São Paulo — A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) teme o risco de redução de produção e de vendas no Brasil com o prolongamento da guerra entre Rússia e Ucrânia, mas ainda evita divulgar números sobre o potencial impacto do aumento de custos com o encarecimento de matérias-primas. Ao comentar o balanço do setor em fevereiro, o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, disse, nesta terça-feira (8), que ainda é cedo para revisar para baixo as projeções para 2022.
A redução de 18,5% no IPI (imposto sobre produtos industrializados) dos veículos, anunciada na semana passada, foi insuficiente para a Anfavea melhorar suas previsões, pois as montadoras já foram informadas por economistas de que os juros no Brasil podem subir ainda mais, saindo de 10,75% para até 14% ao ano, devido à disparada do preço do barril de petróleo e de outras commodities e seus efeitos negativos para a inflação.
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“Estou muito preocupado. A guerra vai impactar a taxa de juros. Se o Banco Central errar a dosagem do aumento de juros, pode ter um desastre no PIB neste ano”, afirmou Moraes.
Durante a entrevista coletiva, o dirigente da Anfavea listou as preocupações do setor com a guerra:
- Commodities valorizadas: petróleo, gás natural, aço, alumínio, níquel, cobre, trigo, milho, soja estão com preços em alta
- Riscos para o agronegócio, cliente de veículos pesados como caminhões e tratores: importação de fertilizantes, potássio, ureia, nitrato de amônio, nitrogênio, fósforo
- Risco no abastecimento de semicondutores: Rússia e Ucrânia são grandes produres globais de palácio e gás neônio
- Riscos logísticos: congestionamento de portos, falta de contêineres, atrasos de navios e fretes pressionados podem continuar em 2022; alteração de rotas aéreas deve prejudicar também o mercado de transporte aéreo de cargas
- Riscos econômicos: mais pressão inflacionária, aumento de juros com efeitos negativos sobre a atividade econômica principalmente no segundo semestre de 2022
Por enquanto, o feedback das matrizes das montadores às filiais se traduz pela palavra “cautela” para ver o impacto na produção e nas vendas de veículos nas próximas semanas e meses, segundo o presidente da Anfavea. A escassez de componentes semicondutores usados na fabricação de veículos e o aumento do custo de logística de montadoras e seus fornecedores de autopeças, como a alta do preço do frete marítimo e aéreo, gargalos que duram dois anos de pandemia da covid, podem se agravar com o conflito, alertou Moraes.
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O setor automotivo não importa nada de relevante da Rússia, segundo a Anfavea, mas as exportações de caminhões e ônibus para lá foram suspensas. “Vamos esperar para ver a dimensão e a extensão da crise”.Ao explicar a manutenção das projeções para 2022, diante desse elemento novo no cenário macroeconômico, o presidente da Anfavea explicou que a entidade já trabalhava com previsões conservadoras para o primeiro semestre do ano, com uma expectativa de um segundo semestre melhor do que o primeiro.
Ômicron
Para 2022, a expectativa da Anfavea é de um aumento de 9,4%, com 2,46 milhões de unidades produzidas. Em fevereiro, o número de autoveículos emplacados (automóveis, comerciais lves, caminhões e ônibus) somou 129,3 mil unidades, crescimento de 2,2% em relação a janeiro (126,5 mil), mas uma queda de 22,8% na comparação com o mesmo mês do ano passado (167,4 mil). Já a produção em fevereiro atingiu 165,9 mil, um aumento de 14,1% em relação a janeiro (145,4 mil), mas uma redução de 15,8% ante fevereiro de 2021 (197 mil).
Nos dois primeiros meses do ano, com a proliferação da ômicron, variante do coronavírus, houve férias coletivas adicionais e um aumento do absenteísmo. com empregados afastados devido à covid. A falta de matéria-prima como os semicondutores ainda afeta o ritmo de produção das montadoras neste começo de 2022, porque alguns materiais são produzidos na região que está em guerra, segundo o presidente da Anfavea.
Confira a íntegra da coletiva da Anfavea sobre o desempenho das montadoras em fevereiro:
2021 fechou com 2.248,3 mil unidades produzidas, alta de 11,6% sobre 2020. No ranking global de produtores, o Brasil retomou a 8ª colocação perdida no ano anterior para a Espanha. Dezembro foi o melhor mês do ano, com 210,9 mil autoveículos produzidos. Como ocorre tradicionalmente, o último mês do ano foi o de maior volume de vendas, com 207,1 mil unidades licenciadas. Mesmo assim, foi o pior dezembro em cinco anos.
No ano passado, a rápida recuperação após o pico da pandemia em mercados como Chile, Colômbia, Peru e Uruguai ajudou a impulsionar as exportações de veículos brasileiros, apesar das restrições comerciais impostas pelo governo argentino. As 376,4 mil unidades exportadas em 2021 representaram crescimento de 16% sobre o ano anterior. Pela 1ª vez, a Argentina representou menos da metade dos embarques nacionais (34% do total).
Outras projeções da Anfavea para 2022:
- Para este ano, a Anfavea ainda projeta vendas de 2,3 milhões de autoveículos, uma alta de 8,5% sobre 2021
- Para 2022, a expectativa ainda é de exportar 390 mil unidades, um incremento de 3,6% sobre o ano anterior
IPI menor
Quanto ao repasse da redução do IPI para o preço final dos veículos, Moraes disse que a negociação com o Ministério da Economia sobre o tema envolveu o repasse da menor carga tributária para favorecer o consumidor e fomentar a economia, mas que a decisão de repasse é da estratégia comercial de cada montadora. A alíquota para carros de passageiro caiu de 8% para 6,5%, enquanto para comerciais leves saiu de 8% para 6%. A Anfavea estima que o potencial impacto da redução do IPI no preço final será entre 1,4% e 4,1%, dependendo do segmento de mercado.
A Anfavea defende a extinção da cobrança do IPI para o setor na reforma tributária, mas nas conversas com o governo o setor falava em um corte inicial de 50% do imposto. O presidente da entidade mostrou que a carga tributária hoje para um carro, incluindo IPI, PIS/Cofins e ICMS, chega a 37% a 44% do preço do bem. Com a redução do IPI, essa carga cai para um intervalo entre 35% e 42%, uma queda de dois pontos percentuais.
Segundo Moraees, a alta carga tributária inibe investimentos e exportação, provoca diferentes interpretações sobre o sistema tributária, bem como disputais judiciais, além do alto custo de compliance para acompanhar as mudanças e impactos das normas. Moraes aproveitou para criticar o governo de São Paulo pelo aumento do ICMS de 12% para 14,50% na contramão do governo federal. “Isso não faz sentido, pois penaliza o consumidor”, disse.
(Atualiza às 20h40 com detalhes sobre as projeções da Anfavea para 2022)
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