Bloomberg Línea — O dono da rede de lojas Havan, Luciano Hang, deve disputar o Senado em Santa Catarina em uma articulação que tem o aval do presidente Jair Bolsonaro (PL). No Estado, o presidente teve quase 76% dos votos no segundo turno, proporcionalmente seu melhor desempenho nas urnas.
Hang ainda não tem partido. No ano passado, o empresário recebeu o senador Jorginho Melo (PL), que é pré-candidato a governador, em seu escritório em Brusque, onde recebeu o convite para se filiar à legenda. Mas ele também recebeu convites do Republicanos e do Patriota.
O martelo da candidatura do dono da Havan foi batido ainda no ano passado. Segundo dois auxiliares do presidente que falaram com a Bloomberg Línea sob condição de anonimato, o presidente enxerga Hang como alguém confiável, leal e capaz de se tornar um fenômeno eleitoral por sua forte presença em redes sociais como uma espécie de porta-voz político de comerciantes e empreendedores.
A ideia ganhou força após o depoimento de Hang à CPI da Pandemia, no ano passado. O presidente gostou do desempenho do empresário, quando levou quase quatro horas contornando perguntas de senadores hostis ao governo. Ele havia sido convocado por suspeita de fraude do atestado de óbito da mãe para omitir a covid como causa da morte – o que ele negou.
Na ocasião, primeiro, ele conseguiu convencer senadores a exibir um vídeo como parte de sua defesa. Na verdade, tratava-se de propaganda institucional da Havan, que foi reproduzido ao vivo pelos canais de notícia, que transmitiam a sessão.
Hang usou os holofotes da comissão para se promover como uma espécie de porta-voz de pequenos empreendedores críticos às medidas de governadores e prefeitos de isolamento social, obrigação do uso de máscaras e multas a estabelecimentos comerciais que desobedecessem horários restritos de funcionamento.
Neste estrato da população, o dos empresários, é onde Bolsonaro bate Lula por 34% a 26%, de acordo com o último Datafolha. A reportagem da Bloomberg Línea enviou pedidos de entrevista a Luciano Hang desde a semana passada, por e-mail e através de assessoria, mas não houve resposta.
O DONALD TRUMP DE SANTA CATARINA: Chamado pelos detratores de “Véio da Havan”, Hang se tornou uma fenômeno de redes sociais. Tem 4,6 milhões de seguidores no Instagram onde mescla propaganda de suas lojas e discurso liberal-conservador.
Marqueteiro, ele aparece num dos vídeos ao som de Aleluia de Handel citando os municípios catarinenses que tornaram facultativo o uso de máscara. Em outro, surge trocando socos de mentirinha com o ex-campeão mundial de boxe Popó. Tudo tem a estética verde-amarela, da camiseta que o empresário veste nos vídeos à fuselagem do jato Bombardier Global 6000 (preço de tabela US$ 62,3 milhões) em que se desloca.
Em 2021, a Havan faturou R$ 12,6 bilhões (+23,6% em relação a 2020) em suas 168 lojas. Destas, 51 estão espalhadas por Santa Catarina, o que dá ao empresário uma capilaridade no Estado difícil de ser batida. Nacionalmente, o grupo tem 22 mil funcionários – um terço em SC.
A forte estrutura empresarial deu a Hang outro ativo cobiçado por candidatos a cargos públicos: inserção em filantropia.
A Havan e seu dono – cuja imagem pública se confunde com a da própria companhia – aparecem como benfeitores de dois grandes hospitais do Estado (Nossa Senhora da Conceição e São José, em Jaraguá do Sul), doadores para Apaes de vários municípios e projetos sociais, além de patrocinadores, em SC, de atletas individuais e do Brusque Futebol Clube, da primeira divisão local.
Ao menos três políticos de Santa Catarina que conversaram reservadamente com a Bloomberg Línea nos últimos dias mencionaram a “estrutura” de Luciano Hang. Em jargão político, “estrutura” costuma designar dinheiro para fazer campanha.
Hang é dono de uma fortuna de US$ 2,9 bilhões, segundo a mais recente lista da Forbes. Para efeito de comparação, a fortuna atribuída pela publicação ao ex-presidente americano Donald Trump em 2021 era de US$ 2,5 bilhões.
PALANQUE PRINCIPAL: No espectro da direita catarinense, há ao menos três pré-candidatos ao governo que buscam o apoio de Bolsonaro, o senador Jorginho Melo, que é do partido do presidente, o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (União Brasil, ex-DEM), e o prefeito de Chapecó, João Rodrigues (PSD). Pelo PSD, também postula a vaga de candidato o ex-governador Raimundo Colombo. O atual governador, Carlos Moisés (sem partido), elegeu-se pelo PSL (legenda de Bolsonaro em 2018), mas afastou-se do presidente.
O mais provável é que essa coleção de candidatos seja enxugada à medida que os acordos políticos forem sendo fechados até as convenções partidárias, em julho e agosto, ou que o presidente tenha mais de um apoiador disputando o governo. Enquanto não há definição sobre quem será o candidato de Bolsonaro ao governo, o único palanque certo do presidente em Santa Catarina é o de Hang para o Senado.
“O Luciano é meu candidato, tem imagem muito forte ligada ao empreendedor de Santa Catarina, é muito corajoso ao defender suas posições. Ele só não pode é cometer um erro, que é se filiar a um partido que tenha um candidato a governador. Ele tem que escolher um partido sem candidato ao governo para subir em todos os palanques de quem vai estar com o presidente”, diz o prefeito de Chapecó, João Rodrigues.
Filiado ao PSD, que não está com Bolsonaro no quadro nacional, o prefeito se diz “o mais bolsonarista” de todos os pré-candidatos ao governo. Rodrigues é um dos prefeitos mais prestigiados por Bolsonaro, que costuma recebê-lo no Planalto e já esteve na cidade por conta das críticas do prefeito às políticas de isolamento social implantadas por governadores.
“Essa vai ser uma eleição muito diferente de 2018, onde o presidente elegeu um monte de deputado e senador a reboque. Agora não é mais a antipolítica, é a hora de quem tem o que mostrar. O Luciano nunca disputou cargo, mas ele tem um grande serviço prestado, é conhecido. Disputar contra ele vai ser uma coisa muito indigesta”, analisa.
POLÍTICA, NEGÓCIOS E PROCESSOS: O dono da Havan é um dos investigados no inquérito nº 4.781, o das fake news, que corre no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria de Alexandre de Moraes. A investigação abrange ameaças contra o STF feitas por apoiadores do presidente em mídias sociais.
Em outubro de 2018, foi citado em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo como financiador de um esquema ilegal de disparos de propaganda pelo WhatsApp para favorecer Bolsonaro e prejudicar o petista Fernando Haddad. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) abriu um inquérito sobre a alegação, que foi arquivada por falta de prova. Hang nega que tenha pago pelos disparos de WhatsApp e venceu um processo civil contra o jornal na comarca de Brusque, onde mora, pedindo uma indenização de R$ 100 mil. A Folha recorre da decisão.
Um outro caso rumoroso envolvendo o empresário ocorreu, também em 2018. Ele foi acusado pelo Ministério Público do Trabalho de chantagear os funcionários com ameaça de demissão, caso o PT vencesse a eleição. Quatro procuradores do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina acusaram-no de assédio moral por ter veiculado um vídeo, na semana do primeiro turno, em que sugeria a funcionários da empresa que poderia “jogar a toalha” se Bolsonaro não vencesse a eleição.
Em dado momento do encontro que foi transmitido em redes sociais e nos canais internos da Havan, Hang discorria sobre um cenário caso Fernando Haddad (PT) vencesse a eleição.
“Talvez a Havan não vai abrir mais lojas (sic). E aí se eu não abrir mais lojas ou se nós voltarmos para trás? Você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta da Havan? Você que sonha em ser líder, gerente, e crescer com a Havan, você já imaginou que tudo isso pode acabar no dia 7 de outubro? E que a Havan pode um dia fechar as portas e demitir os 15 mil colaboradores”, disse, conforme a transcrição feita da denúncia apresentada pelo Ministério Público do Trabalho.