São Paulo — O conflito bélico entre Rússia e Ucrânia pode impulsionar a inflação no Brasil com o encarecimento de insumos, como trigo e milho, segundo especialista. A Rússia é um dos principais produtores de trigo e milho do mundo, o que poderia impactar diretamente as cotações desses produtos e a vida do consumidor brasileiro.
“Caso o conflito faça com que o fornecimento dessas commodities seja freado, o produto brasileiro ganha, já que o preço delas deve encarecer. Por outro lado, o consumidor perde, já que com as mercadorias sendo vendidas para o exterior a oferta no Brasil fica mais escassa”, diz Helmuth Hofstatter Filho, CEO da Logcomex, startup de big data para comércio exterior.
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Há outros insumos importantes na pauta de importações do Brasil. Segundo dados da Logcomex, a Rússia foi a principal fornecedora de cloreto de potássio para o Brasil em valor transacionado, com US$ 1, 4 bilhão (34% do total) em 2021, e a segunda em peso transacionado com 3,84 mil toneladas (29 do total).
“Quando falamos em comércio exterior, a Rússia, sem dúvidas, é um dos principais parceiros comerciais brasileiros ao longo dos últimos anos. Só no ano passado, o país estava em 10º lugar entre os países que o Brasil mais importou”, diz o CEO da Logcomex.
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Entre os principais produtos estão os insumos para a produção de fertilizantes. Para Helmuth, isso é motivo de alerta.
“Se analisarmos os principais produtos importados da Rússia, vemos cloretos de potássio, amônio e uréia, que são componentes importantes para a produção de fertilizantes. Dessa maneira, caso o conflito acarrete na redução do fornecimento desses suprimentos, a tendência é o setor do agronegócio sofrer com isso”, avalia.
Confira os 10 produtos russos mais importados pelo Brasil em 2021
- Cloretos de potássio - US$1.444.217.232,45
- Diidrogeno-ortofosfato de amônio - US$889.095.810,39
- Uréia - US$ 514.303.474,02
- Hulha betuminosa - US$ 411.738.423,17
- Nitrato de amônio - US$ 397.119.747,44
- Adubos (fertilizantes) minerais ou químicos, que contenham os três elementos fertilizantes: Nitrogênio (azoto), fósforo e potássio - US$354.633.490.25
- Alumínio - US$ 138.708.682,55
- Hulha antracito - US$ 66.084.187,48
- Malte - US$ 64.032.076,51
- Produtos laminados planos de ferro ou aço - US$ 54.417.823,68
Expectativa de inflação
Hoje, o Banco MUFG Brasil, controlado pelo grupo financeiro Mitsukishi UFJ Financial, revisou para cima sua projeção para a inflação oficial do Brasil, citando a escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia e o impacto no preço de insumos.
Antes, a previsão do banco era de IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 4% em 2022. Agora subiu para 5,5% para todo este ano.
“Os principais fatores para essa revisão são: aumento da inflação de alimentos devido ao clima desfavorável afetando culturas relevantes como soja, milho e arroz; pressão adicional sobre os preços dos combustíveis em meio ao contínuo aumento dos preços do petróleo no exterior e risco de níveis ainda mais altos em caso de escalada da guerra entre a Rússia e a Ucrânia; melhor controle da pandemia nos próximos meses levando a algum repasse de custos para os preços dos serviços; escassez de insumos ainda impactando os preços industriais nos próximos meses”, pontuou o banco, em nota.
Para Ricardo Leite, estrategista-chefe da Diagrama Investimentos, o panorama mundial da economia fica instável e afeta todas as populações ao redor do planeta, e o consumidor vai sentir seu poder de compra diminuir cada vez mais.
“No Brasil, a inflação deverá permanecer como um problema por um tempo, no começo a inflação estava concentrada em alimentos e combustíveis, mas agora vemos se espalhar por diversos setores influenciando uma pressão em cadeia”, comentou, em nota.
A escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia pode dificultar os esforços do Banco Central de controlar as pressões inflacionárias, tendo efeito na condução da política monetária. O Copom (Comitê de Política Monetária) do BC se reúne nos próximos dias 15 e 16 de março. Hoje a taxa Selic está em 10,75% ao ano.
“Guerras são essencialmente inflacionárias para o mundo. Ao mesmo tempo, os riscos recessivos de um novo choque no petróleo deixam os bancos centrais em corner, especialmente em economias como EUA e Europa. Para os emergentes, há pouco espaço para ser condescendente com a inflação, o que deveria manter o plano de voo do Copom para a Selic”, citou análise dos economistas do Banco Original, Marco Caruso (economista-chefe), Lisandra Barbero e Eduardo Vilarim.
As próximas decisões dos bancos centrais nos países desenvolvidos e emergentes devem considerar o agravamento do cenário geopolítico com os últimos acontecimentos. “A guerra regional intensificará as pressões inflacionárias globalmente, e os mercados de energia ainda poderão ver outro aumento maciço depois que os EUA e seus aliados responderem. Os riscos de estagflação complicarão o que os bancos centrais farão daqui para frente, mas agora os investidores estão vendendo ações e acumulando commodities”, observou Edward Moya, analista de mercado financeiro da OANDA em Nova York.
(atualiza às 12h com notas do MUFG Brasil, da Diagrama Investimentos, do Banco Original e da OANDA)
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