Máquina de propaganda de Putin é prejudicada por apagão de mídias sociais

Mídias sociais se tornaram um veículo inesperadamente eficaz para provocar a opinião pública

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Bloomberg — A invasão da Ucrânia pela Rússia despertou preocupações de que a agressão do país se estenderia às redes sociais e de que a longa campanha do Kremlin de usar a internet para gerar dúvidas e divisões nas democracias confundiria a opinião pública sobre a guerra.

Em vez disso, as mídias sociais se tornaram um veículo inesperadamente eficaz para provocar a opinião pública em muitos países contra as ações do presidente Vladimir Putin, ao mesmo tempo em que silenciou grande parte de sua propaganda.

Nos cinco anos desde que a Rússia entrou nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos, empresas como a Meta Platforms (FB) e Twitter (TWTR) construíram sistemas para se certificar de que numa próxima vez não fossem pegos de surpresa. O trabalho foi facilitado por alertas da inteligência dos EUA sobre o ataque planejado – tornando mais difícil para Putin disseminar falsos pretextos para agressão – e pelas diretivas da União Europeia sobre a proibição da mídia estatal russa.

“Provavelmente houve um erro de cálculo por parte de Putin sobre qual seria a resposta do Ocidente”, disse Joshua Tucker, professor da Universidade de Nova York que administra o Centro de Estudos Avançados da Rússia. Nos EUA, a oposição a Putin é um ponto raro de acordo bipartidário, facilitando a decisão do Facebook e do Twitter de agirem nesse sentido, acrescentou. “Pode ser mais perigoso para [empresas de mídia social] não tomar medidas decisivas.”

Durante anos, os agentes russos se inseriram em democracias, incluindo a dos EUA, por meio das mídias sociais, criando perfis falsos disfarçados de pessoas comuns com opiniões polarizadas. Mais notoriamente, antes da eleição que entregou a presidência americana a Donald Trump, a Rússia criou contas que publicavam memes online sobre questões polêmicas, como controle de armas e imigração, enquanto incentivava os eleitores negros a não votar.

As empresas de mídia social foram repreendidas por reguladores em todo o mundo por não terem sido capazes de identificar essas campanhas mais cedo, levando-as a investir em sistemas de moderação de conteúdo mais sofisticados. Os esforços também levantaram questões sobre os objetivos de Putin e se ele pretendia causar caos ou se estava trabalhando com um objetivo mais específico, como enfraquecer a resposta global a uma invasão.

“Uma guerra na Europa, precedida por uma campanha de propaganda e influência durante anos que desestabilizou, capturou e dividiu as populações da Europa e dos EUA”, disse Emily Bell, diretora do Tow Center for Digital Journalism, em um post no Twitter em 23 de fevereiro. “Isso não parece uma trajetória aleatória.”

Mas desta vez, as empresas de mídia social estavam mais bem preparadas para reprimir a propaganda russa, agindo mais rapidamente a pedido de vários governos e da UE. O Facebook e o Instagram baniram anúncios da mídia estatal russa, e o Twitter não está exibindo anúncios na Rússia. O Snap está bloqueando anúncios de todos os anunciantes russos.

Facebook, Twitter e outras redes agem para barrar russos

Facebook e Twitter também começaram a rotular postagens que incluem links para meios de comunicação apoiados pelo Estado russo para que as pessoas saibam o que estão lendo. O Facebook também removeu uma rede de desinformação pró-Rússia que tinha como alvo usuários na Ucrânia.

O YouTube, o site de vídeos do Google (GOOGL), muito popular na Rússia, hospeda vários veículos de notícias e personalidades online próximos ao Kremlin. A RT, a rede estatal anteriormente chamada Russia Today, se autodenomina a “rede de notícias mais assistida no YouTube”. Na semana passada, o YouTube removeu anúncios de canais administrados pela RT e outras redes apoiadas pelo estado, bloqueou-os na Europa e limitou a quantidade que eles recomendavam aos espectadores. O TikTok fez o mesmo.

Laura Edelson, pesquisadora e especialista em desinformação da Universidade de Nova York, expressou sua surpresa em um tweet. “PLATAFORMAS TECNOLÓGICAS: Eles não estão reprimindo totalmente!” ela escreveu. As empresas foram auxiliadas pela abordagem incomum do governo dos EUA de compartilhar informações de inteligência para combater narrativas falsas vindas da Rússia. “Não deixar um vácuo de informação para ser preenchido pelo seu oponente torna o trabalho dele muito, muito, mais difícil”, acrescentou.

PLATAFORMAS DE TECNOLOGIA: Eles não estão reprimindo totalmente! Eles merecem crédito por bloquear a RT e a Sputnik na Europa. Mas não bloquear usuários que vem espalhando desinformação há muito tempo no mundo quando o governo que os controla está ativamente tentando mentir sobre suas atrocidades de guerra é... LOUCURA. 08/05

— Laura Edelson (@LauraEdelson2) 1º de março de 2022

Também inundando os sites: mensagens da Ucrânia. O presidente Volodymyr Zelenskiy tornou-se um herói popular pelas selfies no chão durante a guerra, contrastando com as imagens dos discursos de Putin em vastos salões de baile opulentos. Contas do governo ucraniano têm postado vídeos, fotos e até memes para construir apoio à luta do país.

A experiência pode ser o fator mais importante que orienta a resposta das empresas de mídia social desta vez. Quando a Meta removeu uma rede de desinformação direcionada aos ucranianos, foi o mesmo tipo de campanha de desinformação que a empresa vem derrubando com regularidade desde que os descobriu em 2017. A tecnologia e o processo necessários para rotular as postagens dos usuários também estavam bem estabelecidos - Facebook, Instagram , Twitter e YouTube rotulam postagens há anos por vários motivos, inclusive por desinformação.

Nem todo o mundo está pronto para aplaudir as empresas de redes sociais, especialmente devido ao seu histórico de não agir rápido para resolver problemas até que eles se transformem numa grande crise. Apesar de bloquear a mídia russa na UE, o YouTube manteve a maioria dos canais ativos e alguns publicaram vídeos com milhões de visualizações.

TikTok também monitora

A batalha não é apenas contra o conteúdo da Rússia. No TikTok, por exemplo, as pessoas usaram clipes de áudio antigos em cima de novos vídeos para compartilhar “imagens de guerra” falsas, de acordo com um relatório da Media Matters. Esses vídeos podem ajudar as contas a ganhar seguidores ou solicitar doações de espectadores simpatizantes. Mesmo quando os vídeos são removidos em poucas horas, eles podem acumular milhões de visualizações.

“Continuamos a responder à guerra na Ucrânia com mais recursos de segurança e proteção para detectar ameaças emergentes e remover desinformação prejudicial”, disse o TikTok em comunicado.

Outros disseram que o bloqueio da mídia estatal pelas empresas de mídia social é muito pequeno e tarde demais.

“As plataformas não devem receber crédito por tomar medidas temporárias contra alguns dos sites de desinformação de Vladimir Putin e canais populares do YouTube”, disse Gordon Crovitz, co-CEO da NewsGuard Technologies, uma startup que rastreia a credibilidade das notícias. “Eles sabem há anos que seus usuários estavam vendo a desinformação de Putin sem alertá-los quanto a isso.”

Agradeci ao PM da Noruega @jonasgahrstore pelo forte apoio à Ucrânia na defesa da luta contra a agressão russa. As fortes sanções impostas pela Noruega foram percebidas. Falei sobre o curso da defesa da Ucrânia e os crimes do agressor contra civis. Continuamos o trabalho conjunto, incluindo @sec_council.

— Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) 2 de março de 2022

Em 2014, o Russia Today foi um dos vários meios de comunicação controlados pelo Estado que amplificaram as alegações do governo de que a Ucrânia derrubou o voo 17 da Malaysia Airlines. Mas evidências esmagadoras mostraram que o avião foi derrubado por separatistas apoiados pela Rússia, provavelmente por acidente.

Artigos do Russia Today promovendo a matéria falsa foram curtidos e compartilhados milhares de vezes no Facebook, com uma postagem atingindo quase 6.000 curtidas e 4.800 compartilhamentos. No Twitter, os teóricos da conspiração continuariam vinculando as histórias da RT e Sputnik para justificar suas alegações absurdas.

Não foi um incidente isolado. O disputado referendo da Crimeia em 2014 para se tornar parte da Rússia foi coberto como um exercício de democracia pela RT. Três anos depois, o Sputnik alegou que uma lei da língua ucraniana era “genocídio linguístico”. E em 2018, a RT transmitiu uma entrevista com os suspeitos do envenenamento de Skripal, que alegaram ser turistas que estavam apenas visitando a Catedral de Salisbury.

Edelson observou que, embora seja positivo que as redes sociais bloqueiem a mídia apoiada pela Rússia na Europa, também deve bloquear esses meios de comunicação em todo o mundo. “Não bloquear usuários que vem espalhando desinformação há muito tempo no mundo quando o governo que os controla está ativamente tentando mentir sobre suas atrocidades de guerra é... LOUCURA”, ela twittou.

Discurso a favor da Ucrânia

Após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, os meios de comunicação de língua inglesa de propriedade do Estado russo, como o RT, têm produzido grandes quantidades de conteúdo sobre a Ucrânia. No ano passado, esses artigos receberam mais de 500.000 curtidas, comentários e compartilhamentos de usuários do Facebook, de acordo com uma pesquisa do Center for Countering Digital Hate.

Agora, as empresas têm cobertura política para serem agressivas contra esse tipo de conteúdo. A invasão da Ucrânia pela Rússia foi quase universalmente condenada, e muitas das restrições à mídia estatal russa foram implementadas a pedido de governos, incluindo a União Europeia, que votou no fim de semana para bloquear a mídia estatal russa em todo o bloco. Opor-se a uma invasão de um líder autoritário não é o tipo de política espinhosa ou decisão política que Meta e Twitter normalmente costumam enfrentar.

As plataformas de mídia social estão lançando muitas das estratégias desenvolvidas durante outros desafios, como a disseminação das teorias da conspiração sobre a covid-19 ou a retórica violenta que borbulhou antes de uma insurreição no Capitólio dos EUA, em 2021.

A Meta recentemente “amplificou” sua equipe de segurança cibernética com um centro de operações especiais e impediu o Ghostwriter, um conhecido autor de ameaças com histórico de espalhar propaganda amigável ao Kremlin, de postar conteúdo, incluindo um vídeo do YouTube supostamente mostrando soldados ucranianos acenando uma bandeira branca e se rendendo a tropas russas.

“Cada incidente ocorrido tem o potencial de atualizar suas ideias”, disse Tucker.

Autoridades do governo ainda estão pedindo que as plataformas façam mais para combater a desinformação russa. Os primeiros-ministros da Polônia e dos países bálticos também pediram ao Google, YouTube, Meta e Twitter para se posicionarem contra a Rússia, derrubando as contas dos governos russo e bielorrusso, seus líderes e associados.

Pode haver riscos de que a Rússia retalie as proibições das empresas de tecnologia ocidentais em sua mídia estatal. Empresas e especialistas estão preocupados que a Rússia possa cortar o acesso de seus cidadãos a informações confiáveis.

Depois que Berlim proibiu a operação alemã da RT no mês passado, a Rússia respondeu revogando o credenciamento da Deutsche Welle, levando ao fechamento de seu escritório em Moscou. A Rússia também tem estrangulado o desempenho de sites de mídia social em seu país, onde os cidadãos organizaram protestos nos primeiros dias da guerra.

“Se os russos agora expulsarem toda a mídia ocidental, quero dizer, qual é a perda ou benefício líquido?” disse Stephan Lewandowsky, cientista cognitivo e especialista em desinformação da Universidade de Bristol. “Sempre há consequências diretas disso.”

– Com a colaboração de Mark Bergen.

– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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