Bloomberg Opinion — É sempre complicado negociar em cenários de guerra em potencial. Avaliar qualquer possível efeito negativo – bem como sua magnitude – nunca é simples. Mas o outro lado também é real. Se a situação da Ucrânia melhorar, não haverá uma reversão organizada das oscilações recentes do mercado. As coisas continuarão complicadas se a Rússia se acalmar.
O que torna o problema particularmente confuso é que os ativos de refúgio óbvios – como o dólar e os títulos do Tesouro dos Estados Unidos de curto prazo – não foram necessariamente positivos para investidores durante a crise. O dólar, o iene e o franco suíço sofreram quedas. O ouro se saiu bem, mas não de forma espetacular, principalmente em comparação com os metais de uso industrial. Os rendimentos alemães de 10 anos – porto seguro da Europa – estão no nível mais alto desde o final de 2018, tendo sido resolutamente positivos. Não houve proteção contra entrar de corpo e alma em renda fixa de alta qualidade.
O item fundamental de curto prazo para a direção do mercado é a energia – mesmo que o aumento dos custos de habitação, alimentos e outras commodities preocupe os banqueiros centrais. O petróleo bruto ameaça ultrapassar a barreira dos US$ 100 há algum tempo – e pode continuar a fazê-lo mesmo que a perspectiva de guerra na Europa desapareça. Isso ocorre porque ainda há um forte crescimento econômico global pós-pandemia e diversos gargalos logísticos que mantém os preços em alta. Pelo menos, em teoria.
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Ainda assim, os banqueiros centrais ficariam aliviados se a paz chegar e levar a uma queda acentuada nos preços do gás e do petróleo. Isso ajudaria a acabar com os persistentes – e embaraçosos – aumentos na inflação que levaram a mudanças bruscas na orientação de taxas dos principais bancos centrais do mundo. É preciso tomar uma dose de realismo sobre o quanto as taxas podem aumentar. Mas talvez estaremos esperando muito.
Os mercados de títulos têm sua própria crise subjacente sobre a inflação para resolver. Com partes da curva de juros do Tesouro dos EUA prestes a se inverter, há muitos sinais conflitantes sobre o quanto as taxas podem aumentar antes que a recuperação seja afetada. Os rendimentos de curto prazo não podem continuar subindo mais rápido do que os de longo prazo para sempre. Contudo, há outros problemas, incluindo sinais mais claros de estresse na zona do euro. Os rendimentos espanhóis de 10 anos subiram para um ágio de 100 pontos base sobre os da Alemanha – o maior desde meados de 2020 – enquanto isso, os rendimentos italianos de 10 anos estão se aproximando de 2%. Não é uma crise, mas é desconfortável. A eleição presidencial da França em abril aumentará a tensão da conjuntura.
Os spreads de crédito – o ágio que as empresas devem oferecer acima da dívida do governo – sentiram a tensão recentemente, apesar das economias subjacentes fortes. Juntamente com a situação da Ucrânia, os rendimentos cada vez mais altos do governo têm pesado fortemente sobre todos os títulos. As novas emissões se esgotaram, e apenas os emissores de maior qualidade se sentiram confiantes em testar a demanda dos investidores. Na terça-feira (15), a Bélgica assinou com sucesso um acordo de 30 anos, com pedidos superiores a 36 bilhões de euros (US$ 40,9 bilhões).
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Mas já há sinais promissores de que a oferta de títulos corporativos se recuperará rapidamente. A Prologis (PLD) levantou 500 milhões de libras (US$ 677 milhões) em um acordo verde de duas parcelas, e a BMW Finance fez um acordo de benchmark em euros. Os emissores estarão interessados em levantar financiamento antes das taxas mais altas. Se a tendência de aumento do rendimento se estabilizar, eles atenderão com satisfação à demanda dos investidores. Há muito dinheiro a ser injetado se não houver uma guerra.
Enquanto isso, as ações podem (e provavelmente devem) dar uma pausa muito necessária após um problemático 2022 até o momento. É questionável o quanto da correção recente se deveu aos nervos da Europa Oriental. O desenrolar das ações de tecnologia e das meme stocks também contribuiu substancialmente. Haverá mais pela frente se as taxas de juros subirem firmemente.
Este ano teve um começo difícil, que seria ampliado consideravelmente se a pior das hipóteses ocorrer na Ucrânia. Mas uma resolução que não envolva derramamento de sangue apenas mudaria a ordem da lista de pressões subjacentes. A recuperação desarticulada com seu estouro inflacionário vai continuar com seus altos e baixos. Então, com certeza devemos mantê-la em ordem. Não espere por um dividendo de paz.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Marcus Ashworth é colunista da Bloomberg Opinion que cobre os mercados europeus. Passou três décadas no setor bancário, mais recentemente como diretor de estratégia de mercado na Haitong Securities em Londres.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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