Bloomberg Opinion — Os esforços diplomáticos para impedir o ataque ameaçado da Rússia à Ucrânia ainda não terminaram – e parece que discutir o futuro relacionamento da Ucrânia com a Otan não é tão impensável quanto os Estados Unidos e seus aliados sustentam. E isso é bom. Fazer sucesso com qualquer abordagem do tipo não será fácil, mas, se a alternativa é a guerra, vale a pena tentar.
Na viagem entre Moscou e Kiev na semana passada, o presidente francês Emmanuel Macron teria dito a jornalistas que a “Finlandização” estava “em discussão”. Mais tarde, ele negou ter dito isso, e o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy disse que não tinha ouvido Macron usar o termo (uma negação curiosamente específica). De qualquer forma, Macron disse que algumas preocupações de segurança russas deveriam ser abordadas. Evidentemente, a perspectiva da adesão da Ucrânia à Otan é uma delas.
No domingo (13), o embaixador da Ucrânia no Reino Unido disse à BBC que seu país pode concordar em não se juntar à Otan se for necessário para evitar a guerra. Ele também esclareceu suas observações posteriormente, apontando que a Ucrânia tem um compromisso constitucional de se juntar à aliança (sem pontuar que as constituições podem ser alteradas ou que os compromissos constitucionais podem deixados de lado indefinidamente).
Certamente seria errado se Macron ou o líder de qualquer outro país da Otan discutisse o futuro da Ucrânia com Putin, a menos que o governo da Ucrânia fosse um participante consentido e totalmente informado do processo. A questão, no entanto, é o que a Ucrânia gostaria ou deveria querer se tivesse sido sobre como está em relação à aliança.
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Se, ao suspender suas ambições com a Otan, a Ucrânia não perder nada de valor real e der a Putin uma saída desta crise, esse é um caminho que pode ser escolhido racionalmente.
Esclarecendo: não é que a Otan deveria afirmar que a Ucrânia nunca entraria para a aliança. O acordo pode ser a Ucrânia concordar em não aderir por enquanto e apenas enquanto algumas outras condições – incluindo as garantias de sua integridade territorial e, digamos, acordos entre a Otan e a Rússia sobre uso de tropas perto das fronteiras – forem atendidas. Há muitas maneiras de codificar um acordo de que a Ucrânia não entrará para a Otan tão cedo.
Além disso, ter de fazer essa escolha não afeta a soberania da Ucrânia. A soberania não inclui o direito de participar de alianças que optam por não tê-lo como membro. E soberania não é poder (os oponentes do Brexit nunca se cansaram de martelar isso). A Ucrânia é fraca por causa de sua localização e histórico, e porque a Rússia está em posição de fazer exigências. Se a Otan estivesse disposta a tornar a Ucrânia membro da aliança e fazer o que fosse necessário para defendê-la, a Ucrânia seria muito menos fraca. Mas a Otan não está disposta a fazer isso.
Por que então é errado dizer finlandização? Peter Spiegel, do Financial Times, diz: “Não diga essa palavra a um finlandês”. O termo faz referência às décadas da Guerra Fria, quando a Finlândia foi fortemente influenciada, mas não controlada, pela União Soviética. Os finlandeses se opõem ao termo e à ideia, escreve Spiegel, porque não reconhecem sua orientação de longo prazo para o Ocidente nem reconhecem que Helsinque teve independência durante o período soviético. Segundo ele, agora o mesmo vale para a Ucrânia (exceto, presumivelmente, que a orientação do país para o Ocidente ainda não é de muito longo prazo). O principal é que a Ucrânia quer ser vista como uma nação soberana independente, não um apêndice russo. Certo, mas a finlandização não serviria para isso?
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Uma reportagem do New York Times com a manchete “Finns Don’t Wish ‘Finlandization’ on Ukraine (or Anyone)” (em tradução livre: “Os finlandeses não desejam a ‘finlandização’ para Ucrânia (nem para ninguém)”) termina assim:
O conceito pode estar na mente daqueles que procuram uma solução para a crise na Ucrânia, mas na Finlândia nem todos a conhecem bem.
“Ouvi o termo ‘finlandização’ no noticiário de ontem”, disse Marleene Rytioja, de 35 anos, enquanto perseguia seu filho de dois anos na seção infantil da biblioteca. “Eu tinha ouvido o termo na escola, mas não sei o que significa”.
Ela disse que parecia ter uma conotação negativa, mas que a ideia de a Rússia determinar qualquer coisa em sua vida parecia completamente alheia à sua realidade.
“Eu me sinto ocidental, é claro”, disse ela. “Não somos russos”.
Posso estar errado, mas isso não sugere que a finlandização funcionou muito bem?
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Clive Crook é colunista da Bloomberg Opinion e membro do conselho editorial que cobre economia, finanças e política. Ex-comentarista-chefe de Washington para o Financial Times, também foi editor do The Economist e do The Atlantic.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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