Como o Telegram virou uma peça-chave na campanha de Bolsonaro

Jair Bolsonaro é o político global com maior popularidade na plataforma, mas há risco de intervenção do TSE no aplicativo

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Bloomberg Línea — Para a campanha da reeleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, o Telegram assumiu o papel que coube ao WhatsApp em 2018, quando a comunicação criptografada de ponta-a-ponta foi um dos trunfos para mobilizar a base de eleitores do então candidato e gerou acusações de ter sido um veículo de disseminação de informações falsas e de ter se beneficiado de disparos em massa financiados ilegalmente por empresários – veementemente negada pelo presidente.

Bolsonaro é hoje o líder global com maior número de seguidores no Telegram. Sua conta tem 1,038 milhão de assinantes. Num distante segundo lugar está Recep Tayyip Erdoğan, o líder turco, com (277 mil), o presidente do Usbequistão Shavkat Mirziyoyev (181 mil) e o mexicano Andrés Manuel López Obrador (136 mil).

Para efeito de comparação, o canal do ex-presidente Lula (PT), hoje líder nas pesquisas, tem 47 mil inscritos.

No ano passado, o número de usuários no mundo disparou na esteira da mudança das regras de privacidade do WhatsApp depois da invasão do Capitólio. Num processo impulsionado primeiro nos Estados Unidos, o Telegram saltou de 500 milhões para 550 milhões de usuários no primeiro semestre do ano passado, segundo o Statista, uma plataforma de análise de dados.

No período, o app foi o mais baixado na App Store e no Google Play Store no Brasil. Foi depois das pressões sobre o WhatsApp fora que a popularidade do Telegram no Brasil explodiu. Estima-se que ele esteja instalado em metade dos smartphones brasileiros.

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Se o canal oficial de Bolsonaro está focado em distribuição de notícias positivas do governo, a desconstrução de adversários ocorre em contas paralelas. Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, que coordenou as redes sociais do pai em 2018, é o mais vocal em estabelecer o tom das críticas a Lula a quem se refere como “o ex-presidiário” e “o descondenado”. Postagens sobre o ex-presidente tem sido a maioria do canal, que tem 71 mil inscritos.

As vantagens do Telegram para se comunicar com eleitores (ou clientes canais, grupos de Telegram de pequenos investidores estão cada vez populares no Brasil) são muitas: o app oferece transmissões unidirecionais que um número ilimitado de pessoas pode seguir. O Telegram também possui grupos públicos e privados onde até 200 mil pessoas podem se comunicar. Grupos no Signal, para comparação, atingem o máximo de mil; WhatsApp limita a 256.

Na última sexta (28), após fazer uma transmissão ao vivo para apresentar os valores que recebeu da consultoria Alvarez & Marsal, o presidenciável do Podemos, o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro, divulgou parte dos documentos em seu canal na plataforma (3862 inscritos até o fechamento desta reportagem).

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COMO FUNCIONA: O Telegram tem regras muito menos estritas sobre moderação de conteúdo do que outras plataformas. Os termos de serviço proíbem a promoção da violência em canais públicos, mas não mencionam nada sobre a promoção da violência em canais ou grupos privados.

Fora isso, o fundador do serviço, o russo Pavel Durov, tem insistido, através de comunicados em seu próprio canal no Telegram, que o aplicativo tem como prioridade a promoção da liberdade de expressão e é fortemente resistente a liberar qualquer dado armazenado na plataforma a terceiros.

Na sua página de perguntas frequentes, o Telegram explica como montou uma infraestrutura tão sofisticada que praticamente inviabiliza o cumprimento de decisões judiciais nos países onde está presente.

“Para proteger os dados que não são cobertos pela criptografia de ponta a ponta, o Telegram usa uma infraestrutura distribuída. Os dados dos chats em nuvem são armazenados em vários data centers em todo o mundo, controlados por diferentes entidades jurídicas espalhadas por diferentes jurisdições. As chaves de decodificação relevantes são divididas em partes e nunca são mantidas no mesmo lugar que os dados que elas protegem. Como resultado, várias ordens judiciais de diferentes jurisdições são necessárias para nos obrigar a desistir de quaisquer dados”, explica a empresa.

“Graças a essa estrutura, podemos garantir que nenhum governo ou bloco de países com idéias afins possa invadir a privacidade e a liberdade de expressão das pessoas. O Telegram só pode ser forçado a entregar dados se um assunto for grave e universal o suficiente para passar pelo escrutínio de vários sistemas jurídicos diferentes em todo o mundo. Até hoje, divulgamos 0 bytes de dados de usuários para terceiros, incluindo governos.”

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O RISCO DE INTERVENÇÃO DO TSE: “A questão é que o Telegram é uma aplicação que gosta de navegar quase que pela marginalidade, marginalidade no sentido de estar fora do alcance de qualquer decisão judicial”, explicou Fabrício Alves, advogado especializado em direito digital e conselheiro nacional de proteção de dados, em entrevista à Bloomberg Línea na última sexta-feira (28), por telefone.

“Se uma vítima de crime no curso de um processo precisa de uma informação do Telegram, por exemplo, no curso de um processo, a gente simplesmente não consegue intimar”, exemplifica.

O Telegram tem sede nos Emirados Árabes Unidos e nenhuma representação no Brasil. Este é o ponto de atrito com as autoridades eleitorais do país. Em dezembro, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, enviou um ofício ao CEO do Telegram para discutir ações de combate a “teorias conspiratórias e informações falsas” sobre as eleições através do app. Pavel Durov não respondeu.

Em uma entrevista ao site Jota, especializado na cobertura jurídica em janeiro, Barroso disse que pretende discutir com os colegas do STF medidas para tentar submeter o Telegram à jurisdição brasileira.

Uma dessas medidas, segundo o ministro, seria convencer a Câmara dos Deputados e o Senado a aprovar um projeto de lei que pode impedir que empresas como o Telegram e outros provedores sem representação no Brasil atuem em território nacional.

Sem resposta de Durov e diante da perspectiva incerta do Congresso aprovar uma legislação sobre o tema ainda este ano, uma das possibilidades pode ser o bloqueio, pela via judicial, do uso do app no Brasil.

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