Bloomberg Línea — A rápida escalada da guerra na Ucrânia e das sanções financeiras sem precedentes contra o Banco Central da Rússia têm potencial para provocar um colapso econômico no país porque tornou inacessíveis a maior parte de suas reservas em moeda forte. Nesta segunda (28), o rublo já perdeu 30% de seu valor e há uma corrida bancária no país.
“É bem importante entender que é uma crise cambial que pode descambar para uma crise financeira. A crise cambial aleija, a crise financeira mata”, disse o professor de finanças Rodrigo Zeidan, de Xangai (China) à Bloomberg Línea. Autor do livro “Economics of Global Business” (MIT Press), Zeidan é professor da New York University em Xangai e da Fundação Dom Cabral (Brasil).
Nesta entrevista, Zeidan analisou o impacto das sanções adotadas à Rússia, o papel que a China joga nesta crise internacional e, comparando a atual crise com as do passado, cravou que o potencial de dano agora é muito maior do que em outros momentos do passado.
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Aqui os principais trechos da entrevista concedida por videochamada:
Bloomberg Línea: Qual o potencial das sanções para a economia russa?
Rodrigo Zeidan: Estamos assistindo à destruição da décima maior economia global em tempo real. É um efeito interno das sanções superfortes que estão sendo aplicadas. O que acontece é que o sistema financeiro age em função da informação disponível. Se todo mundo acredita que as sanções vão ser pesadas, as pessoas vão reagir assim e isso causa corrida bancária, corrida por moeda forte, causa crise cambial.
BL: Nós já estamos vendo filas enormes para saques de dinheiro.
RZ: Sim, estamos vendo, em tempo real. O rublo já caiu 20-30%, o Banco Central Russo já anunciou uma série de medidas de controle de capitais. A Rússia não tinha controle de capitais, assim como o Brasil. O sistema cambial da Rússia é um sistema de dirty floating (“flutuação suja”, em tradução literal, que designa um sistema de flutuação cambial livre, mas com possibilidades de intervenção do BC em momentos de alta volatilidade).
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BL: O que significa isso na prática?
RZ: Você tem um trilema em economia política, isto é, você só pode ter duas entre três opções: câmbio fixo, conta de capitais aberta e autonomia de política monetária, que é mexer na taxa de juros. Você só pode ter dois. EUA, Europa, Japão e também Brasil e Rússia escolhem ter abertura de conta de capitais e autonomia de política monetária e, por isso, não têm câmbio fixo. A China tem câmbio fixo. No caso russo, o sistema financeiro é integrado ao resto do mundo. Então quando você tem sanções que fecham o acesso à moeda estrangeira, isso causa pânico internamente.
BL: A Rússia acumulou US$ 630 bilhões em reservas internacionais, parte delas em dólares, euros e também em ouro físico. O que acontece com esses ativos agora e qual a margem de manobra de Moscou?
RZ: A Rússia no momento não tem acesso à maior parte de suas reservas. A Rússia comprou muito ouro. E daí? O que ela vai fazer com esse ouro? O BC não pode vender e não pode trocar por dólar. Vai vender onde? O BC não tem acesso a clearing de dólar. Não tem como fazer compensação em moeda estrangeira neste momento, então não adianta ter reserva em ouro.
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BL: Qual é o papel que a China pode desempenhar para aliviar o peso das sanções sobre a Rússia, já que 17% destas reservas estão em yuan?
RZ: A China vai amortecer as sanções, mas não vai amortecer tudo que a Rússia vai precisar. O papel da China é tornar a vida dos russos um pouco menos difícil, mas não tem muito o que ela possa fazer. Várias empresas chinesas, por exemplo, terão de entrar nas sanções já que elas exportam e precisam de compensação em dólar. Elas não estão a fim de serem retaliadas indiretamente. A China então não tem tanta margem
BL: O que difere essas sanções de agora com as aplicadas a outros países, como Irã e Venezuela, em outros momentos?
RZ: Houve sanções a outros países, com economias menores no passado, mas nada deste gênero. Estas sanções de agora saíram da noite para o dia. As sanções contra o Irã e da Coreia do Norte, por exemplo, foram sempre sanções negociadas. Aquela coisa assim: se você não fizer a, b e c, vai sofrer sanções. Agora as sanções foram apenas sinalizadas de que poderiam ser aplicadas, mas ninguém acreditava que elas seriam colocadas em prática, inclusive porque não existia consenso. Até a Suíça, que ficou neutra na Segunda Guerra Mundial, vai aplicar sanções agora.
(Tuíte abaixo mostra a disposição das reservas russas: US$ 463 bilhões em reservas em ativos e outras moedas estrangeiras e US$ 132 bilhões em ouro)
BL: O Ocidente então aplicou as sanções rápido demais?
RZ: As sanções são completamente cabíveis, esta é minha opinião. Putin invadiu uma democracia. Esta resposta é o mínimo que o resto do mundo poderia oferecer. Quem sofre sempre é o povo. Eu vou fazer a pergunta de outro modo. Essas sanções valem a pena? Se o Putin recuar, valeram a pena. Se o Putin não recuar e bancar a destruição da Ucrânia e da Rússia, não terão valido a pena. Mas a culpa é de quem? Não é do Ocidente. O Ocidente é capaz de tirar as sanções no minuto seguinte.
BL: O que vem pela frente?
RZ: É bem importante entender que é uma crise cambial que pode descambar para uma crise financeira. A crise cambial aleija, a crise financeira mata. A crise financeira não está certa de que vai acontecer porque a economia russa funciona com rublo, mas a crise da Rússia de 1998 ensina isso. A crise de 1998, inclusive, gerou calote da dívida interna russa. E aquela não parece tão ruim para a Rússia quanto essa. Na crise de 1998, o FMI foi ajudar a Rússia. Não tem isso em 2022.
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