Bloomberg — O primeiro vislumbre de esperança para o setor de turismo em 2020 foi quando cidadãos confinados começaram a fazer algo novo em meio à pandemia: não apenas trabalhar de casa, como trabalhar de qualquer lugar. Trabalhadores viajavam por semanas ou até meses a locais com bom sinal de Wi-Fi só para se vangloriar de poder dar um mergulho antes daquela reunião no Zoom.
Hoje, a era de cortar raízes de sua cidade natal pode parecer distante tanto quanto a possibilidade de uma semana normal de trabalho presencial. Agora, vem aí uma nova versão dessa tendência, que pode ser um grande benefício para o setor de viagens.
A capacidade de trabalhar em casa está mudando profunda e permanentemente a maneira como viajamos. Políticas corporativas mais lenientes significam que muitos funcionários podem viajar a qualquer hora, mesmo durante as semanas de trabalho, desde que possam cumprir seus prazos de longe. Isso, por sua vez, facilitou para as pessoas viajarem com mais frequência e por mais tempo, às vezes chegando a destinos mais distantes. A mistura de trabalho e lazer, que alguns especialistas do setor (irritantemente) chamam de “bleisure” (junção das palavras “business” e “leisure”, que significam “negócios” e “lazer” em inglês), ajudou muito as companhias aéreas a compensar o tráfego perdido.
“O ‘grande êxodo não é uma tendência, é permanente”, diz Chris Lehane, chefe global de políticas e comunicações do Airbnb (ABNB). “É um padrão durável que teria acontecido em algum momento, mesmo sem a pandemia”.
“Quando você pensa nas tecnologias que transformaram as viagens, o que estamos fazendo agora (comunicando-nos e trabalhando pelo Zoom) talvez seja ainda maior do que o advento dos trens a vapor ou voos comerciais”, prossegue Lehane. “Toda a concepção de ‘viagem’ está passando por uma mudança agora”.
Por isso, empresas tão abrangentes como Airbnb, Deloitte e a publicação especializada em viagens Skift consideraram a permanência do trabalho remoto o maior fator de mudança nas viagens para 2022. Veja como isso afetará suas próprias experiências em viagens, muito além do fim da pandemia.
Ver mais: Nômades digitais e trabalho híbrido dominam América Latina em 2022
Você vai viajar mais
De acordo com uma perspectiva do setor de viagens da Deloitte para 2022, pessoas com a intenção de encaixar o trabalho em suas viagens também planejavam viajar duas vezes mais do que aquelas que buscavam tempo para se desconectar. Os “laptop luggers”, como a Deloitte chama os trabalhadores que levam seus notebooks consigo, farão de duas a quatro viagens por ano, em comparação com uma a duas para os “desconectados”, e 75% deles acrescentarão tempo extra às suas férias (apenas 6% adicionará várias semanas, a maioria – 38% – prefere três a seis dias).
“É um benefício para o setor”, diz Eileen Crowley, líder de viagens da Deloitte. “Viajantes que trabalham remotamente gastam mais”. Aí existe um potencial maior. Eles também ficaram um pouco melhor financeiramente durante a pandemia, então também podem aumentar seus orçamentos de viagem”.
O CEO do Kayak, Steve Hafner, concorda. Em uma conferência da Skift sobre as megatendências que moldarão as viagens em 2022, ele disse: “Quando você trabalha de qualquer lugar, isso significa fazer mais viagens a lazer. Se você não precisa ir a um escritório, pode ir a muitos outros lugares”.
Lehane, do Airbnb, diz que a capacidade de levar o trabalho para onde sua família quer ir significa que “agora você pode organizar sua vida profissional com foco em sua família, em vez de adaptar sua família a seu trabalho”.
E isso também beneficia hotéis e destinos, pois eles se tornam menos dependentes da alta temporada, quando ficam lotados, que era a época que tradicionalmente era conveniente viajar – como, por exemplo, durante as férias escolares.
As estadias também estão ficando mais extensas. Em um relatório de tendências para o novo ano, o Airbnb compartilhou que, no terceiro trimestre de 2021 (período dos dados mais recentes), quase metade das diárias reservadas em sua plataforma foram para estadias de pelo menos sete dias, em relação a 44% em 2019. Uma em cada cinco diárias reservadas no trimestre foi para estadias de 28 dias ou mais.
E os dados da plataforma de gerenciamento de propriedades de férias Guesty sugerem que a tendência de estadias prolongadas continuou crescendo durante a pandemia. Em 2021, as reservas para mais de 14 dias cresceram 33% em relação ao ano anterior, com um aumento acumulado de 121% desde 2019.
Viagens a trabalho serão mais divertidas
Não desconsidere as viagens puramente a trabalho – elas ainda acontecem. Mas estão evoluindo. “A cultura de trabalho está realmente sendo permeada por equipes distribuídas”, diz Evan Konwiser, vice-presidente executivo de produtos e estratégias da American Express Global Business Travel. “Não percebemos o quanto dependíamos dos escritórios. Mas agora as viagens estão surgindo como uma ótima maneira de ‘descomoditizar’ a experiência de trabalho”.
Ver mais: Brasil regulamenta concessão de visto para nômade digital
Segundo ele, reunir a equipe de maneira divertida tornou-se uma abordagem popular para 2022, mesmo que a maioria das empresas ainda opte por realizar eventos de treinamento de equipes em sua sede ou de maneira híbrida. Mas as outliers – empresas que estão planejando esses retiros em hotéis fazenda, por exemplo – estão ficando mais populares, estimulando a esperança de que a sensação de férias possa se espalhar para as viagens de negócios da mesma forma que os negócios se infiltraram nas viagens de lazer.
Alguns chamam isso de pressão para a “grande reconexão”. Empresas de planejamento de retiros, como a Troop e a NextRetreat, estão entre as startups do setor de viagens que fizeram rodadas de financiamento de sementes em 2021. E, segundo a Skift, Marc Benioff, da Salesforce.com (CRM), já sinalizou a possibilidade de construir um resort para os colaboradores, onde estes possam passar algum tempo para formar equipas, fazer treinamentos ou mesmo passar férias com a família”.
Muitos detalhes ainda estão sendo discutidos. Mas espere fazer mais viagens a trabalho em 2022, mesmo que seja apenas para voltar ao escritório a cada três meses para se reunir com sua equipe.
“Reuniões fora da empresa farão parte da brincadeira”, diz Konwiser. “No momento, as pessoas estão dizendo que foi bom ficar com os colegas por um dia”. E as empresas vão se esforçar mais para garantir que a experiência de viagem seja positiva, acrescenta. “Talvez eu possa usar esta semana para fazer com que você, membro da equipe, sinta o poder de nossa cultura. Vou acomodá-lo em um hotel de beira de estrada ou em um hotel boutique descolado no coração da cidade?”
Talvez seu hotel seja um pouco diferente
Como os trabalhadores remotos representam um mercado totalmente novo para o setor de viagens, os provedores de acomodações vão correr para atender às suas necessidades – se ainda não o fizeram. Para os “laptop luggers”, o aluguel de casas de temporada é mais vantajoso porque oferece espaço para separar o trabalho do lazer, diz Crowley, da Deloitte. E empresas iniciantes como a Landing, que cobra dos usuários US$ 199 por ano para acessar um portfólio global de opções de aluguel para um mês, surgiram para atender à demanda dos nômades digitais.
As empresas hoteleiras também estão tentando voltar para essa área. O Citizen M, por exemplo, criou um programa de assinatura que oferece diárias fixas e descontos em alimentos e bebidas quando os nômades digitais se comprometerem com uma estadia de um mês; valor normalmente chega a US$ 1,5 mil por mês, mesmo em mercados imobiliários caros, como Nova York, Amsterdã ou Paris. A rede de hotéis Hoxton anunciou tarifas especiais para hóspedes que precisam passar a noite perto do escritório, e o Mandarin Oriental, em Washington, está entre os hotéis que oferecem diárias para trabalhadores remotos em busca de espaço extra. Outras empresas certamente seguirão o exemplo. Em outros lugares, os hotéis estão repensando o antigo centro de negócios; alguns estão transformando quartos em estações de trabalho ou acrescentando uma variedade maior de materiais de escritório (e serviços de impressão) aos padrões do quarto.
Ver mais: Global Entry: Entrada de brasileiros nos EUA pode ficar mais fácil
Enquanto isso, resorts em destinos de luxo estão mudando de forma a incluir espaços de escritório e outras áreas flexíveis que podem ser equipadas com, por exemplo, equipamentos de ginástica ou de berçário. As novas construções são projetadas para conter menos quartos quadrados e suítes mais espaçosas. E nunca os gerentes gerais se preocuparam tanto com a força e a confiabilidade de suas redes Wi-Fi; isso está muito longe dos dias em que o Wi-Fi gratuito era considerado um luxo (aliás, lembre-se de que não faz tempo que passamos por essa época).
Talvez você não descanse tanto
Uma possível desvantagem das viagens híbridas de negócios e lazer é que as pessoas esquecerão o valor de se desconectar de verdade. E as pressões de estar “sempre conectado” podem nos acompanhar em todos os lugares.
E não conte com uma reserva naquele destino que você tanto quer visitar. Entre a demanda reprimida e a capacidade de viajar a qualquer hora para qualquer lugar, a disponibilidade nos principais resorts continua a mais escassa de todos os tempos.
“Tivemos anos recordes em vários de nossos resorts”, diz Craig Read, CEO da Auberge Resorts Collection “A demanda está tão alta em algumas de nossas propriedades que, mesmo quando perguntei se a equipe de reservas arranjar um lugar para mim e minha família, eles dizem que não”.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
- Imóveis de luxo de São Paulo atraem jovens sócios de startups de tecnologia
- Covid-19: endemia, epidemia ou pandemia? Conheça as diferenças
© 2022 Bloomberg L.P.