‘É a destruição da 10ª economia global em tempo real’, diz especialista

Para Rodrigo Zeidan, autor do livro “Economics of Global Business”, crise cambial já está em curso porque Rússia não tem acesso a reservas e China pode fazer pouco para ajudar

"Crise cambial que pode descambar para uma crise financeira. Crise cambial aleija, crise cambial mata"
28 de Fevereiro, 2022 | 01:30 PM

Bloomberg Línea — A rápida escalada da guerra na Ucrânia e das sanções financeiras sem precedentes contra o Banco Central da Rússia têm potencial para provocar um colapso econômico no país porque tornou inacessíveis a maior parte de suas reservas em moeda forte. Nesta segunda (28), o rublo já perdeu 30% de seu valor e há uma corrida bancária no país.

“É bem importante entender que é uma crise cambial que pode descambar para uma crise financeira. A crise cambial aleija, a crise financeira mata”, disse o professor de finanças Rodrigo Zeidan, de Xangai (China) à Bloomberg Línea. Autor do livro “Economics of Global Business” (MIT Press), Zeidan é professor da New York University em Xangai e da Fundação Dom Cabral (Brasil).

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Nesta entrevista, Zeidan analisou o impacto das sanções adotadas à Rússia, o papel que a China joga nesta crise internacional e, comparando a atual crise com as do passado, cravou que o potencial de dano agora é muito maior do que em outros momentos do passado.

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Aqui os principais trechos da entrevista concedida por videochamada:

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Bloomberg Línea: Qual o potencial das sanções para a economia russa?

Rodrigo Zeidan: Estamos assistindo à destruição da décima maior economia global em tempo real. É um efeito interno das sanções superfortes que estão sendo aplicadas. O que acontece é que o sistema financeiro age em função da informação disponível. Se todo mundo acredita que as sanções vão ser pesadas, as pessoas vão reagir assim e isso causa corrida bancária, corrida por moeda forte, causa crise cambial.

BL: Nós já estamos vendo filas enormes para saques de dinheiro.

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RZ: Sim, estamos vendo, em tempo real. O rublo já caiu 20-30%, o Banco Central Russo já anunciou uma série de medidas de controle de capitais. A Rússia não tinha controle de capitais, assim como o Brasil. O sistema cambial da Rússia é um sistema de dirty floating (“flutuação suja”, em tradução literal, que designa um sistema de flutuação cambial livre, mas com possibilidades de intervenção do BC em momentos de alta volatilidade).

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BL: O que significa isso na prática?

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RZ: Você tem um trilema em economia política, isto é, você só pode ter duas entre três opções: câmbio fixo, conta de capitais aberta e autonomia de política monetária, que é mexer na taxa de juros. Você só pode ter dois. EUA, Europa, Japão e também Brasil e Rússia escolhem ter abertura de conta de capitais e autonomia de política monetária e, por isso, não têm câmbio fixo. A China tem câmbio fixo. No caso russo, o sistema financeiro é integrado ao resto do mundo. Então quando você tem sanções que fecham o acesso à moeda estrangeira, isso causa pânico internamente.

Tela mostra a cotação do rublo em casa de câmbio de Moscou no primeiro dia útil depois sanções levarem a moeda local ao seu ponto mais baixo e deixarem o presidente Vladimir Putin sem acesso a 640 bilhões em reservas internacionais

BL: A Rússia acumulou US$ 630 bilhões em reservas internacionais, parte delas em dólares, euros e também em ouro físico. O que acontece com esses ativos agora e qual a margem de manobra de Moscou?

RZ: A Rússia no momento não tem acesso à maior parte de suas reservas. A Rússia comprou muito ouro. E daí? O que ela vai fazer com esse ouro? O BC não pode vender e não pode trocar por dólar. Vai vender onde? O BC não tem acesso a clearing de dólar. Não tem como fazer compensação em moeda estrangeira neste momento, então não adianta ter reserva em ouro.

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BL: Qual é o papel que a China pode desempenhar para aliviar o peso das sanções sobre a Rússia, já que 17% destas reservas estão em yuan?

RZ: A China vai amortecer as sanções, mas não vai amortecer tudo que a Rússia vai precisar. O papel da China é tornar a vida dos russos um pouco menos difícil, mas não tem muito o que ela possa fazer. Várias empresas chinesas, por exemplo, terão de entrar nas sanções já que elas exportam e precisam de compensação em dólar. Elas não estão a fim de serem retaliadas indiretamente. A China então não tem tanta margem

BL: O que difere essas sanções de agora com as aplicadas a outros países, como Irã e Venezuela, em outros momentos?

RZ: Houve sanções a outros países, com economias menores no passado, mas nada deste gênero. Estas sanções de agora saíram da noite para o dia. As sanções contra o Irã e da Coreia do Norte, por exemplo, foram sempre sanções negociadas. Aquela coisa assim: se você não fizer a, b e c, vai sofrer sanções. Agora as sanções foram apenas sinalizadas de que poderiam ser aplicadas, mas ninguém acreditava que elas seriam colocadas em prática, inclusive porque não existia consenso. Até a Suíça, que ficou neutra na Segunda Guerra Mundial, vai aplicar sanções agora.

(Tuíte abaixo mostra a disposição das reservas russas: US$ 463 bilhões em reservas em ativos e outras moedas estrangeiras e US$ 132 bilhões em ouro)

BL: O Ocidente então aplicou as sanções rápido demais?

RZ: As sanções são completamente cabíveis, esta é minha opinião. Putin invadiu uma democracia. Esta resposta é o mínimo que o resto do mundo poderia oferecer. Quem sofre sempre é o povo. Eu vou fazer a pergunta de outro modo. Essas sanções valem a pena? Se o Putin recuar, valeram a pena. Se o Putin não recuar e bancar a destruição da Ucrânia e da Rússia, não terão valido a pena. Mas a culpa é de quem? Não é do Ocidente. O Ocidente é capaz de tirar as sanções no minuto seguinte.

BL: O que vem pela frente?

RZ: É bem importante entender que é uma crise cambial que pode descambar para uma crise financeira. A crise cambial aleija, a crise financeira mata. A crise financeira não está certa de que vai acontecer porque a economia russa funciona com rublo, mas a crise da Rússia de 1998 ensina isso. A crise de 1998, inclusive, gerou calote da dívida interna russa. E aquela não parece tão ruim para a Rússia quanto essa. Na crise de 1998, o FMI foi ajudar a Rússia. Não tem isso em 2022.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.