Opinión - Bloomberg

O que vem depois da ômicron? Ninguém sabe

Ondas pandêmicas têm sido frequentemente atribuídas a políticas ou a comportamentos humanos, mas ainda não se sabe muito sobre sua dinâmica

O que acontecerá quando a próxima onda vier, quando quer que seja?
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — Estamos agora no limbo da covid. Os casos estão em baixa e ainda caindo, mas os cientistas não estão dispostos a declarar o fim da pandemia – ou, olhando a partir de outro ângulo, a prever quando a próxima onda pode chegar. Mas talvez seja bom que as autoridades de saúde pública estejam demonstrando um pouco menos de confiança. Os pesquisadores ainda não sabem realmente porque as ondas pandêmicas aumentam ou diminuem, então não seria justo fingir que sim. E a mudança de postura por parte das autoridades de saúde pública seria uma mudança bem-vinda, principalmente no sentido de não tratar a situação com base em falsas certezas.

Há dois anos, os cientistas não sabiam quase nada sobre o novo vírus. No entanto, muitos transmitiram um nível exagerado de segurança sobre os esforços necessários para a mitigação do vírus. Isso motivou algumas pessoas a seguir seus conselhos, mas o custo da confiança do público tem sido alto.

No início de 2020, as autoridades de saúde pública disseram que as máscaras não eram necessárias. Mais tarde, voltaram atrás pedindo a todos que usassem máscaras, criando um debate que ainda não acabou. Em 2021, eles prometeram que as vacinas acabariam com a pandemia por meio da imunidade de rebanho. Quando a pandemia não terminou, muitos céticos que resistiram à vacinação se sentiram justificados. E agora, em 2022, eles estão nos garantindo que pessoas de alto risco podem confiar que apenas elas precisam usar uma máscara N95 para se protegerem, enquanto o resto de nós pode ficar sem – deixando alguns, especialmente crianças, em dúvida sobre a melhor forma de evitar uma doença mortal, que ainda está circulando por aí. O resultado tem sido confusão e polarização.

O desejo de dar certeza às pessoas é compreensível. Uma mensagem passada com convicção é convincente. Quando as autoridades de saúde pública começaram a endossar o uso universal de máscaras, dizendo que salvaria centenas de milhares de vidas, muitas pessoas ouviram. Poderia ter sido menos convincente nos dizer a verdade: que não sabiam exatamente o resultado da exigência de usar máscaras de tecido, embora pudesse ajudar um pouco. No entanto, isso poderia ter sido melhor para construir confiança no longo prazo.

PUBLICIDADE

O que acontecerá quando a próxima onda vier, quando quer que seja? Como o cientista político Michael Bang Petersen, da Universidade de Aarhus, me disse em uma entrevista há algum tempo, as pessoas não se importam com restrições quando fazem sentido. Mas se houver outra onda, as pessoas podem não estar muito dispostas a ter fé. Ou seja, vão exigir pragmatismo, sustentabilidade e transparência.

As ondas pandêmicas têm sido frequentemente atribuídas a políticas ou a comportamentos humanos. A mídia jogou com isso, dizendo que quando os casos diminuíram, a pandemia estava “sob controle” ou que estávamos “avançando”.

Quando os casos diminuíram, não foi porque alguém estava no controle.

PUBLICIDADE

“Nunca consegui descobrir por que esses surtos e essas ondas acontecem da forma que acontecem”, diz Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota. “Não temos ideia do real motivo delas irem e virem.”

Osterholm é um dos poucos cientistas que resistiu ao desejo de se colocar neste lugar de falsa certeza. Ele está impressionado com o mistério das ondas pandêmicas. Se, disse ele, os cientistas forem recompensados no céu com respostas para os mistérios do universo, esta seria sua pergunta mais urgente. “Eu não me importo com buracos negros. Eu não preciso entender a gravidade. Eu só quero entender o que diabos está acontecendo aqui.”

A delta explodiu e arrefeceu abruptamente na Índia e no sul dos Estados Unidos. Ela teve um padrão diferente no Reino Unido: uma alta, uma queda parcial e um platô. Ela teve um aumento e um platô atrasados em grande parte do norte dos EUA no último outono da região, até que a ômicron mudou tudo novamente.

Osterholm não acredita que as diferenças tenham muito a ver com políticas de uso de máscaras. Em sua opinião, o CDC nunca teve ideia se pedir a todos que usassem uma máscara de tecido ou cirúrgica faria uma diferença significativa. Ele atribui a reviravolta repentina na agência de dispensar a exigência de máscaras a partir de março de 2020 a um grupo ativista chamado Masks4All. Eles lançaram um modelo em abril daquele ano, que começou com a suposição de que as máscaras de pano eram extremamente eficientes na prevenção de pessoas infectadas assintomáticas de espalharem a doença para outras, concluindo que o uso universal de máscaras salvaria centenas de milhares de vidas.

PUBLICIDADE

Esse foi um argumento poderoso – mas foi construído sobre uma suposição que não havia sido testada. Outros estudos sobre o uso de máscaras se seguiram, segundo Osterholm, mas os resultados são conflitantes e muitos foram mal executados. “Houve muito viés e fatores de confusão entre outras muitas questões que os tornam quase impossíveis de interpretar.”

Osterholm disse que a natureza da doença no ar significa que uma sala pode ficar cheia de ar infeccioso facilmente quando todos estão usando um pano folgado ou máscara cirúrgica.

“Dizer que uma cobertura facial de pano ou uma máscara de tecido protegeria a pessoa não se baseia em nenhum dado científico”, diz ele. Também não está claro que as máscaras de tecido protegem os outros, apesar da infinidade de placas que diziam: “Minha máscara protege você, sua máscara me protege”.

PUBLICIDADE

O que não quer dizer que as máscaras não funcionem – uma falácia que foi difundida por ativistas anti-máscara. Ele disse que os respiradores N95 ou seus equivalentes podem ter um forte efeito protetor. Se isso tivesse sido enfatizado antes – pois é um dado conhecido há anos – poderia ter levado mais pessoas de alto risco a adotá-las em vez de máscaras de tecido não comprovadas.

As autoridades de saúde pública também foram excessivamente otimistas quando prometeram que as vacinas acabariam com a pandemia. O problema não eram os anti-vacinas – era que o vírus estava evoluindo para novas variantes. Osterholm sugeriu no verão passado, logo após as vacinas terem sido disponibilizadas, mas antes da disseminação mais ampla da delta, que os dias mais sombrios poderiam estar por vir. Isso não significa que as vacinas não funcionam – as taxas de mortes de não vacinados foram desproporcionalmente maiores nas ondas delta e ômicron – mas significa que as vacinas não funcionaram bem o suficiente para acabar com a pandemia, mesmo em lugares onde mais de 80% dos adultos foram vacinados.

O resultado da postura de falsa certeza dos líderes de saúde pública foi a divisão. As pessoas culpavam umas às outras, acreditando que a covid já seria coisa do passado se não fosse pelos anti-vacina e pessoas que burlaram as regras das máscaras; ou, por outro lado, que a pandemia foi descontroladamente exagerada, uma espécie de farsa. Osterholm compara as polarizações que surgiram nas famílias com as divisões que ocorreram entre as famílias na época da Guerra Civil, quando havia membros de ambos os lados.

Há muito mais que os EUA devem fazer para combater a pandemia, incluindo melhorar as vacinas, melhorar os tratamentos e melhorar os testes rápidos para que as pessoas infectadas possam obter medicamentos antivirais mais cedo. (Osterholm não acredita que os testes rápidos de hoje sejam precisos o suficiente para serem usados para esse propósito - há muitos falsos negativos.) Mas também precisamos de mais uma coisa: que mais jornalistas, cientistas e autoridades de saúde pública admitam o quanto ainda não sabem.

Faye Flam é colunista da Bloomberg Opinion e apresentadora do podcast “Follow the Science”. Ela escreveu para o Economist, o New York Times, o Washington Post, Psychology Today, Science e outras publicações.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

Veja mais em bloomberg.com

Leia também