Bloomberg Opinion — Uma empresa de biotecnologia sul-africana recriou pequenas quantidades da vacina da Moderna (MRNA) contra covid-19. A conquista, feita em parceria com a Organização Mundial da Saúde, faz parte de um plano mais amplo para ajudar os países de baixa e média renda a se tornarem menos dependentes dos fabricantes de medicamentos dos Estados Unidos e da Europa, que demoram a enviar suas vacinas.
A OMS está investindo US$ 100 milhões ao longo de cinco anos para desenvolver um hub de mRNA na África do Sul, com conhecimento centralizado na Afrigen Biologics and Vaccines. Espera-se que a Afrigen compartilhe o know-how que desenvolve com outros países ansiosos para estabelecer sua própria infraestrutura de vacinas. Brasil e Argentina são os próximos da fila.
Esse plano ambicioso pode preparar países para responder melhor a futuras pandemias – bem como a mazelas atuais, como malária e tuberculose. Também é exatamente o tipo de programa que pode perder força quando a ameaça da covid se tornar menos aguda e a atenção global mudar para outro lugar.
Para garantir que o impulso continue, empresas como Moderna, Pfizer (PFE) e BioNTech (BNTX) devem colaborar compartilhando seu conhecimento de fabricação de vacinas.
O objetivo da Afrigen é projetar e, com o Instituto Biovac (outro parceiro da rede da OMS), fabricar uma nova vacina. A cópia da vacina Moderna tem sido muito comentada, mas os cientistas sul-africanos desejam, em última instância, criar sua própria propriedade intelectual.
A intenção original era licenciar propriedade intelectual da Moderna ou da Pfizer/BioNTech. Em outubro, quando a OMS disse que havia contratado a Afrigen para elaborar a receita da vacina Moderna, a agência global de saúde parecia confiante de que as empresas concederiam acesso às suas tecnologias. Depois que as tentativas de envolvê-las não deram certo, o grupo mudou sua estratégia para desenvolver uma vacina separada.
Idealmente, a vacina criada pela Afrigen finalmente será uma vacina de mRNA relativamente fácil e barata de produzir e estável à temperatura ambiente – ou pelo menos na geladeira – para que seja prática em locais com distribuição irregular.
A Afrigen conseguiu produzir a vacina da Moderna em microlitros, analisando documentos publicamente disponíveis que detalhavam seus vários componentes. Um feito impressionante, mas “microlitros é a palavra-chave”, disse Patrick Arbuthnot, especialista em terapia genética da Universidade de Witwatersrand, que está ajudando no projeto. Isso é o suficiente para vacinar um camundongo. Fazer o suficiente para um país ou continente inteiro é uma proposta diferente.
Garantir todos os componentes para fazer uma vacina não será fácil. Uma necessidade específica se trata das grandes quantidades de bases modificadas – blocos de mRNA que adaptados para sobreviver ao ambiente inóspito das células vivas – e as enzimas usadas para ligá-las. Outra está relacionada aos lipídios que formam uma bolha protetora ao redor do mRNA à medida que este viaja para as células. Esses componentes de nanopartículas lipídicas ficaram escassos durante a pandemia. As empresas de manufatura aumentaram a capacidade no ano passado, mas a fila de clientes é muito longa.
Petro Terblanche, CEO da Afrigen, disse que o marco da vacina de sua empresa teria sido alcançado há três meses, não fosse a longa espera por essas matérias-primas essenciais – e isso foi apenas para fazer uma dose da vacina para um camundongo.
Obstáculos técnicos impedem a passagem de camundongos para milhões de humanos. As empresas de vacinas devem documentar para as autoridades reguladoras cada etapa de seu processo de fabricação, e Terblanche diz que a vacina da Moderna tem 900 etapas.
Muitas coisas precisam dar certo para que esse esforço seja bem-sucedido.
A ajuda da Moderna e da Pfizer/BioNTech pode melhorar significativamente suas chances. A Afrigen e a OMS também ficariam felizes com a ajuda de qualquer uma das outras empresas que possuem vacinas contra covid baseadas em mRNA ainda em desenvolvimento.
Até agora, as empresas só opinaram sobre o tema das patentes. A Moderna disse que não aplicará suas patentes de vacina durante a pandemia. A Pfizer tem sido mais relutante. Ano passado, quando o o presidente Joe Biden endossou a renúncia aos direitos de patente sobre as vacinas contra covid, o CEO da Pfizer, Albert Bourla, argumentou que isso prejudicaria a capacidade de a empresa de acessar matérias-primas e desincentivaria as empresas de fazer investimentos arriscados em futuras pandemias. Enquanto isso, a BioNTech vem trabalhando ativamente para minar os esforços da Afrigen, segundo relatório recente do periódico BMJ, alegando que o motivo foi violação de patente.
No entanto, as patentes, embora úteis, não são o problema principal. A Afrigen pode criar a própria vacina. No entanto, o processo pode ficar estagnado por anos, a menos que as grandes fabricantes de vacinas compartilhem seu know-how para produzir em grande escala.
Ao resistir aos apelos de ajuda da OMS, as empresas implicam que o negócio de vacinas é muito complicado para qualquer país sem um próspero ecossistema biofarmacêutico – então é melhor deixar as empresas americanas e europeias lidarem com isso. Tanto a Moderna quanto a BioNTech estão construindo unidades na África para fornecer ao continente suas próprias vacinas contra covid. E a Pfizer fez uma parceria com a Biovac para colocar sua vacina em frascos e distribuí-la. Todos esses esforços para distribuir vacinas contra a covid em todo o mundo são necessários e bem-vindos.
Mas também é essencial que os países de baixa e média renda possam ter a capacidade de desenvolver as próprias vacinas. É do interesse dos governos dos EUA e da Europa investir para garantir que o ímpeto do esforço da Afrigen continue enquanto o surto de covid-19 diminui – para que todos os países possam enfrentar melhor o próximo surto de covid e a próxima pandemia. Moderna e Pfizer/BioNTech só precisam emprestar seu conhecimento.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lisa Jarvis, ex-editora executiva do Chemical & Engineering News, escreve sobre biotecnologia, novos medicamentos e indústria farmacêutica para a Bloomberg Opinion.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
- Wall Street volta ao escritório, mas reguladores ficam em casa
- Os mercados não sabem valorizar a paz
- Reduzir tributo não vai baixar preço dos combustíveis, diz professor
© 2022 Bloomberg L.P.