Opinión - Bloomberg

Ataque à usina nuclear na Ucrânia mostra que quanto maior, mais seguro

Décadas de melhorias nos projetos de reatores resultaram em usinas onde os riscos são muito menores do que no caso dos acidentes do passado

Central nuclear de Zaporizhzhia no sudeste da Ucrânia
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Cerca de 36 anos após o desastre em Chernobyl, ninguém quer ouvir relatos de problemas de segurança em torno de uma usina nuclear na Ucrânia.

Por isso, chamou a atenção quando o presidente Volodymyr Zelenskiy disse na sexta-feira (4) que o bombardeio russo na estação de Zaporizhzhia poderia ser o “fim da Europa” se levasse a uma explosão. (As forças russas mais tarde ocuparam a instalação.) Mas esse não é um cenário provável. Tal como acontece com quase todas as usinas nucleares construídas desde Chernobyl, os reatores de Zaporizhzhia estão alojados dentro de edifícios de contenção que os protegerão de acidentes de avião, tornados, ataques a bomba e explosões causadas pela fuga de subprodutos inflamáveis da fissão. Reguladores ucranianos disseram que um incêndio no local não afetou equipamentos essenciais, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica.

Décadas de melhorias nos projetos de reatores resultaram em usinas onde os riscos são muito menores do que no caso dos acidentes em Chernobyl, Fukushima em 2011, ou Three Mile Island em 1979, para não mencionar o reator rudimentar que causou o incêndio de Windscale em 1957, no Reino Unido.

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Isso não significa que um escape radioativo seja impossível. Os edifícios de contenção são projetados para proteger contra acidentes e, em caso de emergência, ataques terroristas. O bombardeio militar pesado deliberado e bem direcionado pode romper essas defesas – mas devemos esperar que tal cenário não esteja nos planos russos. Como um dos maiores fornecedores mundiais de engenharia de energia atômica e combustível, os interesses próprios da Rússia se inclinariam fortemente contra permitir que um resultado tão desastroso ocorresse.

Tudo isso mostra por que devemos nos preocupar um pouco menos com os riscos das usinas nucleares do mundo. É motivo, também, para saudar a possibilidade de que a Europa possa tomar a crise atual como uma desculpa para prolongar a vida das usinas atômicas que devem ser fechadas nos próximos anos, dando uma nova vida a uma alternativa energética de zero carbono. A Alemanha está considerando tal medida, disse o vice-chanceler Robert Habeck na semana passada.

Ao mesmo tempo, a guerra mostra por que o modelo antigo e ruim de energia nuclear - onde a eletricidade é produzida por um pequeno número de usinas de potência gigantesca e cara, em escala de gigawatts, em vez de uma frota compacta de microgeradores de pacote integrado - também é o melhor modelo para o futuro. A energia atômica ainda pode desempenhar um papel importante à medida que o mundo se afasta dos combustíveis fósseis. Neste caso, no entanto, grande provavelmente continuará sendo bonito.

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Os problemas da energia nuclear convencional são bem ilustrados pelo estado de dois reatores na usina Vogtle, no estado americano da Geórgia, que ainda estão inacabados depois de mais de uma década e US$ 28,5 bilhões em gastos de capital. A energia eólica e solar dependem de produtos manufaturados cujos custos tendem a cair com o aumento do número de instalações, da mesma forma que o poder de computação aumentou desde a década de 1960 sob a Lei de Moore. Isso explica por que eles ficaram tão baratos nos últimos anos, ultrapassando a geração de instalações atômicas em 2020. A energia nuclear depende de projetos de construção colossais, que não mostram essa tendência de declínio de custos. O aumento dos requisitos de segurança desde cerca de 1980 foi, sem dúvida, um fator importante no aumento da complexidade e do custo das próprias usinas.

Uma solução proposta foi imitar a economia das energias renováveis, transformando os reatores em um dispositivo produzido em massa também. Os chamados pequenos reatores modulares, ou SMRs, podem ser produzidos em grande número e instalados na escala da cidade, equipados com dispositivos de segurança passivos mais simples, em vez do padrão de sistemas redundantes labirínticos em usinas nucleares convencionais. Um projeto feito em parceria entre os Estados Unidos e a Romênia espera ter um desses dispositivos conectado em 2027 e uma planta de demonstração foi colocada em operação na China no ano passado. É tarde demais para ampliar uma nova tecnologia, dada a rapidez com que precisamos reduzir as emissões do setor de energia nesta década. Mas é um começo.

Os eventos em Zaporizhzhia, no entanto, mostram por que provavelmente continuaremos com a energia nuclear convencional. O maior problema com os SMRs sempre foi a segurança e a proliferação. As economias de escala ao lidar com esses riscos são imensas e se inclinam fortemente na direção do uso de grandes usinas de energia. Se você acha alarmante ficar de olho em quatro usinas nucleares contendo 15 reatores em uma zona de guerra instável, considere o quanto seria mais preocupante se houvesse, digamos, 50 delas. Em seguida, reflita sobre o fato de que a maioria dos projetos de SMR apenas reduz o risco de proliferação nuclear durante o abastecimento e descarte de resíduos por ter o combustível enriquecido a níveis próximos aos usados em armas nucleares.

O problema singular enfrentado pela energia nuclear é que nenhuma outra tecnologia de geração tem o potencial sombrio de despovoar uma região inteira por décadas. Ainda há pelo menos 36.000 evacuados do desastre de Fukushima espalhados pelo Japão. As medidas de segurança introduzidas para aliviar esse risco não são uma encenação de segurança desprovidas de sentido, mas um elemento essencial de aceitação pública para a energia atômica.

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Superar os desafios de custo não é simples – mas a transição energética deve facilitar. Aos preços do carbono de 98,49 euros (US$ 110) por tonelada métrica vistos na Europa no mês passado, mesmo o custo altíssimo da construção de novas usinas nucleares pode competir com o carvão. Dada a revolução que está acontecendo nos mercados globais de energia agora, é possível que eles possam enfrequecer e até superar o gás no futuro. A energia nuclear ainda não está morta – mas precisará de muito mais apoio estatal se quiser sobreviver nas próximas décadas.

David Fickling é colunista da Bloomberg e escreve sobre commodities e empresas tanto industriais como as que trabalham direto com o consumidor. Já foi repórter da Bloomberg News, do Dow Jones, do Wall Street Journal, do Financial Times e do The Guardian.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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