Bloomberg Línea — Promover a diversidade e inclusão nas empresas não é moda ou marketing. O engajamento pode refletir positivamente no desempenho financeiro de uma companhia. Mas de que forma?
O dia 29 de janeiro é considerado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Conforme Gabriela Augusto, especialista em diversidade e inclusão e diretora fundadora da Transcendemos Consultoria, promover a diversidade dentro de empresas “de fato converte em vendas”. Bacharel em direito pela PUC de São Paulo e embaixadora do programa Rise do Facebook, Gabriela é uma mulher transgênero que hoje se dedica a promover a diversidade e inclusão no mercado de trabalho.
O mercado de trabalho já traz naturalmente uma disparidade entre gêneros. Segundo o World Economic Forum, seriam necessários 267,6 anos para alcançar uma igualdade na participação econômica e de oportunidades. De acordo com o relatório de março de 2021, com dados de 156 países, as diferenças ficaram ainda piores com a pandemia, ressaltando que ainda não é possível saber com precisão a dimensão do impacto da covid-19 nesse sentido.
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O Brasil ocupava a 93ª posição global em igualdade de gênero no geral, segundo os dados do Fórum Econômico Mundial. Na América Latina, o país ocupa a 25ª posição, entre os 26 países da região. Essa dificuldade se torna ainda maior quando tratamos de transgêneros. “Precisamos assumir uma postura ativa. Promover a diversidade arregaçando as mangas”, comenta Gabriela Augusto. “Não podemos ficar esperando, precisamos agir.”
Como investir na diversidade
“A gente precisa desbloquear o verdadeiro valor da diversidade, oferecendo a cultura de respeito e de igualdade, para trazer a diversidade para o centro do processo criativo e de inovação”, comenta Gabriela. “É assim que a gente tem o verdadeiro benefício e começa a perceber a diversidade se traduzindo em um acréscimo da performance financeira das empresas. Criando produtos e serviços melhores, se conectando genuinamente com o público consumidor, isso se converte em mais vendas, em maior fidelidade de todas as partes, consumidores e colaboradores. Isso diminui turnover, diminui custos de ação trabalhista. Aumenta ganhos e diminui custos.”
“Muitas vezes as empresas dizem que não enxergam as diferenças, que basta a pessoa ter os skills. Mas quando olhamos para os corredores e salas, são todos homens brancos heterossexuais, quando muito há mulheres brancas também.”
Gabriela reforça que a busca pela inclusão de pessoas trans e aumento da diversidade nas companhias não significa “baixar a barra”. “Isso já deu problema com empresas grandes. Não se trata de baixar a barra. Se trata de entender como essas pessoas podem contribuir de fato, como as experiências de vida delas representam valor.”
“Ter só pessoas muito parecidas, só pessoas brancas, cisgênero, heterossexuais, é um risco para o negócio. Isso reduz o campo de visão da empresa. Precisamos demonstrar o quão fundamental é ter os diferentes olhares para expandir nossa capacidade de inovar.”
Quem já investe
Ainda é baixa a representatividade trans no mercado de trabalho brasileiro, e consequentemente são poucas as pessoas trans que alcançam posições de destaque em grandes empresas. Além de Monique Oliveira, uma das cofundadoras da startup Movile, dona do aplicativo iFood, Gabriela também ressalta a trajetória de Danielle Torres, sócia-diretora de Práticas Profissionais na KPMG.
Algumas empresas estão tentando mudar esse cenário por meio de ações afirmativas - nem sempre tão bem aceitas assim pela sociedade como um todo. No início de janeiro, a psicóloga e roteirista Déia Freitas, criadora do podcast Não Inviabilize, recebeu ataques e insultos em suas redes sociais após anunciar uma vaga para sua equipe que era direcionada a mulheres cis, trans e travestis, somente pretas, pardas e indígenas.
Déia chegou a perder por 24 horas o acesso à conta de email que usava para receber os currículos, após diversas tentativas de invasão. Pelo Twitter, rede social em que seu nome chegou a ser um dos assuntos mais comentados com a divulgação da oportunidade de trabalho, ela chegou a receber ameaças e acusações de discriminação contra homens e pessoas brancas.
A roteirista disse, em entrevista à Folha, que poderia ter anunciado a vaga sem o detalhamento da política afirmativa. Porém, considera que seria injusto com os demais candidatos que não se encaixassem no perfil. “A gente está num cenário de muita gente sem emprego. Não achei justo dar essa esperança. A pessoa vai fazer um currículo, escrever uma redação. Achei melhor já direcionar para quem eu realmente queria.”
“Não estou tirando as chances de ninguém, mas quero dar chance para quem nunca tem nada”, disse à Folha.
A própria consultoria Transcendemos, fundada por Gabriela Augusto, realizou uma parceria, também em janeiro, com a Tim (TIMS3), o programa TransformaTIM, que visa a formação e inclusão de transsexuais e travestis no mercado de trabalho. Serão 60 bolsas de estudo para curso de experiência do cliente. Ao fim, 20 participantes serão contratados para o call center da empresa de telefonia, em trabalho remoto, e para lojas físicas no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
Outro caso recente sobre ação afirmativa foi o do Mercado Livre (MELI). O gigante do e-commerce na América Latina anunciou na segunda-feira (24) que pagará até 70% do valor de cirurgias de redesignação de gênero para seus funcionários trans da América Latina. O benefício tem limite de até US$ 5 mil por procedimento e é válido para os funcionários com pelo menos um ano de empresa.
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A empresa disse ainda que oferecerá pagamento de seguro fiança para aluguel de imóvel e assessoria jurídica para alteração de nome e gênero em registros civis, além de suporte psicológico para os colaboradores. O Mercado Livre oferece às pessoas trans 15 dias de licença por ano para procedimentos médicos. A empresa também conta com banheiros neutros em suas operações.