China pode ignorar o SWIFT colocando dinheiro digital em cena

O token e-CNY está “tecnicamente pronto” para uso internacional, de acordo com um white paper divulgado no ano passado pelo banco central

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Bloomberg Opinion — Cortar o acesso de alguns bancos russos ao SWIFT — a rede de mensagens no cerne da movimentação global de dinheiro — pode ser uma punição altamente eficaz pela invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin. Contudo, a medida dará a outros rivais geopolíticos, especialmente a China, a desculpa perfeita para promover versões digitais da moeda de seus próprios bancos centrais no comércio e nas finanças globais. Isso poderia enfraquecer a influência internacional do dólar.

Os principais pilares da hegemonia econômica dos Estados Unidos são o SWIFT, o CHIPS e o dólar. Transformar qualquer um deles em uma arma contra o sistema bancário da Rússia, a 11ª maior economia, convencerá a China de que ela precisa de uma alternativa ao trio para escapar do domínio do poder americano.

Com sede em Bruxelas, mas com um centro de dados na Virgínia, a Sociedade Cooperativa de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais, ou SWIFT, é um “panóptico financeiro” que permite a Washington vigiar os fluxos de fundos internacionais. No entanto, o policiamento real geralmente sai de Nova York, onde 95% dos pagamentos em dólares do mundo são liquidados de forma irrevogável.

O Sistema de Pagamentos Interbancários da Câmara de Compensação, ou CHIPS, é um clube privado de instituições financeiras. Seus 43 membros liquidam US$ 1,8 trilhão em transações todos os dias usando uma conta pré-financiada no Federal Reserve. Todos eles mantêm escritórios nos EUA e estão sujeitos à leiamericana, o que torna mais fácil para as autoridades exercerem seu poder legal. Milhões de dólares em taxas não valem os quase US$ 13 bilhões que membros do CHIPS, como o BNP Paribas, o Standard Chartered e outros, pagaram em multas ao longo de quase duas décadas de violações de sanções relacionadas ao Irã.

Como instrumento do poder americano, o CHIPS não passou despercebido em Pequim. Na batalha judicial canadense para impedir a extradição para os EUA da diretora financeira da Huawei Technologies, Meng Wanzhou, a empresa chinesa questionou a decisão do HSBC de processar US$ 100 milhões em transações da Skycom em Nova York. A Huawei argumentou que, como o HSBC sabia de seus vínculos com a Skycom, um parceiro com sede em Hong Kong que vendia equipamentos no Irã, o banco deveria ter encaminhado os fundos por meio de um sistema de compensação de dólares offshore menor na região administrativa especial chinesa - evitando assim colocar o dinheiro em solo americano.

Para livrar-se do jugo do CHIPS, a China criou seu próprio Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço, o CIPS. Este sistema liquida transações internacionais em yuan e pode potencialmente administrar sua própria rede de mensagens. (Desde 2016, ele usa o SWIFT como seu canal de comunicação). O CIPS cresceu rapidamente. Mas enquanto 40% dos pagamentos internacionais do mundo forem em dólares, uma rede de compensação para yuan – cuja participação é de 3% – não pode substituir o CHIPS. É aí que entra em cena o e-CNY, o yuan digital, que está passando por uma bateria de testes-piloto.

O token está “tecnicamente pronto” para uso internacional, de acordo com um white paper divulgado no ano passado pelo banco central, embora tenha sido “desenvolvido principalmente para pagamentos domésticos de varejo no momento”. Isso pode mudar. Se uma empresa ou indivíduo chinês enfrentasse a ameaça de não poder enviar dinheiro para o exterior porque o CHIPS não libera o pagamento ou o SWIFT não carrega as instruções, um intermediário em um país amigo sempre pode ser persuadido a aceitar e-CNY, e encaminhar um pagamento de stablecoin em dólar para a contraparte estrangeira do comprador chinês.

O intermediário não enfrenta risco de crédito porque está negociando em dinheiro soberano, apoiado pelos contribuintes da segunda maior economia do mundo. Nem haverá um risco de liquidação. O blockchain tornará todas as transações “atômicas”, o que significa que o dinheiro mudará de mãos – em formas tokenizadas – sem expor nenhuma das contrapartes a um limbo no qual entram com algo de valor, mas ficam sem receber a contraprestação acordada. Se o comprador chinês não tiver yuan válido para gastar, o vendedor não receberá o pagamento; o mensageiro não ficará sem dinheiro. E para converter seu yuan digital de volta para dólares – ou uma stablecoin, como o Tether ou USD Coin, que imita o dólar americano – o intermediário só precisa de pessoas do resto do mundo que queiram comprar bens e ativos chineses, para os quais eles teriam que enviar os e-CNY.

O SWIFT nunca verá a transação, o CHIPS não precisará aprová-la. De fato, nenhum banco ocidental será necessário para movimentar fundos entre os países. Mesmo que os EUA impeçam as empresas de stablecoin de fazer negócios com residentes chineses, não poderão impedir que entidades em um terceiro país comprem tokens de dólar em uma exchange de criptomoedas para pagar empresas regulamentadas pelos EUA. A esfera do domínio econômico americano pode encolher – não em um ou dois anos, mas talvez em uma década ou mais.

E essa é provavelmente a principal questão sobre o poder hegemônico. Nada o sobrepõe se as consequências de seu uso coercitivo – sistemas bancários em colapso, desvalorização de moedas nacionais, mercados de ações enfraquecidos – estiverem à mercê de potenciais alvos. No entanto, na prática, o resultado a longo prazo pode ser imprevisível: pode fazer com que futuros rivais se acovardem ou busquem uma alternativa viável. Essa alternativa poderia ser o e-CNY? Pequim pode não saber a resposta, mas após a semi-expulsão da Rússia da SWIFT, pode querer descobrir.

Andy Mukherjee é colunista da Bloomberg Opinion, cobrindo indústrias e serviços financeiros. Anteriormente, foi colunista da Reuters Breakingviews. Também trabalhou para o Straits Times, ET NOW e Bloomberg News.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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