Bloomberg Opinion — Graças quase inteiramente à sua vacina contra covid Comirnaty e seu tratamento contra covid Paxlovid, a Pfizer (PFE) viu seus ganhos do ano inteiro mais que dobrarem, chegando a US$ 21,5 bilhões. A receita do ano subiu 92%, chegando a US$ 81,5 bilhões.
Contando 2021 e o próximo ano, a empresa deve faturar pelo menos US$ 90 bilhões com as vendas dos dois produtos. Para contextualizar esse lucro inesperado, o pico de vendas de 2021 do medicamento para artrite Humira, da Abbvie – que há muito lidera a lista de vendas anuais de medicamentos – foi de US$ 20,7 bilhões.
A questão agora é como a Pfizer gastará todo esse dinheiro.
Albert Bourla, CEO da Pfizer, enfatizou repetidamente que a empresa está interessada principalmente nos tipos de aquisições e acordos que trarão medicamentos em estágio avançado e tecnologias de estágio inicial.
Naturalmente, a quantia crescente de dinheiro leva os investidores a se perguntarem se negócios maiores podem estar no horizonte. Na conferência de apresentação de resultados desta terça-feira (8), Bourla deixou claro que, embora a Pfizer seja flexível ao considerar aquisições, a empresa tem mais interesse em áreas em que tem conhecimento científico para criar valor, em vez de acordos baseados em sinergia.
As megafusões podem ter feito sentido financeiro no início da história da empresa, disse. Estas normalmente exigem cortes de custos substanciais para justificar o prêmio pago em uma aquisição. No passado, grande parte dessa atividade foi impulsionada pelo sequestro de bens, não pelo sucesso. Notavelmente, no início dos anos 2000, a Pfizer fez uma série de grandes negócios enquanto lutava para sobreviver à perda de patentes de seu medicamento de sucesso para colesterol Lipitor.
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Atualmente, seus motores de fabricação, P&D e comércio estão funcionando a todo vapor, segundo Bourla. Ele acrescentou: “Este não é o momento de interromper o ritmo da empresa”.
Uma área em que a Pfizer concentrará suas proezas científicas é a expansão do uso de RNA mensageiro para além da covid. A empresa acredita que a vacina Comirnaty é apenas o primeiro passo para a tecnologia.
Durante a pandemia, a Pfizer acumulou muito conhecimento prático sobre mRNA – sobre a segurança e eficácia das vacinas e também a ampliação da fabricação de vacinas para abastecer o mundo. Agora está montando um empreendimento maior com mRNA que incluirá vacinas e tratamentos.
Para tanto, a empresa negociou um conjunto de acordos no mês passado projetados para desenvolver ainda mais seu pipeline e sua experiência na fabricação desses produtos complexos.
Esses acordos incluíam um pacto com a BioNTech (BNTX), sua parceira na Comirnaty, para uma vacina de herpes zoster baseada em mRNA, e outro com a empresa de edição genética Beam Therapeutics (BEAM). Com a Beam, a Pfizer usará nanopartículas lipídicas – as bolhas gordurosas que as vacinas Covid usam para fornecer o código da proteína spike do SARS-CoV-2 às células – para fornecer o código para alterar genes que, teoricamente, podem corrigir a causa inerente de certas doenças raras.
A empresa também pode ajudar a fabricar e aprimorar a entrega de produtos de mRNA. Ambos serão essenciais para realizar todo o potencial da tecnologia de mRNA, seja ao produzir grandes volumes de vacinas contra a gripe ou desenvolver terapias baseadas em mRNA.
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Do lado da fabricação, a Pfizer licenciou a tecnologia da Codex DNA (DNAY) que pode permitir criar mais rapidamente as cadeias genéticas utilizadas em suas vacinas. Essa tecnologia poderia, por exemplo, reduzir em um mês o tempo necessário para produzir uma vacina contra a gripe. Bourla observou que isso potencialmente permitiria que os pesquisadores projetassem com mais precisão quais cepas incluir em uma vacina.
Acertar isso importa para os investidores também. Apesar do crescimento surpreendente na receita graças aos seus produtos contra covid, as ações da Pfizer caíam até 6,6% na terça-feira antes de se recuperar para fechar com queda de cerca de 2,8%. Uma razão para essa queda foi que a orientação de lucro por ação da empresa em 2022 estava na faixa de US$ 6, em vez de US$ 10, disse o analista da Evercore, Umer Raffat, em nota aos investidores. Os investidores parecem ter subestimado margens mais rígidas das vacinas de mRNA, que são mais caras de produzir do que comprimidos.
No lado da entrega, a Pfizer licenciou a tecnologia de nanopartículas lipídicas da Acuitus. Por mais sem graça que isso possa parecer, acertar o veículo será vital para o sucesso da terapia baseada em mRNA. Quando uma empresa tem uma nanopartícula lipídica que funciona bem, é fácil trocar a carga útil. O mundo já viu isso, pois a Pfizer e a Moderna desenvolveram rapidamente vacinas específicas para variantes do covid.
Mas o desafio técnico é ampliado ao usar uma nanopartícula lipídica para terapia. Não é tão fácil como trocar o código de uma proteína de SARS-CoV-2 pelo de um editor de genes, por exemplo. Cada veículo se comporta de maneira diferente dependendo do que inclui e de como é administrado (por via intravenosa ou intramuscular, por exemplo).
A Pfizer está pegando as peças certas para resolver esse quebra-cabeça. A competição por outros ativos será acirrada – a Pfizer não é a única empresa de olho no mRNA – mas concorrentes podem se mostrar ser um parceiro ideal.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lisa Jarvis, ex-editora executiva do Chemical & Engineering News, escreve sobre biotecnologia, descoberta de medicamentos e indústria farmacêutica para a Bloomberg Opinion.
--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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