Bloomberg Línea — A pandemia de covid-19 evidenciou ainda mais as desigualdades de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, sendo as mulheres as que mais abandonaram o trabalho remunerado para assumir as responsabilidades de cuidar de crianças, idosos e doentes.
Atualmente, cerca de 2,4 bilhões de mulheres em idade ativa não têm as mesmas oportunidades e 178 países ainda mantêm barreiras legais que impedem sua plena participação econômica, segundo estudo do Banco Mundial apresentado nesta terça-feira (8).
O relatório “Mulheres, Negócios e a Lei 2022″ (ou WBL 2022, na sigla em inglês) analisa as leis e regulamentos que afetam as oportunidades das mulheres em 190 economias e que facilitam ou dificultam sua participação. As oito áreas analisadas pelo estudo são: mobilidade, local de trabalho, salário, casamento, paternidade, empreendedorismo, patrimônio e pensões.
Seja uma jovem iniciando seu primeiro emprego, uma mãe fazendo malabarismos entre trabalho e cuidado dos filhos ou uma mulher prestes a se aposentar, os indicadores mostram com precisão como as leis afetam as mulheres ao longo do tempo, tanto de sua vida profissional quanto de seu espírito empreendedor, observa o relatório.
“Reformas legais para incentivar as mulheres a trabalhar não apenas empoderam as mulheres, mas também fortalecem comunidades e economias”, disse Carmen M. Reinhart, economista chefe e vice-presidente sênior do Grupo de Economia do Desenvolvimento do Banco Mundial.
Desde outubro de 2020 e durante a pandemia, 23 países revisaram suas leis para reforçar o status legal das mulheres, promover sua inclusão econômica e melhorar a igualdade de gênero no local de trabalho. “As regiões mais atrasadas, Oriente Médio e Norte da África e África Subsaariana, correram atrás do prejuízo e instituíram as mudanças mais positivas. Das 39 leis revisadas, 10 foram promulgadas nessas regiões”, diz o relatório.
Pontuação e renda
No entanto, em nível global, as mulheres têm apenas três quartos dos direitos legais e econômicos concedidos aos homens nas áreas analisadas, então a edição WBL 2022 atribuiu uma pontuação global média de 76,5 de um máximo de 100 – mais de meio ponto do que em 2020.
Em 86 países, as mulheres ainda enfrentam algum tipo de restrição trabalhista, e 95 nações não garantem a igualdade salarial Em termos de renda, as mulheres ganham apenas dois terços da renda esperada para os homens.
É apenas em 12 países, todos integrantes da OCDE, que as mulheres gozam de igualdade de condições com pontuação de 100, sendo eles Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Grécia, Islândia, Irlanda, Letônia, Luxemburgo, Portugal, Espanha e Suécia.
Na América Latina, apenas Peru e Paraguai atingem pontuação acima de 90. Na sequência, vem Equador (89,4), Bolívia (88,8), El Salvador, México e Uruguai (88,8), Costa Rica, República Dominicana e Nicarágua (86,3).
A América Latina e o Caribe é a terceira região com maior pontuação no WBL 2022 (pontuação média 80,4), registrando 3,9 pontos acima da pontuação média global (76,5).
Em geral, os países latino-americanos tiveram bom desempenho nas áreas de ativos (pontuação média 97,5), mobilidade (92,2) e casamento (90,6). No entanto, diferenças significativas permanecem nas áreas de paternidade (pontuação média 48,1), remuneração (72,7) e local de trabalho (78,1). Além disso, apenas 11 economias da região exigem remuneração igual para trabalho de igual valor, e nove países continuam limitando os tipos de funções industriais que as mulheres podem desempenhar, por exemplo, na Argentina, Belize e Colômbia.
“Mesmo com progresso, a diferença entre os ganhos esperados ao longo da vida de homens e mulheres globalmente é de US$ 172 trilhões, quase o dobro do PIB anual do mundo”, disse Mari Pangestu, diretora-gerente de Políticas e Parcerias de Desenvolvimento do Banco Mundial. “À medida que avançamos em direção ao desenvolvimento verde, resiliente e inclusivo, os governos devem acelerar o ritmo das reformas para que as mulheres possam realizar todo o seu potencial e se beneficiar plenamente”.
Embora as regiões do Oriente Médio e Norte da África e da África Subsaariana tenham apresentado as maiores melhorias com a implementação das reformas, elas continuam defasadas.
A Europa e a Ásia Central também aprovaram mudanças, apesar de pontuarem acima da média global, com 17% dos países mudando pelo menos uma lei para melhorar a igualdade de gênero.
Duas das 32 economias latino-americanas adotaram uma reforma cada: a Argentina contou explicitamente os períodos de ausência de assistência à infância nos benefícios de aposentadoria e a Colômbia introduziu a licença parental remunerada compartilhada com a possibilidade de ambos os pais compartilharem seis semanas de licença remunerada, além das permissões existentes (12 semanas de licença-maternidade e 2 semanas de licença-paternidade).
Em termos percentuais, o Oriente Médio e o Norte da África representaram uma melhora de 1,5%, a África Subsaariana, 0,8%, a Europa e Ásia Central, 0,6%, os países da OCDE de alta renda melhoraram 0,2% e a América Latina também melhorou 0,2%.
Cuidado infantil
O Banco Mundial incluiu pela primeira vez uma pesquisa piloto de 95 países sobre as leis que regem os cuidados infantis. “As mulheres carregam um fardo desproporcional de cuidados não remunerados em casa, e essa distribuição desigual compromete sua capacidade de conseguir e manter empregos”.
O WBL2022 constatou que a disponibilidade e a regulamentação de diferentes tipos de serviços variam muito de região para região. A prestação pública de serviços de acolhimento de crianças é quase universalmente regulamentada na região de alta renda da OCDE e na Europa e Ásia Central. Por outro lado, muitas economias do Oriente Médio, Norte da África e Sul da Ásia apresentam a menor proporção de serviços públicos.
Das 55 economias em que o setor público oferece serviços de creche, cerca de 80% não oferece creche gratuita, e os pais devem pagar uma taxa que depende de critérios como renda ou número de filhos. Em termos de qualidade, também não há um padrão claro em parâmetros obrigatórios como número de alunos, licenciamento e inspeções.
40% das crianças abaixo da idade escolar da educação primária em todo o mundo precisam de serviços de cuidados infantis. Mesmo quando disponíveis, a prestação desses serviços nem sempre é garantida devido a limitações de espaço, custo, qualidade e normas culturais.
Ampliar o acesso às creches pode ter efeitos positivos não apenas para a participação feminina e o desenvolvimento infantil, mas também para o crescimento econômico, criando uma força de trabalho mais abundante e diversificada, oferecendo oportunidades significativas de negócios e emprego”, observou o relatório.
Quais foram as reformas?
Globalmente, o maior número de reformas foi feito em indicadores parentais, de salário e local de trabalho: eles se concentraram na proteção contra o assédio sexual no emprego, a proibição da discriminação de gênero e a eliminação das restrições trabalhistas para as mulheres.
Embora o indicador de parentalidade remunerada ou licença parental partilhada tenha registado o maior número de reformas, ainda apresenta as pontuações médias mais baixas, evidenciando a necessidade de acelerar ainda mais as reformas nesta área.
Armênia, Suíça e Ucrânia introduziram licença-paternidade remunerada. Colômbia, Geórgia, Grécia e Espanha introduziram a licença parental remunerada, que oferece a ambos os pais alguma forma de licença remunerada.
Na América Latina, mais da metade das economias (19 de 32) não possui legislação que garanta 14 semanas de licença-maternidade remunerada, e apenas metade dos países garante uma forma de licença-paternidade remunerada por lei.
Enquanto 118 economias garantem 14 semanas de licença remunerada para as mães, em 114 países a licença remunerada para os pais é de apenas uma semana.
“As mulheres não podem alcançar a igualdade no trabalho se forem desiguais em casa”, disse Carmen Reinhart, vice-presidente sênior e economista-chefe do Grupo Banco Mundial. “Isso significa nivelar o campo de jogo e garantir que ter filhos não significa que as mulheres sejam excluídas de participar plenamente e realizar suas ambições”.
Explorando o funcionamento das leis fora dos livros em 25 países, o relatório do Banco Mundial revelou uma lacuna substancial entre legislação e implementação.
“As leis por si só não são suficientes para melhorar a igualdade de gênero”, observa o relatório, “os fatores em jogo incluem não apenas sua implementação e aplicação, mas também normas sociais, culturais e religiosas”.
As mulheres continuam a enfrentar grandes desafios que ameaçam aumentar as disparidades de gênero, por isso seus direitos econômicos devem ser fortalecidos para que possam ter acesso igual a programas de apoio público e tecnologias digitais, que podem ajudá-las a criar novos negócios, descobrir novos mercados e encontrar melhores empregos .
“Quando as sociedades são mais igualitárias, as economias são mais resilientes”, diz a agência.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
Leia também