Críticas de Lula à Petrobras ecoam campanha de 2002

Diferentemente de 2018, temas econômicos são a principal preocupação do eleitor

Em Eldorado dos Carajás (PA), ambulante vende toalhas com as imagens de Jair Bolsonaro e de Lula
06 de Fevereiro, 2022 | 08:02 AM

Bloomberg Línea — Em agosto de 2002, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, escolheu centrar fogo em críticas à política de compras da Petrobras (PETR4) no exterior na sua primeira aparição no horário eleitoral de rádio e TV. Com cerca de 42% das intenções de voto contra 26% do tucano José Serra, segundo o Datafolha do início da corrida eleitoral, o petista havia cobrado da Petrobras a construção de duas plataformas gigantes, a P-51 e a P-52, pela indústria nacional. À época, Lula já havia firmado a Carta ao Povo Brasileiro – um conjunto de compromissos do candidato com a responsabilidade fiscal.

Quase vinte anos depois, a mesma Petrobras está novamente no centro da disputa presidencial travada entre Lula e Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição. Outra vez na condição de oposicionista e líder nas pesquisas, Lula começou o ano fustigando a política de paridade de preços da estatal sob Bolsonaro com o mercado internacional e a distribuição de dividendos aos acionistas da companhia. Em duas entrevistas nos últimos dias, Lula culpou o presidente pelas sucessivas altas dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.

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Na sexta (28), Lula afirmou que não estava preocupado com o “acionista de Nova York” da estatal. Logo após a declaração, as ações da Petrobras tiveram uma queda de mais de 2% no pregão. Na quinta (3), ele voltou à carga contra a política de preços da companhia.

“Nós não vamos manter o preço da gasolina dolarizado. É importante que o acionista receba seus dividendos quando a Petrobras der lucro, mas eu não posso enriquecer o acionista e empobrecer a dona de casa que vai comprar um quilo de feijão e paga mais caro por causa da gasolina”, afirmou, em entrevista à rede de rádios RDR, do norte do Paraná.

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Na campanha deste ano, Lula tem defendido que a estatal invista em refinarias para diminuir a dependência do país da importação de derivados de petróleo enquanto exporta óleo cru. A atual política, que vem desde o governo de Michel Temer, tem sido de desinvestimento em ativos que estejam fora do negócio principal, que é o de exploração e produção.

Em 2017, o ex-presidente foi condenado pelo então juiz Sergio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Lava Jato, que apurava pagamento de propinas por empreiteiras que tinham contratos com a estatal. A sentença foi confirmada em segunda instância e Lula passou 580 dias preso. No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou a condenação de Lula e considerou Moro suspeito em processos envolvendo o petista.

POR QUE ISSO É IMPORTANTE: A volta da Petrobras ao discurso de Lula bate com o apurado pelas pesquisas eleitorais.

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Na eleição de 2018, ano da vitória de Jair Bolsonaro, as principais preocupações eram a saúde (22%) e a corrupção (20%). Agora, segundo o Datafolha publicado em dezembro, o desemprego (14%), a economia (12%) e a inflação (7%) – temas correlacionados – somam 33%, enquanto a saúde aparece com 24%.

Numa outra pesquisa realizada pelo Ipec (antigo Ibope), em novembro do ano passado, focada não em eleição mas na percepção sobre crise energética com 2.002 entrevistados em todo o país, apontou que 52% dos entrevistados considerou que a alta do gás foi a que mais afetou negativamente o custo de vida das famílias. No Nordeste, o índice chegou a 63%. No levantamento, 10% disseram ter trocado o gás de cozinha por lenha em algum momento dos últimos 12 meses e 6% afirmaram ter usado carvão para cozinhar alimentos.

Tratando especificamente de energia elétrica, segundo o Ipec, 47% dos entrevistados culparam o governo federal pelos aumentos na conta de luz.

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NÃO HAVERÁ UMA NOVA CARTA AO POVO BRASILEIRO: Até agora, Lula tem buscado se posicionar mais ao centro nesta eleição. Lula tem dado sinalizações que agradaram o empresariado e a indústria financeira, que aderiram majoritariamente a Bolsonaro em 2018. O ex-presidente tem tentado passar a mensagem de moderação para se contrapor a Jair Bolsonaro.

O primeiro gesto contemporizador foi buscar o ex-tucano Geraldo Alckmin (sem partido), seu adversário em 2006, para compor a chapa como candidato a vice. O petista tem reiterado que um eventual governo seu terá alianças fora do campo de esquerda porque, segundo ele, a situação econômica e social do país está pior do que a de 2003.

O ex-presidente disse recentemente que não vê como “obstáculo” a autonomia do Banco Central e afirmou que pretende procurar Roberto Campos Neto, caso seja eleito novamente.

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Por fim, a liderança ampla nas pesquisas tem permitido ao ex-presidente retardar a escolha ou o anúncio de nomes de uma eventual equipe econômica. O ex-ministro Guido Mantega, que assinou um artigo enviado à Folha de S.Paulo em janeiro sobre ideias econômicas do candidato, declarou na última semana que não vai fazer parte de um eventual novo governo do PT.

A ideia de editar uma nova versão de Carta ao Povo Brasileiro, comprometendo-se com o controle da inflação e disciplina fiscal, é considerada estapafúrdia pelo candidato. No ano passado, em sua primeira entrevista como pré-candidato, ele disse que seu legado “vale por 500 Cartas ao Povo Brasileiro”.

“Nós pegamos esse país com US$ 30 bilhões de dívida ao FMI, 12% de inflação, 12 milhões de desempregados e o Malan, que era um bom homem, tinha de ir todo final ano até Washington buscar dinheiro para fechar o caixa no Brasil”, disse o ex-presidente Lula, em outubro, afagando Pedro Malan, o ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso.

Alta dos combustíveis virou protagonista do embate Lula-Bolsonaro

A PEC DOS COMBUSTÍVEIS: A questão dos combustíveis virou uma prioridade no núcleo que cuida da reeleição de Bolsonaro. Ministros do Centrão disseram ao presidente que o tema é fundamental para reverter o favoritismo de Lula. O governo – principalmente a equipe econômica de Paulo Guedes – resiste à possibilidade de intervenção nos preços da Petrobras.

A saída encontrada até agora para tentar reduzir o preço do diesel e do gás de cozinha foi a elaboração de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para reduzir impostos que incidem sobre os combustíveis e, novamente, disputa entre a chamada ala política – os ministros ligados ao Centrão – com a equipe econômica.

A Casa Civil de Ciro Nogueira (PP-AL) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) acertaram que a matéria deve mirar, além dos tributos federais, também em uma permissão para que os Estados também reduzam ICMS sobre combustíveis e gás até 2023 – ao que os governadores resistem.

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A justificativa seria atenuar os efeitos da pandemia no orçamento das famílias. A desoneração não precisaria de compensação com corte de gastos ou identificação de uma nova fonte de receita, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal, e terá que apresentar apenas estimativa do impacto no orçamento, estar dentro da meta fiscal e constar na Lei Orçamentária Anual.

Enquanto técnicos do governo ainda discutiam os impactos dessas desonerações, no dia 3, o deputado Christino Áureo (PP-RJ), da base do governo na Câmara, apresentou uma PEC dos Combustíveis. Técnicos da Economia e das Minas e Energia deixaram vazar à imprensa que a proposta do deputado aliada não tinha sido discutida previamente nem tinha o aval do governo. O impacto seria de R$ 54 bilhões na arrecadação federal.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.