Bloomberg Opinion — Embora a ômicron provoque um déjà vu pandêmico com hospitais lotados, voos cancelados e milhões de pessoas em quarentena, uma tendência que dominou as ondas anteriores da covid-19 está em declínio: a bebedeira.
Está amplamente documentado que o consumo de álcool aumentou nos Estados Unidos em 2020 e começou a diminuir em 2021. Agora, 2022 começou com uma participação esmagadora no “janeiro seco” – 19% dos adultos americanos estão se abstendo de álcool (ou tentando) neste mês, de acordo com uma pesquisa. O que está surgindo agora é o negócio de bebidas não alcoólicas.
Sim, os mocktails - ou cocktails sem álcool - estão no auge. E embora seja difícil levar algo falso a sério, essa última tendência não é tão trivial quanto pode parecer. As vendas de bebidas não alcoólicas aumentaram 33%, para US$ 331 milhões no ano passado, informou a NielsenIQ no final de 2021. No futuro, a crescente popularidade de quase-cervejas, vinhos “limpos” e destilados à prova de álcool pode seguir uma trajetória semelhante ao notável boom das carnes artificiais.
Ambas as tendências são lideradas pela geração dos millennials preocupados com a saúde. Ambos também têm importantes implicações éticas e ambientais. E assim como o mercado de carnes artificiais foi construído por novas startups e antigos gigantes da indústria – da Impossible Foods e Beyond Meat à Tyson e Cargill - bebidas sem álcool agora estão sendo vendidas tanto por empresas de bebidas jovens quanto por marcas de bebidas tradicionais.
No mercado americano algumas marcas já ficaram conhecidas: Curious Elixirs, Kin Euphorics e Seedlip – a última comprada pela Diageo, empresa controladora da Smirnoff, Johnnie Walker e Guinness. Esses bebidas sem álcool estão sendo comercializadas como uma extensão do movimento de coquetéis artesanais gourmetizados – e com preços que seguem a mesma tendência - com aditivos caros como “adaptógenos” que supostamente oferecem uma onda holística e sem ressaca.
Grandes vinicultores, incluindo a Kendall-Jackson, a Johannes Leitz e a Brancott Estates, lançaram vinhos sem álcool ou com baixo teor alcoólico, que variam de Pinot Noirs terrosos a Rieslings frescos. Eles não são baratos – alguns são vendidos por mais de US$ 20 a garrafa – mas também não têm o sabor das imitações de outrora, que sabiam a suco de uva. Alguns até foram bem revisados por enólogos esnobes.
Quanto às opções de quase-cervejas, bem, elas não são as O’Doul’s do seu avô. A Heineken estreou seu produto “O.O”, que de acordo com a revista Food & Wine “certamente não é ruim”, e para meu paladar inexperiente é difícil distinguir de uma cerveja tradicional. Outros cervejeiros estão adicionando algo extra: a Brooklyn Brewery usa um novo método de fabricação de cerveja sem álcool, apelidado de “Efeitos Especiais”, mantendo o sabor maltado enquanto corta o álcool. E para aqueles que gostariam de mudar de onda, a Two Roots Brewery introduziu uma bebida com infusão de THC que eles chamam de “cannabiers”.
Por enquanto, as cervejas sem álcool representam uma pequena parcela da indústria nos EUA, mas alguns cervejeiros esperam que ela cresça dois dígitos nos próximos anos, juntamente com outras tendências em saúde e bem-estar. As projeções de crescimento em todo o setor tendem a incluir o mercado emergente de não-alcoólicos com refrigerantes e chás e cafés engarrafados, os quais podem atingir US$ 1,6 trilhão em vendas globais até 2025.
Grande parte do boom ocorreu online, com um aumento colossal de 315% nas vendas de bebidas não alcoólicas e com baixo teor alcoólico no ano passado, em comparação com um aumento de 26% nas vendas online de opções alcoólicas durante esse período, segundo a Nielsen. Mas agora há um curioso fenômeno paralelo de boutiques conhecidas como “lojas secas” surgindo nas grandes cidades vendendo apenas bebidas sem álcool de alta qualidade.
Nem as lojas nem os produtos atendem necessariamente as pessoas que enfrentam compulsão por álcool e tentam parar de beber. O sabor e a cerimônia dos mocktails podem servir de gatilho para quem está em processo de recuperação, aumentando a chance de uma recaída.
Mas para muitos que podem pagar por esses produtos, os benefícios potenciais de ter alternativas saudáveis, saborosas e socialmente aceitáveis em uma sociedade saturada de álcool podem ser uma coisa muito boa. Pode ajudar a criar espaço para as populações crescentes motivadas por blogs, como a tiredofthinkingaboutdrinking.com, e best-sellers como Sober Curious e Quit Like a Woman, que defendem que a sobriedade pode trazer um sono melhor, menos ansiedade, mais produtividade e empoderamento pessoal. Surgiram porta-vozes do movimento entre as celebridades, incluindo Elton John e Chrissy Teigen, e alguns estrearam suas próprias linhas de mocktails, incluindo a De Soi, de Katy Perry, e Betty Buzz, de Blake Lively.
Há também benefícios ambientais a serem considerados no momento em que as pressões climáticas estão cada vez mais afetando os produtores de vinho e cerveja. Seca, calor e incêndios florestais devastaram o noroeste do Pacífico no ano passado, causando danos incrivelmente caros aos vinhedos, colheitas devastadoras e elevando os preços do vinho. As colheitas de cevada também foram duramente atingidas – com uma queda de 38% no Canadá, no ano passado, e 33% nos EUA, por causa do clima mais quente e seco, afetando as condições de plantio. O lúpulo também está se tornando cada vez mais difícil de cultivar. E a fabricação de cerveja é um processo que consome sete galões de água para cada galão de bebida produzida, tornando cada vez mais difícil administrar cervejarias lucrativas em regiões com escassez de água.
O resultado é este: os produtores de álcool precisarão desenvolver novos métodos de cultivo para adaptação ao clima e os consumidores precisarão de uma gama crescente de opções – incluindo, talvez, alternativas de vinho e cerveja que não exigem uvas, lúpulo e cevada. À medida que os millennials e a geração zers envelhecem, e os custos continuam a aumentar para cervejas e vinhos tradicionais, as misturas não alcoólicas merecem se tornar mais populares.
Amanda Little é colunista da Bloomberg Opinion. Ela é professora de jornalismo e redação científica na Vanderbilt University e autora de “The Fate of Food: What We’ll Eat in a Bigger, Hotter, Smarter World”.
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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, localization specialist da Bloomberg Línea.
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