse ele em outubro. No mês passado, ele nomeou um senador para fazer sua campanha eleitoral que vem do mesmo partido.
O Brasil terá que demonstrar compromisso com a redução de emissões se quiser voltar ao cenário mundial e desbloquear financiamento internacional, segundo Ilona Szabo, presidente do Instituto Igarapé, um think-tank do Rio de Janeiro.
“Inconsistências não serão mais permitidas”, disse ela.
No Chile, Boric promete uma das maiores mudanças desde os anos 1970. Ele planeja ser mais rígido quanto às metas climáticas; ajudar a afastar a indústria dos combustíveis fósseis; e reformular o modelo de gestão da água do país após anos de seca. Tudo isso enquanto enfrenta um congresso dividido e uma ressaca econômica da pandemia.
Outro desafio é um processo independente para redigir uma nova constituição que poderia levar a reformas ainda mais radicais do que Boric está propondo, ameaçando a receita tributária necessária para financiar os gastos sociais.
“Eu não diria que não estamos preocupados com o novo governo no Chile”, disse Kent Masters, CEO da Albemarle (ALB), maior produtora de lítio do mundo, citando seu foco ambiental. “Definitivamente há risco, mas achamos que o novo governo será responsável pela indústria e pela economia.”
Se Boric e sua ministra do Meio Ambiente, cientista do clima, Maisa Rojas, conseguirem alcançar esse equilíbrio, outros líderes o seguirão, disse Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.
“Se ele fizer um bom trabalho, inspirará outros”, disse Stuenkel. “Ele se tornará o pioneiro.”
– Com a colaboração de Ezra Fieser, Marisa Wanzeller, Oscar Medina, Yvonne Yue Li, Michael McDonald e Amy Stillman.
– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, localization specialist da Bloomberg Línea.
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